Brexit de Boris

4 de fevereiro de 2022

Membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB

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Como chegamos até “aqui”? Para onde vamos agora?

O Reino Unido deixou formalmente a União Europeia (EU) em 31 de janeiro de 2020, mas permaneceu no mercado único da UE durante o chamado “período de transição” – fase destinada a manter equilibrio nas relações comerciais, durante as negociações em respeito a relação de longo prazo entre o Reino Unido e a UE. Depois de muita deliberação e atrasos de ambas as partes, o Reino Unido e a UE chegaram a um acordo comercial em 24 de dezembro de 2020, apenas sete dias antes da data programada para o término do período de transição. Este artigo resume, assim, os eventos centrais que antecederam referida data, os principais aspectos do acordo alcançado – concentrando-se nos ajustes relativos à Irlanda do Norte – e as implicações quanto a novas oportunidades comerciais com a América Latina e com o resto do mundo.

Recapitulando o Brexit

Abaixo, um breve resumo dos principais eventos que levaram à formalização do Brexit:

  • 24 de julho de 2019 – Um novo líder: Boris Johnson é eleito líder do Partido Conservador e nomeado primeiro-ministro, após a ex-Primeira-Ministra Theresa May deixar o cargo. A mensagem fundamental do novo líder durante a eleição foi um compromisso de “fazer ou morrer” em relação à saída do Reino Unido da UE até 31 de outubro de 2019, tendo como mantra de campanha: “Concretizar o Brexit, unir o país e derrotar Jeremy Corbyn” (“Líder da Oposição” no Parlamento do Reino Unido à época);
  • 9 de setembro de 2019 – Fechamento do Parlamento: O Parlamento do Reino Unido foi “dissolvido” (suspenso temporariamente) de forma controversa pelo Governo do Primeiro-Ministro Johnson por cinco semanas; a mais longa dissolução de sua história, enfrentando a oposição acirrada dos membros que alegavam que tal movimento nada mais era do que uma tática cínica para impedir que o Parlamento debatesse o Brexit, com o objetivo de “segurar o resultado” para forçar um Brexit sem acordo;
  • 25 de setembro de 2019 – Reabertura do Parlamento: O Parlamento britânico reabre após a mais alta corte do Reino Unido (a Suprema Corte), em um caso de relevância constitucional, decidir que a dissolução era ilegal, além de “nula e sem efeito”;
  • 17 de outubro de 2019 – Projeto de lei de Boris: Um “Projeto de Lei para o Acordo de Retirada” revisado é negociado pela UE e pelo Primeiro-Ministro Johnson (Withdrawal Agreement Bill – “WAB II”), enquanto o Governo do Reino Unido continua a pressionar para que o Brexit ocorresse até o prazo final de 31 de outubro de 2019;
  • 19 de outubro de 2019 – Novos atrasos – É realizada uma sessão histórica do Parlamento britânico em um sábado – a primeira desde a invasão das Malvinas, em abril de 1982 – para debater o WAB II. Preocupado com a pressa com que o Primeiro-Ministro Johnson tentava aprová-lo, o Parlamento vota a favor da alteração da lei proposta, visando permitir tempo suficiente para revisão e análise do acordo. Essa pequena, mas significativa alteração força o Governo britânico a solicitar à UE nova prorrogação;
  • 20 de outubro de 2019 – Solicitação de prorrogação: Apesar de ter dito anteriormente que “preferia estar morto em uma vala” do que pedir à UE para adiar ainda mais o Brexit, o Primeiro-Ministro Johnson muito relutantemente solicita a prorrogação;
  • 28 de outubro de 2019 – Prorrogação concedida: O Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, confirma que o Reino Unido recebeu uma “prorrogação flexível” (flextension) até 31 de janeiro de 2020, representando golpe fatal nas esperanças do Primeiro-Ministro Johnson de concretizar o Brexit sem atrasos;
  • 12 de dezembro de 2019 – Eleições de Natal: Após chegar a um impasse ao buscar a aprovação de um acordo no Parlamento, o Primeiro-Ministro Johnson conseguiu uma “eleição antecipada” antes do Natal de 2019. A eleição resulta em uma vitória esmagadora para o Partido Conservador, garantindo 365 das 650 cadeiras (um aumento líquido de 48 deputados) e 43,6% do total de votos (o maior de qualquer partido desde 1979). É importante ressaltar que isso dá ao Primeiro-Ministro Johnson uma “maioria simples”, mas significativa de membros do Parlamento, além do mandato, para pressionar a “conclusão do Brexit” antes do novo “dia da saída” (31 de janeiro de 2020);
  • 30 de janeiro de 2020 – Retirada acordada: A “Lei da UE de 2020” (“Acordo de Retirada”) torna-se lei em 23 de janeiro de 2020 e é ratificada pela UE em 30 de janeiro de 2020. Juntamente com o Acordo de Retirada, o Reino Unido e a UE também celebram uma “Declaração Política” revisada, um documento não vinculante dispondo sobre questões fundamentais para as negociações, incluindo a economia, a segurança e “questões transversais” (cooperação em governança, resolução de controvérsias, direitos humanos e outras áreas concomitantes entre o Reino Unido e a UE);
  • 31 de janeiro de 2020 – Brexit (em transição): O Acordo de Retirada entra em vigor logo antes do prazo final para a saída do Reino Unido da UE, às 23h, em 31 de janeiro de 2020. O Reino Unido entra em “período de transição” – parte remanescente do mercado único e da união aduaneira – até às 23h de 31 de dezembro de 2020, para que o Reino Unido e a UE negociem um acordo a respeito de sua relação futura;
  • 30 de junho de 2020 – Sem nova prorrogação: O Reino Unido aprova o prazo para solicitação formal de uma prorrogação do período de transição, aumentando a pressão de ambos os lados para que houvesse um acordo antes do final de 2020;
  • 24 de dezembro de 2020 – Acordo comercial: A negociação entre o Reino Unido e a UE sobre o “Acordo Comercial e de Cooperação” (Trade and Cooperation Agreement – TCA) é concluída apenas sete dias antes do término do período de transição.

O Acordo Comercial Reino Unido-UE – O TCA é um acordo amplo que abrange o comércio de bens e serviços, além de proporcionar igualdade de condições para as empresas, incluindo regras sobre direitos dos trabalhadores, regulamentos ambientais e – vale ressaltar – concorrência/ auxílio do Estado:

  • GovernançaEmbora o Reino Unido tenha buscado acordos separados para cada ponto importante, a UE firmou posição em um único acordo; isso significa que o descumprimento de um aspecto afetará os demais. O Acordo está sob a fiscalização de um Conselho de Parceria Reino Unido-UE, apoiado por comitês especializados. O TCA prevê um complexo processo de negociação bilateral caso uma das partes perceba que a outra violou suas obrigações. Se as partes não chegarem a um acordo, o assunto estará sujeito à arbitragem externa vinculante. Há um mecanismo geral de reequilíbrio que permite medidas corretivas/aplicação arbitral retroativa se impactos significativos forem observados no comércio ou investimentos. O TCA será revisado de forma conjunta em cinco anos e pode ser rescindido por qualquer das partes, desde que haja notificação com 12 meses de antecedência;
  • Livre circulaçãoO TCA não prevê a livre circulação de bens e serviços. Isso é uma consequência da firme oposição do Reino Unido à livre circulação de pessoas, um princípio central da UE, que caminha lado a lado com as demais liberdades de circulação;
  • Comércio e alfândegaO TCA prevê tarifas zero e cota zero em todos os bens que sejam originários da UE ou do Reino Unido e que cumpram as regras adequadas de origem, juntamente com outras medidas para facilitar o comércio – incluindo sistemas de reconhecimento mútuo para comerciantes de confiança e o uso de referências internacionais comuns. O acordo é particularmente generoso por incluir matérias-primas processadas “não originárias” dentro da definição de “originárias”, desde que o Estado “originário” (Reino Unido/ UE) atenda a um limiar estabelecido de “valor agregado” no que diz respeito à sua contribuição para o produto, determinado de acordo com o setor;
  • Serviços O TCA prevê certa liberalização, em caráter limitado, quanto aos serviços, mas não nos limites pleiteados e esperados pelo Reino Unido. É importante ressaltar que os prestadores de serviços do Reino Unido não se beneficiam mais do conceito de “passaporte”, que permite acesso automático a todo o mercado único. Contudo, há uma garantia de que não devem ser tratados de forma menos favorável. Setores específicos de serviços estarão sujeitos a decisões de adequação da UE, incluindo – em especial – o setor de serviços financeiros. Da mesma forma, os apelos do Reino Unido para o reconhecimento mútuo das qualificações profissionais (por exemplo, de contadores, advogados, arquitetos e médicos) foram ignorados, embora alguns Estados-membros da UE já tenham concordado com certa reciprocidade com o Reino Unido de forma individual;
  • Concorrência e auxílio do Estado O Reino Unido não é obrigado a manter os mesmos padrões que a EU, como ocorria quando estava no mercado único da UE, mas deve manter um nível semelhante.Se uma das partes sentir que a outra não está mantendo um sistema eficaz de controle e fiscalização – inclusive se a UE perceber que o Reino Unido foi longe demais na divergência – a parte pode acionar o processo bilateral de negociação e/ou arbitragem (descrito acima);
  • Dados e segurançaEmbora o próprio TCA não tenha pactuado fluxos de dados, permitiu o compartilhamento de dados ligados ao policiamento e à cooperação judicial, embora com acesso reduzido aos bancos de dados da UE. Em 28 de junho de 2021, a Comissão Europeia aprovou duas decisões de “adequação” permitindo que os dados pessoais continuem a circular entre o Reino Unido e a EU;
  • Legislação e resolução de controvérsiasO TCA foi em grande parte omisso quanto à legislação e à resolução de controvérsias, exceto pela regência do próprio TCA – conforme mencionado acima. Assim, a posição que restou ao Reino Unido é semelhante a um “Brexit sem acordo”, aumentando a potencial complexidade do litígio entre fronteiras. O Reino Unido transpôs algumas das regras da UE voluntariamente para o Direito interno a título de “Leis mantidas da UE”, incluindo os instrumentos de “Roma” que regem a eleição do foro, embora haja potencial para divergências com o tempo. Há uma incerteza significativa relacionada à jurisdição que se seguirá ao Brexit. Atualmente, o Reino Unido não é membro da Convenção de Lugano (a adesão requer consentimento unânime e a UE está atualmente bloqueando a adesão do Reino Unido) e não está claro se os tribunais da UE respeitarão as regras da Convenção de Haia.

O Backstop irlandês/ Protocolo: Uma Ponte para Lugar Nenhum? – Um dos pontos de atrito mais cruciais para o Brexit foi a complicada e controversa questão conhecida como “Backstop irlandês”. O termo descreve o protocolo anexado ao primeiro projeto de lei do acordo de retirada do Brexit (WAB I), destinado a evitar uma “fronteira rígida” entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. Essa continuou sendo uma questão delicada durante as tentativas de negociações do Primeiro-Ministro Johnson com a EU. A certa altura, Boris Johnson chegou a propor a construção de uma ponte entre a Escócia e a Irlanda do Norte, a um custo estimado de aproximadamente £15 bilhões.

Segundo o Protocolo do TCA, foi finalmente acordado que a Irlanda do Norte continuaria a seguir as regras da UE em relação às normas sobre produtos – parte das regras do mercado único da UE – para evitar verificações ao longo da fronteira. Em vez disso, as verificações ocorreriam em mercadorias que entrassem na Irlanda do Norte vindas da Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia ou País de Gales). O Governo do Reino Unido prometeu à Irlanda do Norte “acesso irrestrito” para seus negócios com o restante do Reino Unido e garantiu que as verificações alfandegárias não ocorreriam na fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. O Primeiro-Ministro Johnson havia indicado que as verificações alfandegárias sobre as importações e as exportações entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda poderiam ser realizadas “de forma descentralizada, sendo a parte burocrática conduzida eletronicamente”, de forma semelhante à fronteira Suécia-Noruega. As promessas do Primeiro-Ministro Johnson sempre pareceram pouco realistas; o Escritório Nacional de Auditoria do Reino Unido descreveu sua abordagem como de “risco muito alto”, devido à extensão e complexidade das mudanças em relação ao tempo limitado disponível e à falta de softwares/ tecnologia adequados. Conforme previsto, a implementação do Protocolo da Irlanda do Norte criou problemas legais e práticos, além de impactar a diplomacia internacional e as negociações comerciais.

A estimativa era de que a maioria das verificações de mercadorias que passam da Grã-Bretanha para a Irlanda do Norte fosse implementada em março de 2021. O Reino Unido prorrogou unilateralmente o prazo para diversas verificações, levando a Comissão Europeia a mover processos judiciais por violação do Protocolo e/ ou do TCA. Em junho de 2021, a UE concordou com a solicitação formal do Reino Unido de prorrogação de novas verificações até 1º de outubro de 2021; isso inclui o chamado “período de carência das salsichas”, que, caso não ocorresse, resultaria na proibição na Irlanda do Norte de determinados produtos à base de carne provenientes da Grã-Bretanha. O Reino Unido alegou agora que não conseguirá cumprir esses novos prazos e buscou unilateralmente impor mais “períodos de carência” (alguns por prazo indeterminado). Em resposta, a UE ameaçou instaurar novas ações judiciais. Sem soluções claras disponíveis, é provável que leve algum tempo até que o Reino Unido consiga resolver as questões práticas em torno da fronteira da Irlanda do Norte.

Em julho de 2021, o Reino Unido publicou um “documento de comando” (command paper), estabelecendo a necessidade de mudanças radicais no Protocolo. O negociador-chefe britânico do Brexit, Lord Frost, rogou que a UE aceite uma “mudança substancial e significativa”. O Protocolo também se opõe aos partidos sindicalistas da Irlanda do Norte – particularmente, o Partido Sindicalista Democrático (Democratic Unionist Party – DUP), que ocupa quatro das dez cadeiras da Assembleia da Irlanda do Norte – afirmando que ele prejudica a posição constitucional da Irlanda do Norte como parte do Reino Unido. O DUP ameaça sair da Assembleia da Irlanda do Norte, a menos que o Protocolo seja iminentemente descartado, o que forçaria o Parlamento britânico a convocar uma eleição antecipada na Irlanda do Norte. O Governo do Reino Unido alega que isso é motivo suficiente para desencadear o famigerado elemento do art. 16 do Protocolo, que efetivamente permite que ambos os lados imponham uma fronteira rígida entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda em caso de “sérias dificuldades econômicas, sociais ou ambientais passíveis de persistência ou de desvio do comércio” (o art. 16 foi invocado de forma controversa em fevereiro de 2021 pela UE, com o objetivo de impedir a exportação de vacinas da UE através da Irlanda do Norte). O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, alertou o Reino Unido contra tais medidas nas últimas negociações comerciais: “Estou bastante convicto disso (o Acordo da Sexta-Feira Santa). Foi um grande esforço bipartidário e eu não gostaria de ver – nem, devo acrescentar, muitos dos meus colegas republicanos – gostariam de ver uma mudança nos acordos irlandeses, tendo como resultado final uma fronteira novamente fechada”. Não obstante a corrente de descontentamento de todos os lados, a posição da UE ainda é no sentido de que não há espaço para uma nova negociação.

Futuro do comércio do Reino Unido (Incluindo a América Latina) – Como destacado acima, uma das supostas vitórias importantes do Brexit é que o Reino Unido (com exceção da Irlanda do Norte) está fora da União Aduaneira. Com base nesse status – alega-se – o Reino Unido está livre para firmar acordos comerciais com quem desejar. Porém, muitos comentaristas políticos e econômicos permanecem céticos quanto à realidade desse suposto benefício.

  1. Substituição do Comércio da UE

Em 27 de fevereiro de 2020, o Departamento de Comércio Internacional do Reino Unido publicou cartilha intitulada “UK trade in numbers”, reiterando a contínua dependência do Reino Unido em relação à UE para o comércio – e, portanto, a importância das negociações com a UE – sendo aproximadamente 50% do comércio britânico derivado dos países da UE. De fato, sete dos principais parceiros comerciais do Reino Unido são estados-membros da UE, juntamente com os EUA, a China e a Suíça.

Enquanto era membro da UE, o Reino Unido era automaticamente parte de cerca de 40 acordos de livre comércio (free trade agreements – FTAs) que a UE havia celebrado com mais de 70 países/ territórios. O Reino Unido tem procurado replicar esses ajustes através de acordos comerciais equivalentes (os chamados acordos de roll-over). Há informações de que, até 20 de setembro de 2021, acordos representando 66 países/ territórios haviam sido assinados sob esse fundamento; no entanto, isso representa apenas em torno de 10% do comércio do Reino Unido.

Desde que deixou a UE em janeiro de 2020, o Reino Unido só assinou dois FTAs que supostamente vão além dos acordos anteriores da UE, juntamente com um acordo de princípio (Agreement in principle/ AiP) com a Austrália:

  • Japão – Em 23 de outubro de 2020, o Reino Unido assinou o Acordo de Parceria Econômica Abrangente Reino Unido-Japão”. De acordo com o Escritório de Estatísticas Nacionais do Reino Unido, o comércio total entre os dois países foi de cerca de £32 bilhões em 2019. O acordo também inclui um forte compromisso do Japão em apoiar a adesão do Reino Unido ao Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Trans-Pacífico (Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership – CPTPP); o CPTPP é a terceira maior área de livre comércio do mundo por PIB e seus signatários incluem Chile, México e Peru. Embora a conclusão bem-sucedida de um acordo comercial em tão pouco tempo seja motivo de comemoração para o Governo britânico, vale observar que o Japão é o 13º mercado de exportação de mercadorias mais importante do Reino Unido;
  • Noruega, Islândia e Liechtenstein – Em 4 de junho de 2021, o Reino Unido assinou um acordo comercial com os três países, cujo comércio totalizou £21,6 bilhões em 2020. Porém, a Noruega minimizou a importância do acordo, afirmando que oferece menos acesso do que quando o Reino Unido fazia parte da EU;
  • Austrália – Em 17 de junho de 2021, o Reino Unido assinou um AiP com a Austrália, estabelecendo os termos sobre os quais será concluído um FTA, tendo ambos os lados concordado em eliminar tarifas (imediatamente ou de forma escalonada). Segundo informações, o comércio entre os países foi de £13,9 bilhões em 2020.

O Reino Unido também estaria próximo de um FTA com a Nova Zelândia e de um “acordo de economia digital” com Cingapura (com serviços entregues digitalmente, constituindo cerca de 70% do comércio entre Reino Unido e Cingapura em 2019).

  1. EUA e China

Dois dos acordos comerciais mais procurados do ponto de vista do Reino Unido (ou seja, os EUA e a China) provavelmente colocarão o Reino Unido em uma situação difícil, devido às tensões geopolíticas entre os países. Isso ficou evidente no conflito que eclodiu entre os EUA e o Reino Unido após a decisão do Governo britânico, em janeiro de 2020, de permitir que a Huawei (a empresa chinesa de telecomunicações) participasse do desenvolvimento das redes celulares 5G do Reino Unido. Esta decisão já foi revertida, o que afetará seu futuro relacionamento com a China. Em julho de 2020, a China proibiu os provedores de telefonia móvel do Reino Unido de comprar novas tecnologias 5G da Huawei e determinou que toda a tecnologia 5G da Huawei fosse removida das redes britânicas até 2027. O Reino Unido parece ter agora optado por buscar uma relação mais estreita com os EUA, e não com a China, seguindo a aliança de defesa tripartite “Aukus” entre o Reino Unido, os EUA e a Austrália, cujos primeiros estágios giram em torno do fornecimento à Austrália de reatores nucleares dos EUA para abastecer submarinos, provavelmente com o auxílio das britânicas Rolls-Royce e BAE Systems. Embora não seja especificamente dirigido à China, comentaristas políticos sugeriram que este acordo foi elaborado para enviar uma mensagem a Pequim.

Além disso, as implicações em curso com a covid-19 e a eleição de Joe Biden nos EUA ameaçam ainda mais as perspectivas de que o Reino Unido consiga chegar a um acordo comercial. O Presidente Biden não é fã de Boris, já tendo descrito o Primeiro-Ministro como o “clone físico e emocional” de Donald Trump. Como observado acima, Biden também mostrou claramente que não se impressionou com o tratamento dado por Boris à Irlanda do Norte. O Primeiro-Ministro Johnson realizou uma reunião comercial bilateral com o Presidente Biden em 21 de setembro de 2021, depois que os EUA afrouxaram as restrições de viagem para os indivíduos totalmente vacinados contra a covid-19. Entretanto, ambos os lados enfatizaram que é provável que nada aconteça em curto prazo, tendo o Primeiro-Ministro Johnson observado que o Presidente Biden tem “muitas coisas para fazer”. O Reino Unido estaria agora procurando opções comerciais alternativas, inclusive, tentando aderir ao acordo comercial EUA-Canadá-México.

iii. América Latina

Em maio de 2018, enquanto era ministro das Relações Exteriores, o Primeiro-Ministro Johnson fez uma longa viagem pela América Latina, incluindo Peru, Argentina e Chile. Destacou o desejo do Reino Unido de firmar acordos comerciais com países da chamada “Aliança do Pacífico” da América Latina. Com esse fim, em fevereiro de 2021, o Primeiro-Ministro Johnson nomeou Jonathan Knott como comissário comercial do Reino Unido para a América Latina e Caribe. Os acordos de roll-over (mencionados acima) já foram concluídos com o Chile, México e América Central, incluindo Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá. Em junho de 2021, o Reino Unido também iniciou negociações formais com a CPTPP.

Em 28 de junho de 2020, a UE e os membros do Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – chegaram a um acordo político a respeito de um acordo comercial abrangente. As exportações da UE para o Mercosul totalizaram €41 bilhões em mercadorias em 2019 e €21 bilhões em serviços em 2018. Contudo, o acordo – que contou com mais de 20 anos de negociação – ainda aguarda ratificação formal. Sérias preocupações ambientais foram levantadas pelos Estados-membros da UE; em especial quanto à postura do presidente brasileiro Bolsonaro em relação à Amazônia. Bolsonaro tem rejeitado apelos internacionais no sentido de fazer mais para proteger a floresta tropical, enfatizando os direitos do Brasil de explorar seus recursos naturais. O Presidente da França, Emmanuel Macron, indicou a intenção da França de bloquear o Acordo UE-Mercosul na sua forma atual, assim como a Irlanda e a Áustria.

A Argentina e o Brasil manifestaram publicamente o desejo de celebrar um acordo semelhante com o Reino Unido em janeiro de 2020. Desde então, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) do Brasil criou um Grupo de Trabalho Brasil/ Reino Unido para explorar e identificar oportunidades de comércio e investimento, com enfoque na eliminação da dupla tributação e no lançamento formal das negociações do FTA Reino Unido-Mercosul. No entanto, até o momento não houve relatórios formais sobre o andamento dessas conversações. As atuais questões UE-Mercosul também são um potencial obstáculo para o Reino Unido, diante da recente exposição dos valores ambientais do Primeiro-Ministro Johnson no discurso anual da ONU e das declarações de que o mundo precisa “amadurecer” e que “é fácil ser verde”.

Seguimos acompanhando cuidadosamente as negociações comerciais. A ser continuado…