Há 35 anos, a Carta que redesenhou o país

7 de novembro de 2023

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No último 5 de outubro foram completados 35 anos da promulgação da Constituição Federal pela Assembleia Constituinte. Ao longo dessa trajetória, o texto foi aprimorado, adequado às mudanças da nossa sociedade e permanece como esteio do pacto democrático firmado pelo povo brasileiro. Ao passo em que sua construção é contínua, a gênese da Carta é resultado de um longo processo histórico que culminou na sistematização de um documento único, que devolveu a liberdade, concedeu direitos e garantias e inseriu o Brasil no rol das democracias contemporâneas, naquela histórica quarta-feira de 1988.

A tradição constitucional brasileira remonta ao Império, mas ganhou maturidade com a Proclamação da República, sob o comando de Rui Barbosa, progenitor da Carta de 1891.De lá para cá, o Brasil passou por um sem-número de reviravoltas, que levaram a reformulações do texto constitucional – ora atentas às garantias de liberdade já praticadas em outros países, ora oprimidas por interesses autoritários.

Ao instalar a Assembleia Constituinte, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Carlos Moreira Alves, cuja recente partida deixou órfão todo o sistema de Justiça, antecipou o desafio hercúleo que recairia sobre os 559 Constituintes: “Na feitura de uma Constituição, as questões são múltiplas, e as dificuldades, várias. Resolvê-las com prudência e sabedoria é o grande desafio que se apresenta a esta como a todas as assembleias constituintes. Os olhos conscientes da nação estão cravados em vós. A missão que vos aguarda é tanto mais difícil quanto é certo que, nela, as virtudes pouco exaltam, porque esperadas, mas os erros, se fatais, estigmatizam. Que Deus vos inspire”, discursou, na ocasião.

Foi sob essa inspiração que a Assembleia Nacional Constituinte promulgou aquela que seria o marco da nossa retomada democrática. Um texto extenso, detalhado e que refletia a grandeza das necessidades, dos sonhos e das responsabilidades envolvidas na construção de uma nação democrática.

Ao observar em retrospecto, percebemos o quão fortes são esses dispositivos, que sustentaram o retorno à normalidade institucional e servem, até agora, como fortaleza inabalável da democracia. A Constituição de 1988 engrandeceu o direito de defesa, consagrou o habeas corpus, reafirmou os direitos fundamentais e estabeleceu como imprescindível a separação entre os Poderes. 

Graças à Carta Cidadã, podemos votar em eleições periódicas e influir diretamente nos rumos do País e nas decisões que determinam a vida de todos nós. O Poder Judiciário tem sido protagonista do processo de consolidação e aprimoramento da democracia. O Supremo Tribunal Federal tem se mantido como guardião da Constituição e de sua aplicação.

A Justiça Eleitoral tem cumprido de forma exemplar sua missão, ao assegurar a realização de eleições periódicas, livres e justas. A advocacia também desempenhou papel fundamental para as vitórias democráticas no Brasil. Lembremos da participação ativa que a classe teve na Assembleia Constituinte.

Nada menos do que 171 membros daquele colegiado eram advogados, inclusive o presidente da Assembleia, Ulysses Guimarães; e o relator, Bernardo Cabral, ex-presidente nacional da OAB. Contribuímos com sucesso para a tessitura de dispositivos fundamentais, especialmente os reunidos sob o art. 5o. Como resultado da atuação direta da advocacia, no art. 133, a Constituição reconheceu a advocacia como inviolável e indispensável à administração da Justiça.

Nesse contexto, a preponderância do papel da Ordem dos Advogados do Brasil cresceu exponencialmente. Por intermédio de nossa Procuradoria Constitucional, já atuamos em centenas de processos no STF, invariavelmente na defesa da cidadania e da liberdade.

A proteção das prerrogativas da advocacia, mais do que uma missão meramente classista, é uma incumbência social, que impacta positivamente o sistema de Justiça e a prestação jurisdicional. Entre os casos notórios em que atuamos no período recente está o combate ao negacionismo e a defesa da atuação dos entes federados no combate à pandemia de covid-19.

Em outra frente, trabalhamos para resguardar a privacidade dos dados de milhões de consumidores de serviços de telefonia, cujo compartilhamento violaria expressamente o art. 5o da Constituição. Também fomos fiadores da separação dos Poderes ao nos manifestarmos contra a existência de um suposto poder moderador a ser exercido pelas Forças Armadas. Além disso, a OAB está sempre a postos para defender a Justiça e o sistema eleitoral, sobretudo nos momentos de crise, quando a contingência histórica move as ações humanas.

A Constituição de 1988 promove o fim de desencontros que dificultavam a nossa evolução enquanto povo e enquanto nação. Esse espírito de convergência dá ânimo ao texto constitucional e se faz, agora, ainda mais necessário. É urgente a ampliação do diálogo institucional, que tem o potencial de fortalecer a segurança jurídica – sem a qual será impossível o crescimento econômico sustentável. Sem diálogo institucional e segurança jurídica, não poderemos enfrentar as disparidades socioeconômicas que ainda persistem no País.

Imbuída do compromisso de fortalecer as instituições democráticas, a OAB Nacional escolheu “Constituição, Democracia e Liberdades” como tema da 24a Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. O primeiro encontro da classe em formato presencial depois do hiato forçado pela covid-19, se voltará a discussões que circunscrevem os princípios que constituíram a Carta de 1988, entre 27 e 29 de novembro, na ExpoMinas, em Belo Horizonte. Em especial, aqueles que significaram a evolução de direitos e garantias do povo brasileiro, a harmonia e a separação dos Três Poderes.

A Conferência é mais um exemplo do papel que a OAB se dispõe a representar no debate público, de uma ponte para o entendimento. Nossa proposta é a união de esforços em torno da reafirmação dos ideais consagrados em 1988, trabalhando para um Brasil onde o consenso e a confiança representem os pilares de uma nação justa e próspera.