Mente aberta para a conciliação e a mediação

6 de maio de 2019

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Confira os melhores momentos da palestra do Ministro do STJ Paulo Dias de Moura Ribeiro no VIII Fonamec

“Benfazeja é a abertura de mentes para que novos sistemas de solução de controvérsias sejam plantados em nossos corações jurídicos” (….)

“Temos escrito com todas as letras no preâmbulo da nossa Constituição que esse é um País que vive para a solução pacífica das controvérsias. Não só no campo interno, mas no campo externo, está escrito no art. 4o exatamente isso, que é um País que busca a solução pacífica de conflitos no âmbito internacional. Temos os Juizados Especiais lá no art. 98 da Constituição, perfeitamente fixados. Há sistemas outros que dizem para nós que não basta apenas o Judiciário. No campo do esporte a Constituição diz que só se vai ao Judiciário depois que se tente pacificamente resolver a questão. Isso não é novo, a Constituição do Império, de 1824, já dizia no seu art. 160 que nenhuma demanda seria admitida sem que houvesse a prova da tentativa da conciliação prévia. Temos em nosso Código Comercial inúmeras passagens de solução de controvérsias por meio de árbitros.

A mitologia grega já tinha sua deusa Harmonia, filha de Ares, curiosamente o provocador da discórdia, Marte para os romanos, e filha de Afrodite, a deusa do amor, a Vênus romana. Os romanos gostavam tanto dela que lhe homenagearam com o Palácio da Concórdia, onde se reunia o Senado, tal a importância que lhe reconheciam. Lembrando mais um pouco de História, lembro de Zulaiê Cobra Ribeiro, deputada federal por São Paulo, que trouxe há muito tempo para o Congresso a ideia de que precisávamos ter soluções alternativas de conflitos. Lembro também que naquela ocasião, o Presidente da Escola Paulista da Magistratura, Marcus Vinícius dos Santos Andrade (2006/2007), implantou cursos de especialização exatamente sobre os métodos alternativos de solução de conflitos. Tive a satisfação de coordenar os trabalhos e assistir a primeira aula dessa solução pacífica de controvérsias, quando ouvi uma psicóloga e nunca mais esqueci a estória que ela contou. Era sobre duas filhas que estavam brigando dentro de casa por uma laranja quando a mãe chegou. Ela não conseguia acabar com a briga e ficou tão desesperada com os gritos que pegou a laranja e a partiu ao meio, dando um pedaço para cada. As duas meninas ficaram amuadas, tristes porque não resolveram o que precisavam. Foi aí que a mãe decidiu ouvir-lhes as queixas e entendeu que deu péssima solução para aquele conflito. Porque uma queria a laranja para comer, outra queria apenas a casca para fazer um trabalho escolar. Nesse instante brotou no coração de todos aqueles que assistiam ao curso que a primeira coisa que o mediador e o conciliador precisam saber é a ouvir, entender aquilo que está sendo passado pelas partes. Esse é o grande princípio que nos norteia a respeito dos métodos alternativos de solução de conflitos.

O Ministro Cezar Peluso (Presidente do Supremo Tribunal Federal, de 2010 a 2012) também já havia feito uma resolução do CNJ propondo os métodos alternativos, ainda não era lei. O Desembargador José Carlos Ferreira Alves (presente na plateia), meus cumprimentos, foi quem instalou o primeiro Núcleo de Conciliação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Aliás, foi muito bonita a instalação, o próprio Peluso nem acreditava na beleza do local escolhido.

O art. 3o do novo Código Civil fala da inafastabilidade da jurisdição, perfeito, se não é o arbítrio. O parágrafo primeiro fala que é permitida na forma da lei a arbitragem. Isso foi uma grande luta, o grande vitorioso foi o Ministro do STJ Luis Felipe Salomão. A arbitragem realmente é uma solução adequada, mas não há semana de trabalho em que não venha um problema da arbitragem. Há um caso muito interessante, de um prédio no qual se fixava a possibilidade de preço mais elevado como prêmio em razão do sucesso do empreendimento, que era um hotel no Rio de Janeiro. Estabeleceram uma cláusula de arbitragem, que dizia que tudo poderia ser arbitrado, salvo o preço do contrato. Começou uma briga que foi logo para o Judiciário. A colega no Rio de Janeiro mostrou ‘tem cláusula compromissória, não é aqui’. Houve recurso ao TJRJ, que falou ‘tem cláusula compromissória, não é aqui’. Mas havia um parecer do árbitro sobre outra briga entre as mesmas partes, que dizia que tudo pode ser arbitrado, menos o preço. Dava a entender. Isso chegou ao STJ. Quem é que tem que falar se é para entender ou não do preço? O próprio árbitro, mas teve que chegar até o STJ para que tivéssemos que dizer que ‘vai ser pelo árbitro a solução, inclusive da questão do preço’.

Outro caso que chamou muita atenção a respeito da arbitragem, do Ministro Marco Aurélio Belizze, foi um contrato em negócio de ações no qual, por meio de uma carta, um documento apartado, ficou estabelecido que poderia haver arbitragem. Não demorou nada e houve recurso à jurisdição estatal, que chegou ao Superior Tribunal de Justiça, a briga daquele que entendia que a carta não servia para fixar a jurisdição pela arbitragem. Há uma frase final no acórdão do Ministro Belizze, muito bonita, que diz ‘A jurisdição estatal, caso haja resistência de qualquer das partes em implementar a arbitragem convencionada – o que, por ora, apenas se pode atribuir ao demandante – poderá, como visto, ser acionada para o exclusivo propósito de efetivar a instauração da arbitragem, a quem caberá solver a controvérsia reservada pelas partes, conforme dispõe o art. 7º da Lei no 9.307/1996’ (Agravo em Recurso Especial no 1.134.166. SP 2017/0169108-2). Parece que julgar vira educar. Teve que chegar ao STJ para dizermos ‘olha, meu senhor, está escrito, tanto faz no contrato ou que seja em uma carta em apartado’. Não se deveria ter que ir ao Superior Tribunal de Justiça para isso.

Nesse particular, deveríamos avançar mais, mais e mais. Os órgãos regulatórios deveriam ter mais agilidade para solucionar determinadas demandas, como essa que trago aos senhores. Era um caso de remédio em um plano de saúde privado, grande parte das demandas que vinham de São Paulo eram remédios não homologados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Eram tantas que resolvi fazer o repetitivo do caso, no qual dissemos que as operadoras de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado na Anvisa. Evidentemente, disso vão brotar filhotes, porque a Anvisa não tem prazo para fazer a homologação dos remédios, há colegas que entendem que se outros países já homologaram o remédio é possível. É um processo de sofrimento e dor, porque quem tem um parente precisando de um remédio e acha que aquele remédio pode salvá-lo, vai querer efetivamente consegui-lo.

São processos difíceis, precisamos resolver, mas uma das coisas mais sensacionais que passou pela minha cabeça é a recuperação judicial e a assembleia geral dos credores para solucionar aquilo que é mais importante, a recuperação das empresas. Fomos muito recentemente a Nova Iorque (Leia a respeito na reportagem sobre o V Encontro de Magistrados Brasil-EUA, na edição de abril da Revista JC), onde visitamos um tribunal que só cuida de recuperação judicial. É tão interessante a ideia deles, que confesso que fiquei um pouco deslocado sem entender como eles faziam tantas recuperações. Lá o poder do juiz é imenso, se ele resolve hoje que será assim que vai prosseguir a recuperação judicial, se amanhã der algum clique errado naquele plano de recuperação, imediatamente são convocados todos para nova sessão da assembleia de credores, até que resolva. Não há tempo sequer para um agravo de instrumento, no dia seguinte já há nova sessão da assembleia para a recuperação daquela empresa. Parece que é assim que nós temos que andar. Não é para conrolar em falência sem mais nem menos, volta mais uma vez para a assembleia. Esse é o espírito que devemos ter.

A respeito de recuperação judicial, trouxe alguns acórdãos importantes. Um dos que me chamou a atenção e que vamos tratar mais dia, menos dia, pois é a novidade do momento, são os títulos eletrônicos, os tais recebíveis. Quando eu era menino, ouvia meu avô na praça cafeeira de Santos (SP) falar do tal borderô. Sempre achei aquela palavra maravilhosa, e não é que no STJ nós viemos a julgar essa semana a questão do borderô! É a duplicata virtual emitida sob forma escritural, mediante lançamento no sistema eletrônico de escrituração pela empresa credora. Assim vai se proceder, temos que começar a conviver com isso. Tratava-se (de julgar) de trava bancária ou não, mas se prendia exatamente ao tal antigo borderô que é esse documento escritural.

Outro que me pareceu extremamente interessante, foi de uma recuperação muito grande, na qual a total maioria dos credores com garantia real abriu mão dessa garantia só para que a empresa pudesse continuar. Um deles, que não foi à assembleia, veio a juízo dizer que não concordava porque queria permanecer com a garantia real. Não há dúvida, todos nós conhecemos o direito das coisas, a garantia real facilita o empréstimo. Mas será que não precisamos começar a pensar um pouco diferente? Se a grande maioria dos credores com direito à garantia real abriu mão justamente para tentar recuperar a empresa, porque é que um sozinho fará prevalecer o direito em detrimento de todos os demais? (…)

São mostras de que, efetivamente, esse novo viés que os senhores estão aqui fomentando e plantando no coração jurídico de todos, o que eu aplaudo, é o novo caminho que nós precisamos para o Judiciário. Outra coisa muito simples que fazem os americanos, quando o processo sobe em grau de apelação, um oficial olha a possibilidade de conciliação do caso. O processo não vai ao juiz, passa por uma intensa aferição de conciliação e na grande maioria das vezes a questão é resolvida. (…) Quem sabe fica plantado nesse dia esta ideia, para amenizar os conflitos por esse caminho?”