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Covid-19 e manutenção da atividade econômica

16 de abril de 2020

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Em seminário digital do Ibajud, especialistas debatem iniciativas de apoio às empresas e manutenção da atividade econômica durante a crise agravada pelo covid-19

Por mais que tenhamos estudado na faculdade a respeito desses impedimentos, nunca tivemos um assim. Quando era moleque ouvi minha avó falar sobre a desgraça da gripe espanhola, mas nunca tivemos nada parecido. Mesmo durante a II Guerra Mundial, por maior que tenha sido a perda de vidas, o comércio e a indústria continuaram funcionando”, comentou o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Dias de Moura Ribeiro, principal convidado do webinar do Instituto Brasileiro da Insolvência (Ibajud) que discutiu as iniciativas de apoio às empresas e manutenção da atividade econômica durante a pandemia. 

Para Moura Ribeiro, é preciso dar alguma segurança jurídica às empresas que, de uma hora para outra, independentemente de sua vontade, se viram impossibilitadas de se manter adimplentes. Ele comentou o Projeto de Lei nº 1.179/2020, de autoria do Senador Antônio Anastasia (PSD-MG), que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia. 

Em linhas gerais, o projeto estabelece a suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais; autoriza a realização remota de assembleias de credores; equipara os efeitos da pandemia ao caso fortuito ou de força maior; suspende os despejos de imóveis prediais; flexibiliza as regras dos contratos agrários; suspende sanções por práticas anticoncorrenciais para evitar a escassez de serviços e produtos; cria regras específicas para prisão civil de devedor de alimentos e para início do prazo de abertura e de conclusão de inventários. Aprovado pelo Plenário do Senado Federal, o PL ainda depende de votação na Câmara dos Deputados. 

Dentre as poucas restrições que fez ao PL, Moura Ribeiro inclui a ausência de mecanismo para estabelecer “moratória automática” aos devedores, sobretudo no caso das médias, pequenas e microempresas. “Se é um período da moratória em que o credor não pode ter outro comportamento, esse devedor está atrasado, mas não está em mora. Diante de uma moratória, o microempresário poderá confessar seu débito e pagar na forma do art. 916 do Código de Processo Civil”, comentou. Para o magistrado, oferecer segurança jurídica no atual momento é um sinônimo de fraternidade: “Estamos diante de um momento que exige a solução pacífica dos conflitos, bom senso e mediação”. 

Insolvência em cadeia – Mediado pelo Presidente do Ibajud, Bruno Rezende, o webinar contou ainda com a participação do Juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, João de Oliveira Rodrigues Filho, do Promotor de Justiça do Estado de São Paulo Eronildes Santos, do Professor de Direito Processual Flávio Galdino e do representante do Ministério da Economia e Procurador da Fazenda Nacional, Filipe Aguiar.

Para o Promotor Eronildes Santos, a possibilidade de “mora programada” apresentada pelo Ministro Moura Ribeiro traz uma nova perspectiva à insolvência. Para ele, chama atenção o fato de que, diferentemente da assimetria contratual causada pelo desequilíbrio de apenas um dos contratantes, na pandemia o caso fortuito atinge a todos indistintamente. Nesse sentido, a principal preocupação seria evitar a insolvência em cadeia das empresas, por “falta de caixa” para honrar os pagamentos quando acabar a moratória. 

Além do chamado PL Anastasia, o Promotor lembrou que há novas ferramentas para enfrentar a insolvência contidas no PL do Deputado Federal Hugo Leal (PSD-RJ) que promove a reforma da Lei de Recuperação e Falências (Lei nº 11.101/2005). Ele observou, contudo, que se deve atentar para a “insegurança dos projetos feitos no calor dos acontecimentos, sem a devida reflexão crítica que deve prevalecer no processo legislativo”. 

Sem generalizações – Para o Juiz de Direito João de Oliveira Rodrigues Filho, a despeito das iniciativas legislativas em tramitação no Congresso Nacional, é preciso trabalhar com os mecanismos já existentes na lei, como, por exemplo, a possibilidade de flexibilização de alguns pontos da Lei de Recuperação. Nesse sentido, elogiou a Recomendação 63/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta os juízos de recuperação empresarial a adotar medidas para mitigar os impactos da pandemia. 

“Como magistrado, sinto-me mais seguro em saber que há uma preocupação do CNJ, demonstrada por meio de recomendações à qualidade dos processos e das decisões, dando um porto seguro para que os juízes especialistas possam, diante do caso concreto, eventualmente ampliar o alcance da lei para enfrentar situações de caráter prático nesse período”, comentou Rodrigues Filho. Ele ressaltou, contudo, que é preciso sempre estabelecer o nexo causal entre a pandemia e o não cumprimento das obrigações, com dados confrontados com a realidade das atividades econômicas, sem generalizações. 

Alocação de prejuízos – “Tenho acompanhado a tramitação do PLs e me parece que não vamos escapar, nas recuperações em curso, da necessidade de reajustar os planos de recuperação judicial. (…) Será basicamente como fazer uma nova recuperação dentro da própria recuperação judicial, o que não é o ideal, mas é a melhor alternativa que se apresenta”, comentou o Professor Flávio Galdino. 

Para Galdino, que leciona na UERJ e na Escola de Magistratura do Rio de Janeiro, o momento é de mediação, das partes tentarem chegar ao consenso e só levar ao Judiciário aquilo que for realmente indispensável. Ele disse que sua maior preocupação é com o tempo de duração da crise, pois o prolongamento por um período superior a três meses tende a inviabilizar parte considerável das atividades econômicas, na medida em que mesmo empresas de grande porte estão com margens curtas. “A discussão não é se vamos ter prejuízos, mas onde vamos alocar esses prejuízos, quais os segmentos que vão sofrer mais com isso”, avaliou. 

Cenário extremo – Segundo o Procurador Filipe Aguiar, na visão do Ministério da Economia por enquanto não há crise de insolvência, mas crise de liquidez. Por isso, as primeiras medidas tomadas pelo Governo teriam sido no sentido de oferecer crédito para que as empresas possam honrar seus compromissos. Sobre os PLs em tramitação, segundo ele, embora entenda a importância de aprimorar o sistema de insolvência e recuperação judicial, o Ministério teme que as mudanças legislativas possam gerar um período de insegurança jurídica até que a jurisprudência esteja consolidada. “É preciso tomar cuidado com atitudes tomadas em cenários extremos”, frisou. 

Por fim, o mediador Bruno Rezende informou que o Ibajud vai realizar novos webinars com o objetivo de “transformar as reflexões em ações para ajudar o Brasil a superar a crise”.