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OS TRÊS PODERES NÃO PODEM SER CONTROLADOS

5 de fevereiro de 2004

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Revista Justiça & Cidadania: O poder investigatório, na opinião de V. Exa deve ficar exclusivamente nas mãos da Polícia, ou deve o Ministério Público também investigar os crimes ocorridos?

O inquérito policial deve existir, mas necessita de mudanças, para tornar-se ainda mais célere e eficaz. Tem de existir o inquérito, tem de existir a polícia investigando. O Ministério Público também há de ter atribuições para investigar. Foram feitas várias investigações com muito sucesso, mesmo no campo criminal.

Não faz sentido no momento atual, em que as organizações criminosas são sofisticadas, complexas, bem estruturadas e cerebrinas, concentrar o poder de investigar na mão de um órgão só, que é a polícia.  Ela não conseguirá fazer frente a toda essa organização. Há instituições públicas que investigam, como a Receita Federal, hoje com um serviço de inteligência chamado COPEI, no qual servidores qualificados atuam nessa área para combater a sonegação fiscal. Isso é investigar! Nós temos parceria com o INSS há mais de cinco anos, em forças-tarefas de Procuradores da República e auditores do INSS, que juntos investigam para que o Ministério Público denuncie.

Agora, eu questiono: a investigação criminal tem quem como desaguadouro? Investiga-se para uma Instituição, no caso, para o Ministério Público. Então por que não lhe dar autonomia de investigar? Ninguém quer excluir os outros órgãos, porque todo o trabalho de investigação, que é de natureza preparatória, tem como desaguadouro natural a nossa Instituição. Pela Constituição, só nós podemos acusar um homem, uma mulher ou organizações criminosas em juízo, ninguém mais pode levar a efeito a questão mencionada. Isso é apenas uma questão de bom senso.

Revista Justiça & Cidadania: o que V. Exa. acha sobre a proposta de federalização dos crimes contra os direitos humanos?

Eu sou favorável. Acho que o texto normativo deveria prever que o Procurador-Geral da República — ou um outro membro do MPF, por delegação — submetesse ao exame do Superior Tribunal de Justiça se o caso, em concreto, deve realmente ter a sua persecução federalizada.

Revista Justiça & Cidadania: V. Exa. acredita que a Justiça Federal consiga absorver toda a demanda?

Não é todo e qualquer delito contra os direitos humanos que deve ser federalizado, apenas os grandes crimes, nos quais muitas pessoas são mortas ou violentadas, com participação, inclusive, de servidores públicos dos Estados-membros, como agentes policiais ou policiais militares. É o caso de Eldorado de Carajás ou Corumbiara. No caso de Corumbiara houve um deslocamento de um batalhão da PM de Rondônia. Nessas hipóteses, não há condição do Estado-membro apreciar o feito. E faz sentido, pois pela magnitude desses casos, nosso país, normalmente, é demandado nas cortes internacionais. E sendo demandado e vindo a ser condenando, quem paga é a União.

Nós temos um caso na corte interamericana de Justiça, em San Jose, na Costa Rica. É um problema de violações seríssimas no sistema prisional de Rondônia, no presídio chamado Urso Branco.

Revista Justiça & Cidadania: A maioria dos Membros do Ministério Público entende que a escolha da chefia da Instituição devia ser pela eleição direta e não mais através da lista tríplice. Como V. Exa. se posiciona sobre tal postulação da categoria?

A minha categoria, o Ministério Público Federal, é favorável à lista tríplice formada por meio de eleição direta. Eu não sou apenas o porta-voz, mas também entusiasta da idéia de que a forma de escolha deva ser mudada e estou lutando neste sentido. Sustento que deve haver modificação na escolha do Procurador-Geral da República. Os membros do Ministério Público Federal formam uma lista tríplice. Desta lista tríplice, o Presidente da República escolhe o nome, encaminha ao Senado Federal, que sabatina. Depois da aprovação, só pode ser dada ao escolhido uma única recondução. O que há de novo na minha defesa, que é o anseio do Ministério Público Federal, é que a classe forme a lista tríplice e assim inicie o processo de escolha do seu chefe. Hoje o presidente da República escolhe o procurador-geral da República sem nenhuma participação dos membros da instituição. E ainda é novo que o chefe da instituição não possa cumprir mais do que uma recondução. Vale dizer, só ficará aqui quatro anos. Hoje não há limite de número de reconduções no caso do Procurador-Geral da República.

Revista Justiça & Cidadania: E a escolha de V. Exa. para o cargo de Procurador Geral? Como se sucedeu?

A minha escolha foi precedida de uma eleição mesmo, mas apenas para criarmos fato político. A Associação Nacional dos Procuradores da República, quando se aproximava o fim do mandato do Dr. Geraldo Brindeiro, promoveu eleições em todos as procuradorias. Nesse pleito, eu fui o mais votado, com cerca de 70% dos votos, mas era uma eleição extra-oficial, somente para demonstrar nosso interesse na modificação. Veja bem, nós somos o único Ministério Público no Brasil inteiro em que a classe não é ouvida.  Em todos os Ministérios Públicos estaduais a classe é ouvida e faz listas tríplices. E mesmo os Ministérios que compõem os MP da União, ou seja, o MP do Distrito Federal, o MP Militar e o MP do Trabalho, fazem lista tríplice. Todos os membros da Instituição votam em nomes que lhes são apresentados. Eu, quando Procurador-Geral, comecei a instituir isso na escolha dos procuradores-chefes nas procuradorias nos Estados. Para democratizar ainda mais o processo de escolha, cabendo a mim o ofício de escolher o Procurador-Geral do Trabalho, depois de apresentada a lista tríplice, ano passado promovi um debate entre os candidatos antes da votação pela categoria.

Revista Justiça & Cidadania: Qual a posição de V. Exa. sobre o controle externo do Ministério Público?

Como eu tenho dito várias vezes, a palavra controle é inadequada juridicamente. Quem controla tem poder sobre quem é controlado e tanto o Judiciário, quanto o Executivo, quanto o Legislativo são poderes, e por isso, não podem ser controlados. O Ministério Público é uma instituição da sociedade que também é independente, portanto não cabe controle. O que cabe, embora habitualmente se use a palavra controle, é o acompanhamento externo das atividades do Poder Judiciário e do Ministério Público. Se vamos acompanhar as atividades do Poder Judiciário, essa Comissão deve ser composta por membros do Parlamento, principalmente pelo Senado do República, visto que é o Senado quem sabatina e aprova aqueles que serão os Ministros deste país e ainda o Procurador-Geral da República. Por isso é indispensável a presença dos Senadores da República nessa comissão de acompanhamento das atividades do Poder Judiciário, assim como se faz coerente a participação de membros do Ministério Público. No caso do Judiciário, podemos contar ainda com um participante do Conselho Federal da OAB e com um membro da Magistratura do Supremo Tribunal Federal. Não precisa ser uma comissão muito grande. No Ministério Público a mesma coisa. Essa comissão teria, nos Estados da Federação, comitês de instrução que receberiam denúncias mais sérias sobre casos que vão demandar realmente um acompanhamento, para que seja possível e viável sanar situações mais graves. Mas não pode se fazer isso uma rotina de todos os casos, pois nem se consegue, nem faz sentido.

Revista Justiça & Cidadania: Nas funções atribuídas ao Conselho Nacional existe a alegação de que irão fragilizar em muito a Instituição. Por exemplo, quando determina a perda de cargo de promotor, quando hoje, só mediante sentença judicial. Como V. Exa. vê tais atribuições cometidas ao Conselho Nacional?

Realmente eu sustento que a perda do cargo não pode se dar por uma deliberação deste Conselho de Acompanhamento. Ao meu juízo, o Conselho Nacional acompanha, cobra e veicula para imprensa, porém a decisão de perda do cargo, num Estado Democrático de Direito, só poderia ser validada pelo Poder Judiciário.

Revista Justiça & Cidadania: O Ministro Nelson Jobim declarou recentemente que se a Corregedoria fosse mais atuante na forma de punir os seus pares, talvez não estaríamos falando em controle externo. Como V. Exa. avalia esta situação?

Eu não vejo o acompanhamento externo nem pela ineficácia da Corregedoria, mas como inerente ao Estado de Direito. É essencial à democracia que suas instituições estejam expostas. Quanto às Corregedorias, em nosso caso, como colocou bem nosso Corregedor-Geral, Dr. Wagner Gonçalves, a nossa lei complementar que trata do procedimento disciplinar, realmente cria muitos óbices a uma pronta resposta nesse plano. Talvez porque essa lei tenha sido criada logo após o período arbitrário, no Brasil. No intuito de nos precatarmos de um possível retorno a esse ciclo, criamos mecanismos que hoje dificultam muito uma sanção a quem não se conduz bem na nossa carreira.