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Gênero, políticas públicas e ações regulatórias

30 de abril de 2006

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Qual é a diferença entre um homem e uma mulher? Neste século, essa questão deve ser respondida pela Biologia, pela Bioética e, ainda, pela sociedade econômica, que se utiliza do trabalho de homens e mulheres, sem a mística da fragilidade do sexo feminino, em torno da qual existem crenças que, com o passar do tempo, vão caindo no vazio como castelos de areia.

Antiga crença afirmava que o poder ganharia, com as mulheres, uma dose de compaixão, capaz de conter a violência que lhe é inerente. Também se dizia que o homem, com a valorização da mulher rumo ao poder, perderia a autoridade e se fragilizaria aos olhos da sociedade.

Qualificar ou desqualificar ideologicamente o gênero tem um efeito contrário ao que se busca – o verdadeiro equilíbrio social, o qual repousa em um pensamento que deve nortear a modernidade: repor o valor da igualdade substancial dos cidadãos, homens ou mulheres. E isso porque se concluiu, já no século XX, que não há diferença alguma entre homens e mulheres, em termos de atuação, trabalho, responsabilidade ou sentimentos.

Uma executiva em uma empresa atua diferente de um executivo? Uma maestrina, à frente de uma orquestra, conduz os músicos de forma diferente de um maestro? Uma juíza julga diferente de um juiz? O STJ tornou-se melhor ou pior depois de 1999, quando começaram a chegar as ministras?

Daí a conclusão do articulista Roberto Pompeu de Toledo, em um velho artigo de jornal: “Imaginar que uma mulher pode produzir resultados diferentes dos de um homem, só por ser mulher, seria o mesmo que imaginar que os homens produziriam efeitos diferentes no vinco das calças ou no colarinho das camisas, quando se dispusessem a passar a ferro”.

EVOLUÇÃO POLÍTICA

A igualdade formal outorgada pela lei, diante da autonomia da vontade, dentro do princípio aristotélico de que o que é igual deve ser tratado de igual forma, e o que é diferente deve ser tratado diferentemente, levou o mundo a mergulhar em uma discriminação absurda, na qual os grupos minoritários, sem representatividade ou espaço de defesa política, passaram a ser alvo da exploração econômica, servindo para encobrir uma só verdade: a igualdade formal levava à desigualdade substancial, conduzindo à obtenção de mão-de-obra barata dos grupos iguais a todos os outros, porém, diferentes em razão do gênero, da idade, da nacionalidade, da raça etc., diferenças que os igualava pela falta de poder de pressão.

O Estado Liberal cedeu espaço para o Estado Social, cuja tônica foi a proteção às minorias, na tentativa de equilibrar a sociedade desigual, que tanto desgaste provocava na condução das políticas públicas, consumindo formidáveis somas em assistencialismo paliar.

O assistencialismo, benéfico às políticas demagógicas e deletérias, deu lugar às políticas pautadas nas ações afirmativas, ou de medidas compensatórias, direcionando-se à criação de um clima para igualar as oportunidades. Essas políticas, também chamadas de discriminação positiva ou discriminação benigna, alavancaram o surgimento dos direitos sociais e coletivos, a partir da identificação de grupos minoritários.

Após a Segunda Guerra, intensificaram-se as políticas de discriminação positiva. Afinal, o mundo enfrentava os problemas da descolonização, quando foi a Europa invadida pelos alienígenas, vindos das colônias, sem preparo suficiente para enfrentar o mercado de trabalho nas cidades européias que se reconstruíam.

Nos Estados Unidos, o problema racial, existente desde a época da guerra civil, atingiu níveis de intolerância alarmantes. E as mulheres americanas que foram obrigadas a deixar o lar, doce lar, para assumirem os empregos nas fábricas que abasteciam a indústria bélica, desfalcadas pelos homens que foram para o front, recusaram-se a retornar ao lar ao final da guerra.

Dentro desse quadro, acentuaram-se as ações afirmativas na tentativa de serem criadas oportunidades aos que se mostravam excluídos do processo produtivo da Nação, abolindo-se assim o princípio da neutralidade, ou seja, não bastava uma simples obrigação de não discriminar, era preciso discriminar positivamente para incluir.

Nessa política, saíram os Estados Unidos na ponta, sendo criado, em 4 de junho de 1965, na Universidade de Harvard, o dia do movimento das ações afirmativas. A Suprema Corte Americana foi o primeiro organismo judicial a adotar a discriminação positiva em relação ao racismo.

Embora muito se tenha avançado no século XX, em relação às políticas públicas que visam à não-exclusão, chegamos ao século XXI, com a pós-modernidade, sem termos conseguido completar o quadro de equilíbrio das minorias.

A par disso, constatou-se que as políticas discriminatórias, mesmo quando afirmativas, causam, muitas vezes, efeito contrário ao esperado, quando mal dimensionadas. É o que se chama de disfunção da norma protecionista. Como exemplo, podemos citar algumas leis de proteção às minorias trabalhadoras (mulheres, idosos e crianças) que, freqüentemente, são a causa determinante para o desemprego dessas minorias ou para a drástica queda na remuneração.

A conclusão a que se chega é a de que cabe ao Estado insistir com as políticas de ações afirmativas, dentro de um estudo sério, dinâmico e de revisão periódica, porque, em uma sociedade capitalista, é impossível falar de relações que não sejam marcadas pelo interesse do lucro, que forma as leis de mercado, e o mercado que, por sua vez, estrutura a política de emprego.

POLÍTICAS PÚBLICAS DENTRO DA REFORMA DO ESTADO

A gestão pública moderna tem como substrato imprescindível a eficiência e a eficácia, cujo resultado positivo relaciona-se com a credibilidade da Administração Pública, obtida por intermédio de seus gestores. Daí a diferença entre as empresas do setor público e as do setor privado, o que pode ser distinguido pelas características seguintes:

a) poder de coerção do Estado;

b) no setor privado, visa-se ao lucro econômico. No setor público, é considerado lucro tudo o que possa equacionar solução para o setor social, em interesse para a sociedade;

c) o setor público deve manter um aparato humano interessado e incentivado a atender aos interesses da sociedade.

Dentro desse contexto, vem se tentando, a partir da década de 90, reformar o Estado com enfoque de gênero. Para quê?  Para que se obtenha como resultado, dentre outros: qualidade de vida, integração das minorias no desenvolvimento do Estado e diminuição do peso econômico da exclusão (além de estarem os excluídos dissociados do processo produtivo, por via oblíqua, exigem da população economicamente ativa maior participação na carga tributária, induzem maior insegurança pública e atrasam o desenvolvimento).

Dentre as minorias, a inserção da mulher na vida econômica da Nação tem efeito multiplicador.  Com ela se integra a classe mais pobre da sociedade, visto que o maior contingente de pobreza no Brasil é o de mulheres; com elas também se integram os menores e os adolescentes, pois são elas hoje chefes de família em um percentual superior a 52% (cinqüenta e dois por cento).  Por fim, ainda, integra-se com a mulher um expressivo contingente da raça negra, já que as mais pobres são as negras.

Para se ter uma idéia do universo feminino, dados da Organização Internacional do Trabalho, do ano 2000, indicam que representa ela metade da força de trabalho do mundo, embora continue a compor um percentual de 70% (setenta por cento) dos miseráveis do planeta. E adverte a OIT que, se não houver políticas públicas efetivas para acelerar o processo de inclusão social do gênero, a igualdade só será alcançada daqui a 460 anos.

Dentre as políticas de inclusão, recomenda-se que:

a) no movimento de reforma agrária, a alocação dos lotes e a sua titulação sejam feitas em nome da mulher, pois hoje esse universo é de apenas 12,5% (doze e meio por cento) dentre os titulados;

b) sejam erradicadas, dos livros didáticos, histórias ou figuras que sugiram preconceitos de gênero, classe, etnia, passando-se, dessa forma, a mudar a cabeça não apenas de uma geração, mas das gerações seguintes;

c) se dê maior assistência à maternidade, acesso aos métodos contraceptivos, aceitação do aborto como preventivo à mortalidade materna, dentre outras sugestões.

CONCLUSÕES

As políticas de ações afirmativas são imprescindíveis, mas devem ser devidamente dosadas, avaliadas e periodicamente reavaliadas. E isso porque as medidas que pretendem aliviar a exclusão social podem se tornar medidas assistencialistas, de desastrosas conseqüências. Afinal, não se transforma uma classe social apenas com o acesso aos meios de satisfação primária. A verdadeira mudança se faz nas cabeças, na transformação individual, porque nela se assenta a mudança coletiva.

O movimento de inclusão de gênero, dentro da reforma do Estado, deve ter o cuidado de não servir de apanágio a reivindicações ideológicas radicais ou a oportunistas que, para fins eleitoreiros ou pessoais, nada sabem, nada fazem e nada deixam de positivo para uma sociedade que hoje precisa da aliança entre homens e mulheres.

Assim, é possível evitar os males de uma civilização globalizada que, em verdade, ignora o gênero, sem cerimônia de dar continuidade a uma sociedade machista, na qual se jogam homens contra mulheres para, ao final, obter mão-de-obra mais barata, quando o objetivo é o lucro.