Equidade de gênero nos espaços de poder, uma pauta civilizatória

7 de março de 2022

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A celebração do 8 de março, Dia Internacional da Mulher, nos convida, ano a ano, a refletir sobre o quanto já lutamos, resistimos, conquistamos e, sobretudo, sobre o quanto ainda falta caminhar para que nossos direitos sejam não apenas reconhecidos, mas também efetivados.

Neste ano não teria como ser diferente, especialmente porque temos pela frente um amplo processo eleitoral, que se apresenta como momento mais do que oportuno para falarmos sobre as imensas dificuldades que ainda impedem as mulheres de ocupar os espaços de poder e de ter voz ativa na tomada de decisões políticas.

É verdade que avançamos em termos de legislação com a regra que impõe aos partidos a obrigatoriedade de reservar, pelo menos, 30% das vagas e da verba de campanha para as mulheres. No entanto, no último pleito eleitoral, ainda que tenhamos registrado o maior número de mulheres concorrendo aos cargos de prefeitas e vereadoras, perfazendo 33,1% do total de candidaturas, isso não se refletiu em aumento significativo de mulheres eleitas.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram eleitas, em 2020, 651 prefeitas (12,1%), contra 4.750 prefeitos (87,9%). Já para as câmaras municipais, foram 9.196 vereadoras eleitas (16%), contra 48.265 vereadores (84%).

Na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e na Assembleia Legislativa de São Paulo, a presença das mulheres tem aumentado, mas em um ritmo ainda insatisfatório para que possamos pensar em representatividade real. A atual composição das três Casas é de, respectivamente, 15% de mulheres e 85% de homens; 14,8% de mulheres e 85,2% de homens; 19,15% de mulheres e 80,85% de homens.

Segundo o Mapa das Mulheres na Política 2020, feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil ocupa o 140o lugar no ranking de representação feminina no Parlamento, levantamento que inclui 191 países. Na América Latina, o País está à frente apenas de Belize (169o) e Haiti (186o).

No Judiciário, a sub-representação feminina se repete. Apesar de também ser crescente a presença das mulheres na magistratura, que subiu de 24% em 1998 para 38% em 2019, o cenário nas cortes superiores revela um número muito aquém do desejado. De 90 ministros, divididos entre cinco tribunais, apenas 14 são mulheres, correspondendo a 15,5%.

A demora para que mulheres cheguem a espaços institucionais de poder também é um dado alarmante. Apenas recentemente, associações de magistrados como a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) elegeram mulheres como representantes. A OAB paulista, que tem quase 90 anos de história, terá, pela primeira vez, no próximo triênio, uma mulher em sua presidência – um ineditismo que vira notícia e nos mostra o quão longe do ideal ainda estamos.

Segundo dados do Fórum Econômico Mundial, demoraremos mais de 100 anos para alcançar as metas de equidade de gênero estabelecidas na IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, marco que estabeleceu uma agenda mundial sobre a questão.

É fato que vivemos em uma sociedade que não reconhece as mulheres como protagonistas nos cargos de poder e na qual não somos educadas para liderar. Diferentemente dos homens, historicamente, as mulheres não foram – e em muitos contextos e localidades ainda não são – incentivadas a desejar cargos de chefia, mas sim a serem boas mães e donas de casa.

A juíza chilena Macarena Rebolledo, que participou no ano passado de um evento promovido pela Escola Paulista de Magistrados em parceria com a Apamagis, usou uma expressão que ajuda a entender essa situação. Segundo ela, apesar de termos rompido o teto de vidro do preconceito e da discriminação, ainda transitamos em um “solo pegajoso”, permeado de barreiras, para que possamos chegar, de fato, aos espaços de poder.

Já a cientista política Flavia Biroli destacou, durante debate virtual promovido pelo Tribunal Superior Eleitoral em comemoração do Dia Internacional da Mulher, também no último ano, que há obstáculos de uma dimensão estrutural, que impedem as mulheres de se dedicarem tanto quanto os homens à carreira, à vida política e profissional.

A responsabilização da mulher com a organização do lar, com questões domésticas e do cotidiano, e o reforço de que a esfera privada pertence à mulher e a pública ao homem, ainda são traços da nossa cultura que precisam ser desmistificados. E não só. Mais do que garantir formalmente direitos, é preciso apoiar as mulheres para que, assim como os homens, elas tenham condições palpáveis de ocupar os espaços de poder.

São inegáveis os benefícios de termos mais mulheres ocupando cargos no Legislativo, no Executivo e no Judiciário. De acordo com um estudo realizado pelos pesquisadores Fernanda Brollo e Ugo Troiano, publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), quando uma mulher é eleita, as chances de que haja corrupção em seu governo são bem menores se comparadas aos homens. Segundo a mesma pesquisa, quando as mulheres possuem maior representatividade política, mais recursos são investidos em saúde e educação. Além disso, mulheres prefeitas atraem 60% mais transferências do governo federal para investimentos em infraestrutura.

A equidade de oportunidades entre gêneros é, sobretudo, uma pauta civilizatória, que deve ser encampada por todos – mulheres e homens – pois é uma condição para que possamos ter uma sociedade mais desenvolvida, justa e equilibrada. A não ocupação desses espaços, por outro lado, deixa as mulheres de fora dos processos de elaboração das políticas públicas e enfraquece a democracia.

Este é um ano de eleições, uma oportunidade concreta para, mais do que cumprir cotas de candidatas mulheres por partido, apoiá-las na conquista por espaços de decisão e poder – uma conquista que será, ao fim, de toda a sociedade.

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