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Fundamentação e motivação de decisão judicial

23 de outubro de 2012

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A recente reforma do Processo Penal, no tocante às provas, introduzidas no Código de Processo Penal, com o advento da Lei 11.690/2008, tem como escopo, entre outros, direcionar o magistrado a uma clara e correta delimitação do que se deve entender como livre convencimento do juiz, certamente, direcionado a uma efetiva demonstração dos elementos informativos formadores da sua motivação.

Do mesmo modo, a decisão fundamentada de forma equivocada, certamente poderá ser apontada e considerada uma decisão imotivada. Na hipótese em questão, a fundamentação equivocada relaciona-se diretamente ao tipo penal apontado como ferido, e no mesmo sentido, a decisão imotivada estará relacionada à produção equivocada de provas, desse modo, prejudicando o magistrado de demonstrar de forma efetiva as razões do seu convencimento.

Convidamos o leitor para uma singela e prática observação em torno de uma decisão judicial, uma simples e breve constatação de que os elementos norteadores da convicção foram apontados efetivamente, por exemplo: ficar caracterizado que a decisão foi tomada, considerando o depoimento, por demonstrar que (…); por força do laudo pericial, que em consonância com (…); em vista dos documentos acostados aos autos, às folhas, que em conjunto com (…). Desse modo, fica evidente que o livre convencimento do magistrado foi norteado em razão das provas produzidas nos autos, restando evidente a coerência e a credibilidade das mesmas. De modo contrário, a decisão deverá ser objeto de uma severa censura.

O convencimento fundamentado sem a efetiva caracterização da motivação da decisão judicial revela um flagrante ferimento ao princípio da legalidade, tendo em vista o que dispõe o art. 381, inciso III, do CPP1, assim como, relaciona a decisão desmotivada como violadora dos princípios constitucionais, tendo em vista o que dispõe o art. 93, inciso IX, da CF2.

Arriscamos afirmar que a evolução da sociedade e da sua justiça não está representada pela produção legislativa abrangente e eficiente, até porque a lei apenas reflete o momento social de cada sociedade. É importante sempre termos em mente o fato de que as normas são mutáveis; coerentes ou incoerentes, eficientes ou não, a sua mutabilidade é incontestável. Por outro lado, a imutabilidade dos princípios do direito, recepcionados ou não pela nossa Constituição permite que o nosso sistema jurídico-social alcance um patamar evolutivo coerente com um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

A coerência da associação de um modelo jurídico-social baseado na observância e adoção dos princípios fundamentais, com a fundamentação e, principalmente, motivação de uma decisão judicial, é que caracteriza uma efetiva justiça democrática. Caso contrário, a inobservância dessas pré-condições, daria azo à observação de John Emerich Edward Dalberg-Acton, Lord Acton: “O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”3.

Logo, é de fácil percepção que uma decisão judicial contra legem, e do mesmo modo parcial, tem na sua essência a falta de fundamentação coerente. O exemplo em questão revela a falta de zelo do magistrado em demonstrar o seu livre convencimento lastreado às provas produzidas nos autos ou a disposições meramente doutrinárias, que, a seu turno, revelam apenas a posição de um autor de determinada obra jurídica, em relação ao instituto de direito relacionado.

Nunca é excessivo afirmar que o Estado de Direito, divorciado do exercício de qualquer tipo de expressão de poder autoritário, impõe o desempenho do poder estatal, aqui relacionado ao Estado-juiz, de forma que a publicidade e a transparência fiquem caracterizadas no livre convencimento motivado do magistrado.

Nos ensinamentos de Antônio Magalhães Gomes Filho, no que tange à motivação das decisões penais, no Estado de direito os poderes públicos se exercem segundo um padrão de legitimação racional e objetiva, que transfere à apreciação da comunidade uma espécie de controle democrático e difuso sobre a racionalidade ou não arbitrariedade do poder, daí ser possível afirmar que nesse tipo de estado os poderes não estão apenas submetidos à lei, mas, também e sobretudo, são orientados por procedimentos que satisfaçam as exigências de uma correção argumentativa4.

Não é incomum o magistrado sofrer influências corporativas no âmbito do seu tribunal, como, também, influências e pressões da opinião pública tratando-se de uma causa que tenha alcançado certo grau de comoção social, como todas as vênias para a objetivação de Marco Ramat, que com sabedoria afirma que: “a opinião pública é o juiz natural da magistratura”. Muitas das vezes o juiz influenciado afasta-se dos fundamentos e da motivação das suas decisões, a fim de não contrariar o contexto corporativo e da polis5.

Muitas são as razões que podem afastar o magistrado da fundamentação adequada e da motivação efetiva de uma decisão. Todavia, por mais nobre que tenha sido o motivo do seu afastamento, a decisão desmotivada não deverá ser confirmada, considerando-se afastadas as garantias políticas, que abrange a proteção dos direitos fundamentais, assim como a garantia processual, que visa à efetiva cognição judicial, a imparcialidade do juiz, o contraditório, a publicidade processual, como outros princípios norteadores do nosso ordenamento jurídico.

Tomo, mais uma vez, ensinamentos de Antônio Magalhães Gomes Filho que ensina: “é necessário ressaltar que a motivação não representa somente um requisito formal da decisão, ou um discurso formulado a posteriori para justificá-la, mas constitui, ao contrário, um elemento estruturante do próprio julgamento. Em outras palavras, é a exigência de apresentar uma argumentação racional para justificar a decisão que obriga o juiz a decidir seguindo certos parâmetros de racionalidade. Como reconhece Taruffo, conforme nos recorda Antonio Magalhães Gomes Filho, no mínimo, poder-se-á dizer que não há justificação aceitável se a motivação desnatura completamente o raciocínio decisório, é nessa medida, enfim, que a motivação afasta o risco de decisões arbitrárias6.

Nesse sentido, nos amparamos no ensinamento de Liebman que entende a existência da motivação das decisões judiciais como um dos momentos históricos que fizeram com que o arbítrio deixasse de ser o “conselheiro do juiz” nas suas decisões, impondo ao magistrado encontrar uma decisão mais racional possível7.

O tema objeto do presente artigo foi apresentado no Habeas Corpus de no 108.554, junto ao Supremo Tribunal Federal, que na sessão de julgamento do dia 20 de março do corrente ano, proferiu sua decisão, de modo a nos encorajar a buscar reiteradamente junto à Suprema Corte, guardiã da Constituição e da cidadania, decisões judiciais onde esteja caracterizado de forma efetiva o livre convencimento motivado, em consonância com o devido processo legal e o modelo republicano cidadão da nossa Carta Constitucional.