Justiça digital e acesso à Justiça: o caso da Amazônia

9 de abril de 2024

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A Amazônia é mundialmente conhecida por sua extensão territorial, biodiversidade exuberante e importância para o equilíbrio ambiental do planeta. Apesar da grande relevância das comunidades amazônicas distribuídas naquele território, há poucos estudos jurídicos sobre suas condições de vida e a forma como exercem seus direitos. Por outro lado, há barreiras naturais que geram situações de vulnerabilidade, dada a enormidade de seus rios, florestas e vegetações que dificultam o deslocamento aos centros urbanos. 

Assim, é imprescindível identificar as barreiras geográficas que complicam o acesso à Justiça por essas comunidades, bem como analisar as possibilidades existentes diante das novas tecnologias utilizadas pelo Judiciário. Algumas pesquisas têm sido realizadas nessa temática no âmbito do mestrado profissional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), a fim de buscar subsidiar políticas públicas que se voltem para melhorar o acesso aos serviços judiciais por essas populações.

Na presente pesquisa, partiu-se de referenciais teóricos para analisar a relação entre acesso à Justiça e Justiça digital. A seguir, foi realizada pesquisa empírica em duas comunidades ribeirinhas situadas na região de Porto de Moz (PA), com o objetivo de investigar a influência das barreiras geográficas e as potencialidades da Justiça digital para a melhoria do acesso aos serviços judiciários, com potencial de redução das desigualdades sociais e regionais. 

Os pesquisadores deslocaram-se de Belém, capital paraense, para Porto de Moz, na região centro-norte do Estado do Pará, num voo que durou cerca de 2 horas e 30 minutos. Depois foi necessário o deslocamento com o uso de uma lancha rápida por 4 horas pelo Rioo Jaurucu, no interior da Amazônia, até o encontro das comunidades ribeirinhas conhecidas como Itapéua e Boca do Una.

A pesquisa empírica foi inserida no contexto de uma ação de Justiça itinerante que estava sendo realizada por iniciativa da Justiça estadual, coordenada pelo juiz da Comarca de Porto de Moz, José Gomes de Araújo Filho, que também é aluno do mestrado da Enfam. O objetivo dessa ação itinerante era levar serviços estatais básicos à população ribeirinha. Nessa ação, o Judiciário local celebrou um convênio com o Município e foi disponibilizado um barco UBS para que as pessoas envolvidas na prestação dos serviços tivessem hospedagem e alimentação durante a semana de atendimentos. Reuniram-se 30 pessoas para atuar em serviços relacionados à emissão de documentos civis e eleitorais, prestação de serviços judiciários e assistência jurídica nas áreas de Direito de Família, Previdenciário e Civil, além de outros atendimentos sociais, como aplicação de vacinas e corte de cabelo. A maioria dos moradores da região se deslocava de barco até o local para buscar atendimento.

Os pesquisadores foram convidados para conhecer a ação “Cidadania Itinerante” e desenvolver a pesquisa empírica. Após levantamento de dados e pesquisa participante, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com dez pessoas, escolhidas aleatoriamente entre aqueles moradores que se deslocaram ao local onde foi realizada a Justiça itinerante para receberem atendimento, respeitando-se, na escolha, a diversidade. Todos os entrevistados tomaram ciência e aderiram a um termo de consentimento livre e esclarecido para a realização da pesquisa.

Ao final da pesquisa, foram identificadas cinco dimensões para a relação entre governança digital e o acesso à Justiça por comunidades ribeirinhas na região Amazônica brasileira, a partir da análise do conteúdo das entrevistas, com uso do programa Atlas.Ti, quais sejam: 1) facilidade da tecnologia para o acesso à Justiça e aos direitos; 2) acesso à informação; 3) barreiras geográficas; 4) recursos e estrutura para o uso da tecnologia; e 5) experiência com a Justiça.

A categorização dos resultados da pesquisa em dimensões, após a coleta e análise de dados, foi realizada com a finalidade de analisar as experiências dos inquiridos com os serviços judiciais e verificar as possibilidades geradas pelas novas tecnologias utilizadas pelo Judiciário. As cinco dimensões encontradas podem subsidiar novas pesquisas e também são fatores-chave para elaboração de políticas públicas que visem à inclusão dessa população em situação de vulnerabilidade social e geográfica nos serviços judiciais.

Ao investigar o contexto local e a percepção dos moradores das comunidades ribeirinhas, conclui-se que a governança digital e o uso das novas tecnologias pelo Judiciário podem contribuir para facilitar o acesso à Justiça, minimizar as barreiras geográficas e sociais que afastam as pessoas da concretização dos seus direitos básicos e, assim, reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Os trechos das entrevistas e a discussão dos resultados podem ser consultados no artigo publicado na Revista Social Sciences, cujo acesso pode ocorrer pelo link ou pelo QR Code abaixo: 

 

Nesse sentido, observa-se que o mestrado profissional da Enfam tem auxiliado muito em pesquisas com alto impacto para o sistema de justiça. Pesquisas empíricas como essa podem auxiliar o Judiciário a tomar decisões estratégicas em termos de políticas que busquem melhorar o acesso à justiça e a efetividade na concretização de direitos. 

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