Grandes vitórias em tempos desafiadores

4 de fevereiro de 2022

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Em janeiro, encerrou-se essa gestão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tive a honra de presidir. Foram três anos de muito trabalho, enfrentando um cenário adverso, que combinou ataques à OAB e à advocacia, ameaças ao Estado Democrático de Direito e uma pandemia que tem, como efeito colateral, uma enorme crise econômica e humanitária – da qual os advogados também sofrem as consequências.

Mas ao fim de toda jornada, é importante olhar para a caminhada e ver os resultados colhidos, os desafios superados. 

Todos os conselheiros que comigo participaram dessa gestão que se encerra tiveram anos de muito trabalho e de enfrentamento das adversidades que se apresentaram, sempre buscando contribuir para fortalecer a advocacia e defender os valores fundamentais da nossa sociedade democrática.

Mesmo com o difícil cenário descrito, podemos apontar para vitórias importantíssimas.

A mais significativa, talvez, seja a concretização de uma demanda histórica da advocacia. Conseguimos aprovar a lei que criminaliza a violação das prerrogativas. Essa conquista só foi possível com muita mobilização, que envolveu todas as seccionais da Ordem, e uma grande articulação no Congresso Nacional, com a Frente Parlamentar de Defesa da Advocacia, que reuniu mais de duzentos deputados e senadores. 

Foi uma vitória maiúscula da OAB, que começou o triênio ameaçada por uma Proposta de Emenda Constitucional que, na prática, inviabilizava sua existência e acabava com o Exame de Ordem. Essa tentativa de calar a advocacia, de iniciativa do Governo Federal, recebeu a dura resposta da entidade e da sociedade. A proposta foi retirada, sepultando o ensaio autoritário de impedir a organização e a fiscalização dos conselhos profissionais. 

Em todos os episódios em que as prerrogativas estiveram ameaçadas, a OAB se levantou, em todas as esferas. Garantimos, por exemplo, por meio de habeas corpus, a limitação da busca e apreensão em escritórios de advocacia, que ameaçam violar o sigilo entre advogado e cliente.

O exercício ilegal da advocacia, tanto por contratação irregular de escritórios estrangeiros, quanto por sites e plataformas que oferecem serviços jurídicos privativos de advogados, enfrentou a luta incansável da Ordem.

Derrotamos a tentativa de aumentar impostos para os advogados, com a retirada de pauta de uma reforma tributária que significaria um salto nos tributos da advocacia. Em meio a uma crise que atingiu em cheio toda a categoria, a proposta do Governo era triplicar o valor pago pelos advogados. 

A pandemia trouxe anos completamente atípicos para a Justiça. Fomos obrigados a nos adaptar a uma situação de necessário isolamento e trabalho remoto. Na perspectiva da advocacia, a OAB soube enfrentar o desafio do funcionamento dos trabalhos virtuais, buscando se adaptar aos novos ambientes jurídicos eletrônicos e ao uso de tecnologias que permanecerão, mesmo após o esmaecimento da crise mais aguda.

A Ordem conseguiu interferir no ordenamento dos trabalhos virtuais do Judiciário, contribuindo na construção de regras que garantiram o funcionamento dos trabalhos nesse período. Em nenhum momento, descuidamos da busca de garantir a ampla defesa, o contraditório e a sustentação oral e em tempo real no novo cenário que se impôs no exercício profissional da advocacia.

Nosso diálogo constante com o Supremo Tribunal Federal (STF), o Conselho Nacional de Justiça e os tribunais permitiu que fossem minimizados os danos inevitáveis de uma crise política, social e sanitária elevada a níveis inimagináveis durante a pandemia.

A vitalidade da nossa entidade foi preservada. Mesmo com as restrições para realização de reuniões, o Conselho Federal rapidamente desenvolveu tecnologia e formas seguras de manter seus debates, com sessões virtuais e híbridas, assim que a vacinação começou a avançar e as condições de segurança melhoraram. 

Impedidos de realizar nossa tradicional Conferência Nacional, reunimos mais de 115 mil pessoas no I Congresso Digital Nacional da OAB, o maior evento jurídico virtual do mundo. De 27 a 31 de julho de 2020, foram realizados mais de 160 painéis, com 500 palestrantes participando das discussões, todos de forma voluntária, e com transmissão em tempo real dos debates. O Congresso reuniu advogados, magistrados, ministros, jornalistas, especialistas e acadêmicos, em busca de respostas para o mundo pós-pandemia, debatendo as alterações nas atividades profissionais, negócios e novas tecnologias.

Cuidamos de ampliar espaços de participação e garantir espaços democráticos ainda mais abertos para que a Ordem reflita a advocacia de hoje. Essa gestão termina com a nova regra que instituiu paridade entre homens e mulheres nas chapas que concorreram à direção da OAB, em todos os níveis, além da cota de 30% de advogados e advogadas negros(as). Foi uma longa discussão na nossa entidade, que envolveu todas as seccionais. Tenho orgulho de deixar a Ordem com a marca de mais igualdade e mais participação.

Outras iniciativas mostraram o compromisso da Ordem com a renovação e a sintonia com a advocacia de hoje. Pela primeira vez na história, duas mulheres foram indicadas como representantes da OAB no Conselho Nacional do Ministério Público. Também avançamos na inclusão da juventude na vida da entidade, diminuindo a cláusula de barreira para integrar as eleições de seccionais e subseções. 

O amplo funcionamento das comissões temáticas, que ultrapassaram 120 nos últimos três anos, proporcionou inédita participação da advocacia na vida da entidade, e estimulou a elaboração de estudos de temas jurídicos importantes e propostas relevantes para a sociedade. Nesse processo, reunimos a participação direta de 3.500 advogados.

Foi essa participação democrática que garantiu a força da entidade em um momento crucial para o Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e a Constituição que juramos defender quando recebemos nossa carteira da Ordem.

As atitudes do Governo desde a sua instalação, com constantes ataques à democracia e à advocacia, mostraram clara tentativa de desorganizar qualquer tipo de resistência a um projeto autoritário que pretendia instalar. O arbítrio odeia artistas, advogados, jornalistas e todo amante da liberdade. Conviver com o contraditório e participar de debates é requisito obrigatório de todo advogado. Nossa profissão só viceja no solo fértil das liberdades. Por isso, a marca dessa gestão foi a defesa da democracia e da advocacia.

Destaco ações importantes da Ordem no Supremo, que impediram retrocessos que poderiam ter ampliado ainda a grave crise que tivemos que enfrentar. Uma foi a Ação Direta de Inconstitucionalidade para garantir a eficácia da Lei de Acesso à Informação. Em um momento em que a pandemia alcançava níveis trágicos, o Governo tentou impedir a transparência dos dados, o que seria fatal para o próprio combate à crise sanitária, além de ameaçar uma conquista importante da sociedade, que precisa ter acesso a informações sobre o uso dos recursos públicos e a realização das políticas públicas, muitas delas determinadas constitucionalmente.

Também atendendo a ação da OAB, o STF invalidou medida provisória que autorizava quebra de sigilo dos celulares dos cidadãos brasileiros em favor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Em tempos de discursos de ódio e fake news, a garantia de sigilo dos meios de comunicação do cidadão é condição indispensável para a democracia.

Por fim, garantimos, também com uma ação impetrada pela Ordem no STF, o direito de governadores e prefeitos de tomar providências para o enfrentamento da crise sanitária. Impedida a competência concorrente na gestão da saúde, certamente, hoje estaríamos chorando um número ainda mais trágico de mortes pela covid. 

A Justiça não escapou das tentativas de desmonte autoritário. Em períodos críticos de ataques ao Supremo Tribunal Federal, com ameaças de retrocesso institucional, a OAB reuniu mais de 200 entidades em atos em defesa do STF e do Poder Judiciário como um dos pilares do Estado Democrático de Direito e sua independência como condição para existência do regime democrático.

Foram também essenciais a denúncia e o combate ao esquema de fake news, que tinha claro objetivo de causar uma ruptura democrática, montando uma rede de ódio e de perseguição a todos que defendiam a democracia. Esse esquema foi alvo de investigação da Polícia Federal, em inquérito comandado pelo STF. Ao deixar claro que liberdade de expressão não significa carta branca para destruir a honra das pessoas, atacar instituições ou propagar ameaças de ruptura democrática, colaboramos também para lisura das eleições em 2022.

Esse cenário de vitórias e superação de dificuldades só foi possível pela atitude firme e unitária em defesa da democracia e da advocacia, ao lado de uma posição de protagonismo e diálogo com amplos setores da sociedade e do Congresso Nacional, que reforçou o papel da Ordem como articuladora da sociedade civil. Esse resultado pode ser confirmado pela pesquisa promovida pela AMB, na qual a OAB figura como a entidade mais respeitada da sociedade, com 66% de aprovação dos pesquisados. 

Podemos dizer, com orgulho, que a voz da advocacia não faltou no momento em que precisou se levantar contra o arbítrio, o obscurantismo, e em defesa da vida e da democracia.