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ANADEP: Por que mudar/adequar o nome foi necessário?

13 de agosto de 2018

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A ANADEP – Associação Nacional dos Defensores Públicos, entidade de classe representativa das defensoras e dos defensores públicos estaduais, teve sua origem em 1984, como FENADEP – Federação Nacional de Defensores Públicos. Defensoras e defensores dos poucos estados que contavam com Defensoria Pública naquela época se juntaram para impulsionar a criação da instituição nos demais estados e para alcançar uma adequada formatação constitucional e legal. Lograram êxito com a inserção de um capítulo próprio na Constituição Federal de 1988 e com a sanção da Lei Complementar 80, de 1994. Naquele mesmo ano, o estatuto da entidade foi modificado e a FENADEP passou a se chamar ANADEP – Associação Nacional dos Defensores Públicos. Agora em 2018, o estatuto passou por nova reforma, desta feita para alterar o nome da ANADEP para Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos.

A proposta de alteração foi apresentada pela Diretoria da associação em novembro de 2017. Logo em seguida, ela ganhou o apoio da Coletiva Defensoras Públicas – articulação que envolve centenas de defensoras públicas brasileiras – e da Comissão Especial da Mulher da própria ANADEP, vindo a ser aprovada em junho de 2018.

Por que alterar o nome da associação para que nele pudesse constar expressamente o termo “Defensoras”? Existem argumentos das mais variadas ordens aqui a justificar essa adequação.

Em primeiro lugar, por que não o fazer? A entidade conta hoje com 3285 associadas e 2850 associados, num total de 6135, sendo 435 mais mulheres do que homens na carreira. A adequação em nenhuma hipótese gera exclusão de representação. Pelo contrário. Ao se incluir não se exclui. Se as Defensoras Públicas não estavam se sentindo representadas pela ausência do termo “Defensoras” no nome da entidade de classe que as representa em âmbito nacional, por que não incluir esse termo já que essa atitude não excluiria representação de qualquer outra ordem? Homens e mulheres passariam a sentir contemplados. Ao contemplar as mulheres, não se exclui os homens.

Em segundo lugar, sabe-se que, durante muito tempo, as mulheres foram objeto de uma narrativa histórica que as relegou à invisibilidade e ao silêncio. Homens ocupavam o espaço público enquanto mulheres estavam destinadas ao espaço privado da família e do lar. Poucas mulheres ousavam transitar nos espaços públicos e, justo por isso, há também um silêncio das fontes, pois, como pouco eram vistas em ambientes públicos, pouco se falava delas. Aliás, repare que pouco se falava e quando se falava, geralmente era um homem a falar de uma mulher. Faltava às mulheres começar um processo de apropriação de sua própria história.

Trazendo essa questão para o contexto da ANADEP: criada em 1984, a entidade contou com apenas duas presidentes num total de 18 gestões. Foram elas Suely Pletz Neder (1986/1990) e Patrícia Kettermann (2013/2015). Do total das 26 associações estaduais que existem hoje e representam a categoria (ressalvando o Estado do Amapá que não possui Defensoria instalada nos moldes constitucionais, portanto, não conta também com a existência de uma entidade de classe que represente a categoria), 11 são presididas por mulheres. Continuamos com mais presidentes homens que mulheres. Os motivos são inúmeros e muitos conhecidos por nós: a maternidade, muitas vezes a ausência de uma divisão igualitária das tarefas domésticas entre o homem e a mulher, a forma como a figura feminina ainda é tratada em espaços políticos e de poder – afinal, atributos físicos costumam ser mensurados de maneira mais relevante e necessária do que TODOS os demais. Rupi Kaur, escritora indiana, escreveu assim: “Quero pedir desculpas a todas as mulheres que descrevi como bonitas antes de dizer inteligentes ou corajosas. Fico triste por ter falado como se algo tão simples como aquilo que nasceu com você fosse seu maior orgulho quando seu espírito já despedaçou montanhas. De agora em diante vou dizer coisas como você é forte ou você é incrível, não porque eu não te ache bonita, mas porque você é muito mais do que isso”. Todas essas questões acabam afastando a mulher do espaço público ainda nos dias de hoje.

Talvez nos dias de hoje as mulheres já tenham começado o processo de apropriação de sua história. Talvez hoje ser mulher seja um pouco menos doloroso e as culpas sejam mais facilmente diluídas, pois é possível encontrar nichos de solidariedade e compreensão na sociedade. Espaços de diálogo que possibilitam o debate sério e profundo da questão de ser mulher no século XXI. Mas para que não nos esqueçamos do passado e para que continuemos a impulsionar de forma positiva e saudável uma mudança em sociedade sobre os papéis de homens e mulheres, é que a adequação do nome da ANADEP também se fazia necessária. É o discurso se incorporando à prática e com isso ganhando doses de legitimidade.

Em terceiro lugar, é necessário ressignificar o papel das entidades associativas nos dias de hoje. Façamos um paralelo com o direito das famílias. Há 20 anos a família era representada pelo casamento de um homem com uma mulher e pelos filhos que eventualmente viessem a ter. Hoje nós temos inúmeras formas de representação de famílias: a monoparental, a homoafetiva, a que não tem casamento, a que junta filhos de um com filhos de outro. Houve uma ressignificação do sentido do que seja uma família. Hoje, ela tem por base o afeto. Voltando para as entidades de classe. Quais são os seus papéis nos dias de hoje? Como elas se encaixavam na sociedade há 20 anos e como devem se encaixar hoje? Velhas ideias nos levam a velhos lugares. É necessário que se tenha criatividade e coragem para ter novas ideias e desbravar novos lugares.

A ANADEP não deve e não pode perder sua legitimidade perante a categoria que representa e perante 80% da população do país, que é a estimativa que se tem sobre os que são potenciais usuários dos serviços das Defensorias Públicas estaduais. Reinventar a atividade associativa nos dias de hoje é desafio que se coloca diante dos dirigentes das entidades. Muitos podem ser os caminhos, mas não incluir, com certeza, não deve ser um deles. Por isso a adequação do nome da ANADEP também se fazia necessária, para incluir as associadas, que hoje são maioria, e merecem sair da invisibilidade e do silêncio.

A ANADEP, então, que representa uma categoria que pertence à instituição mais nova do sistema de Justiça, foi a primeira associação deste mesmo sistema a fazer a adequação de gênero em seu nome. São novas ideias. É necessário desbravar novos caminhos.