Exame Nacional para um Poder Judiciário mais eficiente e mais transparente

5 de dezembro de 2023

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O Exame Nacional da Magistratura para concorrer a cargos em todos os tribunais do País, aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em novembro de 2023, é uma exigência que defendo de longa data para uniformizar o nível de conhecimento dos magistrados, aferir melhor as vocações e eliminar quaisquer insinuações de favorecimentos que, justa ou injustamente, apareçam aqui e ali.

Os novos concursos devem aguardar a regulamentação do Exame pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), sob a liderança do Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell Marques, o que deve ocorrer ainda no primeiro semestre de 2024. A expectativa é de que o Exame seja realizado ao menos duas vezes por ano, de forma simultânea, nas capitais de todos os estados da Federação e no Distrito Federal. O resultado terá validade de dois anos, com possível previsão de prorrogação.

O “provão” funcionará como pré-requisito para candidatos que queiram prestar concurso para magistratura, como um filtro inicial, mantendo a autonomia dos tribunais para seus processos seletivos. A expectativa, porém, é que no futuro alguns tribunais acabem com etapas objetivas posteriores, em razão do novo filtro, facilitando a vida de quem presta concurso e democratizando o acesso à carreira.

O certame, que se aplica à Justiça Federal, Estadual, Trabalhista e Militar, terá 50 questões elaboradas de forma a privilegiar o raciocínio e a resolução de problemas, sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, noções gerais de Direito e formação humanística, direitos humanos, Direito Processual Civil, Direito Civil, Direito Empresarial e Direito Penal. As matérias selecionadas para o provão são, de maneira geral, as disciplinas comuns aos concursos de todos os ramos da Justiça, de modo a não criar obstáculo adicional para os que estudam com foco em um determinado ramo da magistratura. Nas etapas posteriores, as matérias específicas para cada Justiça continuarão a ser exigidas (como Direito Processual Penal, Direito do Trabalho e Direito Empresarial, conforme o caso).

O Exame tem caráter apenas eliminatório, não classificatório, sendo considerados aprovados todos os candidatos em ampla concorrência que obtiverem ao menos 70% de acertos na prova objetiva, ou, no caso de candidatos autodeclarados negros ou indígenas, ao menos 50% de acertos. Os candidatos que se inscreverem como negros ou indígenas devem ter sua opção de concorrência validada pela comissão de heteroidentificação do Tribunal de Justiça do estado de seu domicílio antes da realização da prova. Já os candidatos com deficiência terão asseguradas condições especiais para realização do exame, de acordo com a deficiência que cada um apresentar, podendo haver ampliação do tempo de prova em até uma hora, como já prevê a regra vigente do CNJ.

Em 2007, escrevi um artigo defendendo a realização de um exame nacional. Nele, mencionei que, em 2003, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), órgão independente integrante da estrutura do Ministério da Justiça, já havia aprovado por unanimidade uma proposição no sentido de se instituir um exame nacional de magistratura. Ou seja, a ideia não é nova, mas naquele momento não chegou a figurar nos debates sobre a reforma do Judiciário.

Na ideia apresentada e aprovada naquele momento, pretendia-se criar um filtro inicial, sem qualquer influência ou ingerência dos poderes locais. Além das vantagens referentes à confiabilidade e à homogeneidade de critérios, apontei também um ganho em eficiência e economicidade: em lugar de cada tribunal investir tempo e energia em “provões” próprios, que lidam com um número imenso de candidatos, todos seriam beneficiados por um esforço concentrado e unificado. Do mesmo modo, a composição das bancas poderia se dar pela indicação de nomes nacionais em cada área de conhecimento, com ganho de qualidade na formulação das questões.

Vinte anos depois dessas discussões, me sinto feliz de, na condição de presidente do CNJ, atuar diretamente para viabilizar a criação do Exame. Os membros do Poder Judiciário, ao contrário dos integrantes dos demais Poderes, não são investidos nos seus cargos por meio de eleições. E é bom que seja assim. A maior parte das democracias contemporâneas reserva uma parcela do poder para ser exercido por agentes públicos que são escolhidos por critérios de qualificação técnica, sem subordinação ao processo político majoritário. Concursos públicos são a via constitucional para a seleção dos que têm melhor formação e que se prepararam mais adequadamente para a função que pretendem exercer. Não é um método perfeito, mas, nas circunstâncias brasileiras, é o melhor.

Juízos e tribunais colhem a legitimidade democrática de sua atuação na capacitação técnica, na imparcialidade e no distanciamento crítico em relação aos casos que lhes são trazidos para julgamento. Como o Judiciário não tem tropas nem imprime dinheiro, sua única força é moral, por simbolizar o bem e a justiça. A fórmula do Exame Nacional, que agora começa a se concretizar, é relativamente simples e pode ajudar a tornar o Poder Judiciário mais eficiente e mais transparente.