Crime de responsabilidade do Presidente da República

9 de novembro de 2021

Membro do Conselho Editorial / Professor Titular Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UniRio)

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A Lei de Impeachment (Lei nº 1.079/1950) é bastante restritiva em relação
 à exclusiva competência do cidadão brasileiro no exercício pleno de seus direitos políticos para denunciar, junto à Câmara dos Deputados – que também tem a exclusiva competência para se pronunciar preliminarmente a esse respeito – crimes de responsabilidade do Presidente da República. A Constituição brasileira de 1988 (art. 58, parágrafo 3°), ao definir as competências da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI/ Lei n° 1.579/1952), estabelece que ela tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, devendo ser suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal do infrator.

Ocorre, todavia, reconhecidos os limites da Lei de Impeachment e, principalmente, a Constituição Federal, ao Procurador da República, no exercício de suas funções institucionais, cabe promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da Lei (art. 129, inciso I). Neste sentido, cabe observar que ao Supremo Tribunal Federal (STF) cabe processar e julgar originariamente nas infrações penais comuns os crimes do Presidente da República (art. 103, letra b), o que significa que ao STF não compete julgar os crimes de responsabilidade do Presidente da República, assim como, por consequência, não cabe ao Procurador da República denunciar junto ao Supremo os crime de responsabilidade do Presidente da República, como, também por força da Constituição, de sua própria lógica interna, fazer a denúncia deste, ou qualquer outro crime junto à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal.

Por conseguinte, encaminhadas as conclusões da CPI sobre crime de responsabilidade do Presidente da República, caberá ao Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública, nos limites da lei (art. 129, inciso I), para que promova a responsabilidade civil ou penal dos infratores (art. 58, parágrafo 3°), que, na forma da Constituição, não pode ser levada ao STF.

Este é, na verdade, o dilema colocado para a CPI, porque encaminhadas as conclusões ao Ministério Público e promovida a ação penal pública pelo Ministério Público, a Constituição não esclarece o destino do crime de responsabilidade apurado pelo Ministério Público, assim como não estão presentes na Constituição as diretivas do art. 86: admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será submetido a julgamento perante o STF, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

A denúncia (o parecer) da Procuradoria-Geral da República, em princípio, nos casos de crime de responsabilidade do Presidente da República, deveria ser enviada ao STF, para julgar, mas a Constituição admite apenas para julgamento crimes comuns do Presidente da República. O que significa que não está explicitamente definida a competência do STF para (processar e) julgar crime de responsabilidade do Presidente da República. Por outro lado, a Constituição também não reconhece a competência do Senado para julgar crimes de responsabilidade do Presidente da República, até porque a acusação contra o Presidente da República não foi admitida por dois terços da Câmara dos Deputados, como requer a Constituição. Ainda neste contexto, a investigação com poderes próprios de autoridades judiciais (que aliás, em geral, não investigam, dada que esta é uma competência do Ministério Público) foi realizada numa Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado.

A Comissão Parlamentar de Inquérito está diante de uma efetiva dificuldade legal, porque se não encaminhar as conclusões ao Ministério Público, conforme a Constituição Federal faculta, estará diante de um “dilema” institucional e, tendo em vista que Lei de Impeachment fala em denúncia de crime de responsabilidade enquanto direito do cidadão, a Constituição, no art. 86, não abre esta competência para Comissões ou órgãos de direito coletivo, exceto, assim entendemos, se a denúncia na Câmara dos Deputados for promovida por cidadão presidente de órgão ou comissão, na forma de parecer geral ou relatório de investigação geral, conforme exigência que deve subsidiar a denúncia na forma dos primeiros artigos da Lei de Impeachment. 

Neste sentido, por outro lado, inclusive nos parece ideal, seria a CPI fazer um específico relatório para o caso de crime de responsabilidade do Presidente da República, ou mesmo três relatórios, sendo os dois outros um sobre crimes comuns e outro sobre crimes contra os direitos humanos, encaminhando-os diretamente à Câmara dos Deputados. Esta providência teria o inconveniente de ter que priorizar uma ou outra diretriz.