Apadrinhamento garante apoio material e afetivo

17 de agosto de 2015

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sergio_luizdesouzaRecentemente, o Juiz Sérgio Luiz de Souza foi entrevistado pelo apresentador Jô Soares, em seu programa na TV Globo. O titular da 4a Vara da Infância, da Juventude e do Idoso (VIJI), do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) foi convidado a falar sobre o projeto “Apadrinhar – Amar e Agir para Materializar Sonhos”, que tem como objetivo buscar apoio material e psicológico a crianças e jovens abrigados, por meio do sistema de apadrinhamento. 

O projeto tem como estrutura principal o apadrinhamento afetivo, que consiste em assumir o compromisso de acompanhar, orientar, assistir e apoiar a educação, o desenvolvimento e o projeto de vida de crianças e de adolescentes em situação de acolhimento institucional.

Os candidatos interessados no Programa de Apadrinhamento Afetivo podem fazer sua inscrição por meio do site  http://2vriji.blogspot.com.br. Depois disso, eles passarão por encontros de esclarecimento sobre suas responsabilidades. Ao aderirem ao projeto, os padrinhos devem ter em mente que precisarão proporcionar à criança/ao adolescente vínculos externos à instituição, seja por meio de visitas, passeios, comemoração de datas especiais, ou também, quando possível e se desejarem, colaborando na sua qualificação pessoal e profissional, com cursos profissionalizantes, estágios em instituições, reforço escolar, prática de esportes, entre outras atividades.

É possível, ainda, participar do Apadrinhamento Colaborador (contribuição com a prestação de serviços) e Apadrinhamento Provedor (oferece suporte material e/ou financeiro a crianças e adolescentes ou a instituições de acolhimento). O programa também recebe doações de alimentos, roupas, eletrodomésticos, livros, brinquedos, colchões entre outros diversos itens, que são entregues as diversas instituições atendidas.

Em 2014, o projeto recebeu doações de eletrodomésticos e utensílios diversos. Foram autuados 11 processos de padrinhos afetivos, dois de padrinhos colaboradores e cadastrados quatro padrinhos provedores.

Revista Justiça & Cidadania – Qual a situação das instituições de acolhimento do País no momento? 

Sérgio Luiz de Souza – No município do Rio de Janeiro, há muitas instituições de acolhimento, públicas e privadas, em condições precárias, seja no que tange às instalações ou no que se refere à estrutura técnica.

JC – E qual a diferença entre as atuais casas de acolhimento e as antes denominadas “instituições de abrigo”?

SLS – Atualmente, deve ser estabelecido um plano de atendimento individual para todas as crianças e adolescentes, não se admitindo um tratamento padronizado, que não respeita individualidades. Além disso, a recomendação é que essas instituições acolham no máximo 20 infantes, com a organização nos moldes de uma residência, para melhor atendimento.

JC – Referindo-se à forma como as instituições veem a adoção, recentemente o senhor disse em entrevista que “nós não procuramos crianças para as famílias, mas famílias para as crianças”. A que o senhor atribui essa mudança de pensamento?

SLS – À doutrina da proteção integral, que veio após a doutrina da situação irregular. A criança e o adolescente deixaram de ser objeto de direito, sendo elevados ao patamar de sujeitos de direitos. Além disso, busca-se o atendimento do melhor interesse do infante.

JC – O senhor costuma receber muitos pedidos de adoções por casais homoafetivos. O senhor acredita que a sociedade está mais tolerante quanto a essa questão? 

SLS – Sim. A sociedade consegue enxergar que o que importa é a capacidade de tratar devidamente nossas crianças e adolescentes, independentemente de opção sexual, crença religiosa, raça etc.

JC – Ainda existem barreiras ou exigências impostas pelas famílias durante o processo de adoção? Por exemplo, limite de idade ou cor de pele? Como mudar isso?

SLS – Infelizmente, os adotantes dizem previamente o perfil da criança que pretendem adotar. O ideal seria que fossem mostradas às famílias as crianças e adolescentes disponíveis para adoção, para que houvesse a aproximação, e não a busca de um filho ideal, como acontece muitas vezes hoje. A mudança efetiva ocorrerá quando os pretensos adotantes, sem o estabelecimento de um perfil prévio, de uma criança ideal, fossem apresentados às crianças reais, efetivamente à espera de uma família.

 JC – A burocracia é grande?

SLS – Não. A demora nos processos de adoção, em regra, é ocasionada pelo tempo de duração da Ação de Destituição do Poder Familiar, haja vista que depende do trânsito em julgado da sentença destituitória.

JC – O que é e como funciona o Projeto “Apadrinhar – Amar e Agir para Materializar Sonhos”?

SLS – Atualmente, há cerca de 300 crianças e adolescentes acolhidos em instituições da área de abrangência desta 4a VIJI da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Ocorre que, destes, muitos chegarão à maioridade ainda acolhidos e sairão das instituições, na sua maioria, sem perspectivas de inclusão saudável na sociedade. Cabe a todos romper esta realidade dolorosa. Nesse sentido, o projeto “Apadrinhar – Amar e Agir para Materializar Sonhos” espera propiciar às crianças e aos adolescentes vinculados a esta 4a VIJI , em medida de acolhimento institucional, com esperanças remotas de reinserção familiar e adoção, a oportunidade de construir laços de afeto e apoio material, com possibilidades de amparos educacional e profissional, com pessoas da sociedade civil que possuam disponibilidade emocional e/ou financeira para se tornar padrinho ou madrinha.

JC – O que motivou o senhor a implementá-lo?

SLS – O vazio afetivo em que se encontram essas crianças e adolescentes, bem como as precárias condições das entidades de acolhimento.

JC – O projeto foi lançado pela 4a Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital/RJ. Outras comarcas do estado também já se interessaram por ele?

SLS – O projeto está sendo submetido a todos os colegas das demais Varas com competência em Infância e Juventude, para apresentação de críticas e sugestões, haja vista que a intenção é estender o projeto para todo o estado do Rio de Janeiro.

JC – Já existem experiências similares ao seu projeto de apadrinhamento em outros estados do País. Em que este se diferencia dos demais?

SLS – O projeto foi formado observando experiências análogas, sem prejuízo de inovações para melhor adaptação à realidade local.

JC – O projeto teve início em outubro do ano passado. Como tem sido a experiência para os chamados padrinhos e, sobretudo, crianças e adolescentes desde então?

SLS – Muito positiva. As crianças e os adolescentes beneficiados pelo projeto demonstram ligação afetiva com seus padrinhos e a alegria de terem alguma referência afetiva.

JC – Existe a ideia de se incluírem futuramente os idosos nesse projeto? Como isso seria feito?

SLS – Inicialmente, pretende-se a plena implementação no estado todo. Efetivada esta etapa, existe a intenção de criar projeto análogo para idosos, com as adaptações necessárias.

JC – Como o senhor vê a discussão atual sobre a redução da maioridade penal, após a recém aprovada PEC 171 em controversa sessão na Câmara?

SLS – A justificativa da PEC é a redução da criminalidade. Respeitando as opiniões em contrário, trata-se de conclusão absolutamente equivocada, haja vista que é um ataque a uma das consequências de um problema estrutural, e não das verdadeiras causas. A falta de estrutura para a real proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes (assistência social, Conselhos Tutelares, atendimento psicológico, vagas em creches, escolas, atendimentos médicos em geral etc.) é a maior causa das infrações praticadas por adolescentes. Modificar a idade para responsabilização criminal, por si só, jamais irá modificar essa realidade perversa ora reinante.

JC – No dia 13 de julho, cumprem-se 25 anos da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Qual o saldo da Lei no 8.069/1990 após duas décadas e meia em vigor?

SLS – A consolidação da doutrina da proteção integral, com a exigência de que a criança e o adolescente sejam respeitados como sujeitos de direitos, e não meramente como objeto de direito. Infelizmente, há muito ainda a fazer para a efetivação dos direitos e das garantias que a Constituição da República e o ECA dedicam às crianças e aos adolescentes.

JC – E como o senhor vê a Política Nacional da Criança e do Adolescente, ainda em fase de elaboração pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)?

SLS – Trata-se de mais um movimento em busca da efetivação dos direitos e das garantias das crianças e adolescentes.