“Diálogo social é a premissa principal”

28 de fevereiro de 2023

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Entrevista com o Ministro Alberto Balazeiro, novo coordenador do Programa Trabalho Seguro

O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), Ministro Lélio Bentes Corrêa, designou o Ministro Alberto Bastos Balazeiro como novo coordenador do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro, para suceder a Ministra Delaíde Miranda Arantes, que assumiu a função de Ouvidora-Geral da Justiça do Trabalho.

Regulamentado pela Resolução no 324/2022 do CJST, o Programa é uma resposta concreta do Poder Judiciário ao alarmante número de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no Brasil. Segundo dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT), na última década, entre 2012 e 2021, foram registradas no Brasil quase 23 mil mortes no mercado formal de trabalho. Apenas em 2021 foram comunicados mais de 571 mil acidentes e 2.400 óbitos associados ao trabalho, o que representou aumento de 30% em relação ao ano anterior.

Saiba mais na entrevista com o Ministro Alberto Balazeiro.

Revista Justiça & Cidadania – Qual será o norte do Programa Trabalho Seguro sob a sua coordenação?
MAB – Diálogo social e inserção da cultura do trabalho seguro dentro de diversos segmentos da sociedade. Somente por meio da conscientização e diálogo entre os diversos atores sociais e formadores de opinião será possível introjetar na própria cultura produtiva a preocupação com saúde e segurança no trabalho. Esse tem sido o legado do programa ao longo de uma década e que pretendemos reforçar com o apoio essencial da Presidência do TST e do CSJT, através do Ministro Lélio Bentes, dos gestores nacionais e regionais.

RJC – Quais são as principais causas de acidentes de trabalho no Brasil e o que pode ser feito pelo Poder Judiciário para mitigá-las?
MAB – De forma objetiva, podemos dizer que, embora se considere a ocorrência de acidente de trabalho um evento complexo e multicausal, para o qual concorrem diversos fatores, o planejamento de ações e atividades que tenham como norte a cultura da prevenção é elemento essencial e indispensável na batalha contra a acidentalidade.

Em uma outra perspectiva, temos que os estudos estatísticos derivados de importantes parcerias pactuadas entre órgãos como o Ministério da Saúde e os ministérios do Trabalho e Previdência, como é o caso da iniciativa Smartlab, permitem identificar a prevalência de acidentes em determinadas searas econômicas.

Por exemplo, as atividades de atendimento hospitalar tiveram um incremento significativo nas notificações nos últimos anos, porém com o perfil de acidentalidade envolvendo exposição à material biológico, já outros segmentos têm menos notificações gerais, porém com um perfil de letalidade mais acentuado dos sinistros ocorridos.

Assim, o Judiciário pode ser um agente positivo de mudança ao articular inciativas como o trabalho seguro, bem como quando capacita seus magistrados para uma maior sensibilidade e aptidão para lidar com os casos que envolvem meio ambiente do trabalho.

Destaco que para uma situação complexa, variável e heterogênea como é a acidentalidade, novas práticas processuais, como as práticas de processo estrutural e a primazia da tutela coletiva serão extremamente necessárias.

RJC – O Programa se concentra apenas na prevenção dos acidentes típicos de trabalho ou também tem atuação quanto aos chamados acidentes atípicos, como as doenças ocupacionais e as lesões por esforço repetitivo?
MAB – O programa é amplo tal qual o seu honroso desafio! Perceba-se que criando uma cultura de saúde e segurança, planejamento e preocupação com o trabalho seguro se está abrangendo a totalidade dos acidentes, tanto os típicos como o adoecimento laboral. O trabalho seguro não se esgota com uma observância lacônica de normas regulamentadoras. É da essência da saúde e segurança do trabalho lidar com uma perspectiva preventiva e protetiva, antecipando riscos e encontrando novas formas de viabilizar as atividades econômicas eliminando os riscos ou atenuando-os ao máximo.

RJC – O senhor pretende atuar para incentivar a tramitação prioritária dos processos relativos a acidentes de trabalho e ao ajuizamento de ações regressivas, nas hipóteses de culpa ou dolo do empregador? De que forma?
MAB – As chamadas ações regressivas previdenciárias são uma pauta multiinstitucional. Por exemplo, o MPT possui de longa data termos de cooperação com a Advocacia Pública exatamente para esta finalidade. São, por óbvio, duas instituições de importante interlocução para o trabalho seguro.

A entrega de uma prestação jurisdicional segura e com tramitação razoável depende também em parte da adequada capacitação dos magistrados e dos próprios atores judiciários ao apresentarem demandas ao Judiciário. Assim, dentro dessa perspectiva, o Trabalho Seguro trará inegavelmente uma qualificação para a apreciação das questões relativas à saúde e segurança no trabalho.

RJC – Além de mortos e feridos, dos prejuízos para os trabalhadores acidentados e suas famílias, e das eventuais perdas para as empresas, os acidentes de trabalho também geram custos para o Estado. O senhor tem estimativas do volume de processos judiciais e do total dos valores envolvidos nas causas relacionadas aos acidentes de trabalho no Brasil?
MAB – Estamos em uma era na qual o refinamento e a jurimetria se tornaram importantes ferramentas para a avaliação de política judiciária e das próprias políticas públicas. Nesse sentido o Trabalho Seguro irá trabalhar no refinamento da extração de dados da litigiosidade difusa do Judiciário laboral, porém, temos que tratar ainda de uma questão até precedente. Para que uma demanda possa adequadamente ser triada e classificada como relativa à acidente de trabalho é preciso que existe uma vigilância epidemiológica robusta, efetiva e capilarizada na sociedade brasileira.

Teremos que invariavelmente dialogar com entidades como Ministério da Saúde e o próprio Sistema Único de Saúde para aprimorar essa vigilância e, a posteriori, acompanhar as demandas subsequentes.

RJC – A regulamentação do Programa Trabalho Seguro prevê a participação de outras instituições públicas e privadas na formulação de projetos voltadas à prevenção de acidentes de trabalho e ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. De que forma se dão essas parcerias?
MAB – Diálogo social é a premissa principal. O apoio e interlocução com essas entidades se dará por meio de apoios regionais e nacionais – tanto para eventos quanto para colaboração através de expertise técnica. O MPT será um grande parceiro também.

RJC – Os trabalhadores também são ouvidos na construção dessas políticas e projetos?
MAB – Novamente, diálogo social é chave e não se teria uma visão adequada sem a interlocução com profissionais, empregadores e reguladores. A lógica tripartite é muito cara ao direito do trabalho exatamente pela complementariedade de visões, todas necessárias.

RJC – Quais são as ações nacionais do Programa previstas para 2023?
MAB – Como dito, a construção das pautas será colaborativa, democrática e buscando sempre identificar as reais necessidades da sociedade. Assim, contaremos com o valoroso trabalho e a expertise dos gestores nacionais e regionais como pontos focais para construir essa pauta.

Dito isto, dentro do eixo central de colocar a saúde e segurança como uma pauta de discussão e atenção perante a sociedade como um todo, podemos já antecipar algumas linhas que serão postas a discussão no âmbito do projeto:

a) Identificação de temas sociais para os quais se perceba a necessidade de revisão ou o início de discussão de uma regulamentação setorial sobre saúde e segurança;

b) Fomento de uma cultura de saúde e segurança com o diálogo direto com entidades formadoras de profissionais chave como médicos e engenheiros para aprimorar a formação nessa cultura de saúde e segurança desde o início da qualificação profissional;

c) Identificação dos desafios e formas de como aprimorar a vigilância em saúde do trabalhador (incentivando a interlocução entre as empresas e a saúde pública).