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Inovações penais Lei 12.015/2009

30 de novembro de 2009

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Após muitas décadas de vigência, vem o Código Penal sendo substancialmente alterado, nos recentes anos, por leis setoriais, como a Lei 11.106/05, que baniu o crime de rapto e de sedução do nosso Sistema Jurídico, dentre outras modificações. Anuncia-se agora a vigência da Lei 12.015/09, que alterou profundamente
o Título VI da Parte Geral do referido Código (crime contra os costumes).
De fato, o texto revogado apresentava muitas incongruências no que se refere aos costumes sexuais modernos, mas as novas disposições, por certo, trarão muitas controvérsias que serão debatidas no meio jurídico.
A respeito dessas novas disposições penais é que trataremos neste pequeno e superficial estudo, sem adentrar nas discussões jurídicas e sociais que o tema merece.
A partir de agora, pela Lei 12.015/2009, a apuração dos crimes praticados contra a dignidade sexual não depende mais da iniciativa da vítima ou de seus responsáveis.
A ação penal, que nesses casos tinha um caráter privado, passou a ser pública. Ou seja, antes da nova Lei, se houvesse um crime contra menor de 14 anos de idade e não tivesse havido lesões corporais, as autoridades que tomassem conhecimento do fato não podiam agir, pois o direito de ação pertencia à família da vítima; agora passa a ser da competência do Ministério Público.
Antes, sem a manifestação da vítima ou de seu responsável, o delegado, por exemplo, estava impedido de instaurar o inquérito para apurar o fato, e o Promotor de Justiça, por sua vez, não tinha como oferecer a denúncia em Juízo. Agora a Ação Penal é Pública e Condicionada à representação, salvo se a vítima for menor de 18 anos, hipótese em que a Ação será Pública Incondicionada (artigo 225 do CP).
Outro avanço foi a fusão dos crimes de estupro e o de atentado violento ao pudor numa figura única, sem distinguir o sexo da vítima. Agora o homem também pode ser sujeito passivo do crime de estupro.
Destarte, constranger alguém mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal, praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso é crime de estupro, independentemente de ser a vítima homem ou mulher.
Outro ponto muito importante e essencial é o tipo específico chamado de estupro de vulnerável, que substituiu os crimes sexuais praticados com presunção de violência.
O estupro de vulnerável é a prática de relações sexuais ou ato libidinoso com menor de 14 anos ou com pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. E a pena é de 8 a 15 anos de reclusão.
Essa figura penal é muito importante porque elimina aquela discussão que existia na jurisprudência acerca do constrangimento da vítima por razão de idade.
Não se fala mais em violência; a simples prática de relação sexual ou ato libidinoso com menor de 14 anos é suficiente para a consumação do crime, o que protege muito mais a criança e o adolescente.
As penas de todos os crimes sexuais foram aumentadas caso sejam cometidos contra adolescente maior de 14 e menor de 18 anos ou se o resultado for lesão corporal de natureza grave. Caso haja morte da vítima, a pena é de reclusão, de 12 a 30 anos, havendo pena de multa quando na consecução do crime havia o fito de auferir vantagem econômica.
Então, temos o seguinte: são proibidas relações sexuais, consentidas ou não, com qualquer pessoa menor de 14 anos, ou com quem não tenha condições de entender o caráter do fato ou de autodeterminar-se.
Com consentimento não viciado e sem violência ou fraude, acima dessa idade (14 anos), as relações sexuais não têm relevância penal, salvo as hipóteses típicas (prostituição, estupro, corrupção de menores etc), onde, inclusive, há agravamento da pena em razão da menoridade.
Há que se mencionar aqui a exploração sexual de crianças e adolescentes que engloba os casos de exploração sexual comercial (prostituição tradicional, tráfico para fins sexuais, turismo sexual e pornografia convencional e via Internet, condutas tipificadas na Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente), que difere do abuso sexual de crianças e adolescentes, que, em última análise, engloba as condutas no Código Penal, com muita ênfase no estupro do vulnerável já referido, e os casos de constrangimento e violência no espaço doméstico e familiar.
A Lei cria novo tipo penal de “Favorecimento da Prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual de Vulnerável” (art. 218-B do CP), adota o conceito do anterior artigo 228 do CP, com atualizações, nos seguintes termos: “Submeter, induzir ou atrair criança ou adolescente menor de 18 (dezoito) anos à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone”.
A pena prevista é de 4 a 10 anos, sendo que o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local que permitir as práticas descritas no caput também responde pelo mesmo crime (§ 2º, II). Sendo estabelecimento comercial, constitui-se efeito obrigatório da sentença a cassação da licença para localização e da autorização de funcionamento (§ 3º). Ainda como inovação, as ações penais de natureza sexual passaram a ser públicas condicionadas e não mais privadas. Serão públicas incondicionadas se a vítima tiver menos de 18 anos ou for considerada vulnerável, independentemente da situação financeira e relação familiar (artigo 225). Em contrapartida, os processos correrão em segredo de justiça (artigo 234-B).
A mesma lei, em seu art. 5º, cria um novo tipo penal no Estatuto da Criança e do Adolescente: o artigo 244-B, segundo o qual se constitui crime, punível com um a quatro anos de reclusão, “corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la”. O novo tipo penal substitui de maneira expressa o disposto na Lei nº 2.252, de 1º de julho de 1954, devendo ser interpretado segundo as normas e princípios contidos na Lei nº 8.069/90. Assim, com maior razão em relação àquilo que já vinha reconhecendo a Jurisprudência quanto ao disposto na Lei nº 2.252/54, o crime previsto no artigo 244-B estatutário deve ser considerado formal, sendo absolutamente irrelevante, para sua caracterização, o fato de a criança ou adolescente com a qual se pratica o crime ter ou não algum histórico infracional, até porque o objetivo declarado do legislador foi coibir — e com maior rigor — prática semelhante.
O novo dispositivo legal traz ainda importante inovação em seu parágrafo primeiro, que prevê incidir nas mesmas penas quem comete o crime por meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da Internet. O propósito consiste em conferir maior proteção a crianças e adolescentes.
A pena básica, do tipo fundamental do crime de estupro, é a mesma. No entanto, a Lei estruturou melhor as sanções de acordo com a idade e o resultado. Ou seja, crime comum praticado com menor de 14 anos, a pena é de 8 a 15 anos de reclusão (artigo 217-A). Mas se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave, a pena sobe para 10 a 20 anos de reclusão (artigo 217-A, § 3º).
E se da conduta resulta morte, a pena é de 12 a 30 anos de reclusão (artigo 213, § 2º). De maneira que se elimina, assim, outra discussão que havia na jurisprudência, se devia, ou não, aplicar a lei de crimes hediondos no caso de menor de 14 anos, independente do resultado (lesão corporal ou morte).
Agora, com a nova lei, fica claro que havendo lesão corporal a pena é maior, e se resulta na morte da vítima, como anteriormente dito, pode chegar a até 30 anos de reclusão.
Relevante destacar que, como toda lei nova, ela está sujeita a interpretações distintas, mas imaginamos que haverá pouco espaço para interpretações que venham a desproteger a criança e o adolescente.
O fato de as penas não terem sido diminuídas; mas, ao contrário, serem agravadas pela nova lei, diminui o risco, por exemplo, de que o condenado pela lei velha venha se beneficiar da lei nova, ante a impossibilidade de se operar a retroatividade de lei mais grave.
Por exemplo, o artigo 218 do Código Penal, quando fala do favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, de criança menor de 18 anos (artigo 218-B), mantém uma pena básica de 4 a 10 anos de reclusão, mas se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também pena de multa (§ 1º). Incorre nas mesmas penas quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 anos e maior de 14 anos nessa situação descrita (inciso I).
Ou seja, a partir de agora, ao contrário do que acontecia antes, quem praticar ato libidinoso ou relações sexuais com menor de 18 anos, mesmo que essa pessoa já tenha se corrompido por meio da prostituição, comete crime e a pena varia de 4 a 10 anos.
Interessante ainda o destaque para a discussão sobre o assunto de que praticar relação sexual com maior de 14 e menor de 18 anos que já havia se prostituído não era crime. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça absolveu um caso concreto no Estado do Mato Grosso do Sul justamente porque não havia essa previsão legal com clareza; ou seja, entendeu-se que naquele caso o indivíduo que praticou relações sexuais consentidas com menor de 18 anos não cometia crime.
Ele havia sido acusado e condenado pelo Tribunal pelo tipo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que previa a figura do favorecimento da prostituição.
O STJ entendeu que esse tipo de crime só praticava quem efetivamente tirava proveito econômico da exploração do menor, não aquele que simplesmente praticava relações sexuais.
Note-se que a nova lei inova criminalizando a conduta dos clientes das casas de prostituição, pois estes, como consumidores dos serviços sexuais, são considerados pela lei como os fomentadores desse mercado deplorável.
A nova lei mantém uma punição para os donos, responsáveis e gerentes de estabelecimentos comerciais que são coniventes ou estimulam a prostituição de menores. Agora, além de praticar esse crime, constitui efeito obrigatório da condenação, a cassação da licença de funcionamento. Motéis, por exemplo, que recebem menores de idade estão sujeitos a essas sanções.
Outra inovação é a solicitação do documento de identidade na entrada do motel. Pedir identidade em motel é um dever jurídico, uma obrigação do gerente. Ele não pode receber em seu estabelecimento um menor de idade. Nenhum menor pode entrar em uma boate ou ver um filme proibido para menores; por que poderia entrar em um motel? Evidentemente que não pode.
Uma curiosidade é em relação aos casos em que menores de 18 anos passam a viver maritalmente. Nestes casos, é preciso examinar sempre a lei como um programa constituído de valores sociais que precisam ser preservados. No entanto, sua aplicação prática depende de uma série de circunstâncias do mundo real.
Por exemplo, o direito penal é o direito da culpa, é o direito do fato, é preciso que o indivíduo pratique um fato que seja penalmente previsto e é preciso que em princípio ele tenha agido dolosamente, com vontade de transgredir os valores previstos na norma.
Praticar relações sexuais consentidas com maior de 14 anos não é crime. A lei permite que o maior de 14 anos tenha disponibilidade da sua sexualidade.
Já com os menores de 14 anos, jamais, nunca. Esse é o divisor de águas, casos concretos poderão existir em que menores de 14 anos estejam em regime de união estável, serão exceções que precisam ser avaliadas, caso a caso, a fim de verificar se efetivamente existe o chamado elemento subjetivo, a intenção de cometer a violação da norma penal.
A questão comportaria muitas outras abordagens; mas, para sair do lugar comum, procurou-se acrescentar novas visões sobre o tema, o que pode gerar a sensação de incompletude. Contudo, isso nos dá a certeza de que há muito ainda o que falar ou fazer, e aqui no caso a escrever; e diante do pouco espaço que ocupamos, se nos derem oportunidade, voltaremos a nos manifestar para apresentar o assunto sob outras óticas, isso se antes os doutos não o fizerem com maior brilho e substância.