Métodos online de resolução de litígios

7 de julho de 2020

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Fragmentos de uma contribuição para eficiência do Poder Judiciário ajustada à Análise Econômica do Direito

Introdução

A resolução de disputas é um componente natural da interação humana. Todas as sociedades e grupos sociais (de famílias a Nações) necessitam de fórmulas eficazes e justas para resolver as disputas que surgirem. Essa, a assertiva de Colin Rule[1] vice-presidente da Tyler Technologies, que ilustra, para concluir: existem registros detalhados dos processos de resolução de disputas na Suméria (1770 AC), Roma (1 DC) e Inglaterra medieval (1440 DC)[2]. O autor foi, ainda, co-fundador do modria.com (Modular Online Dispute Resolution Implementation Assistance).

Dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) denunciam um congestionamento processual não razoável no âmbito do Poder Judiciário, cuja razão é atribuída, em grande medida, à cultura do demandismo, estimulada pelos baixos custos do ajuizamento de ações judiciais, quando comparados ao retorno obtido com eventual julgamento procedente da demanda.

Como resposta ao expressivo acionamento do Poder Judiciário, que anuncia um futuro caótico, novos mecanismos para resolver litígios, diversos do processual, foram elaborados, tais como a negociação direta e câmaras arbitrais de mediação e de conciliação – métodos alternativos de resolução de conflito.

Ao lado desse movimento conjunto, demandismo somado aos métodos alternativos de solução, uma acelerada inovação tecnológica se desvenda e com ela os reveses que da inovação derivam e a necessidade de seu gerenciamento. Tanto a inovação e seus benefícios, quanto os conflitos advindos dessa experimentação revelam-se em grande e proporcional escala.

Nesse panorama, as tecnologias de informação e comunicação evoluem em marcha exponencial e novos mecanismos de solução de demandas alternativos ao judicial podem e devem ser pensados, porque imprescindíveis para conter o colapso do sistema estatal e o “tradicional” sistema extra-judicial. Um passo a diante e percebe-se que os conflitos com origem nessas novas formas de relação proporcionadas pela evolução tecnológica demandam solução dotada do dinamismo característico das próprias relações que lhe dão vida. Esse o cenário fecundo para o surgimento das plataformas online de negociação e solução de disputas. Essa a tônica das ODR, online dispute resolution.

É fato o impacto da tecnologia no deslocamento das fronteiras tradicionais, dando origem a novos tipos de disputas e a um grande número de conflitos, para muitos dos quais os caminhos tradicionais de solução não cumprem o papel de reparação.

Frente a esse panorama, inevitável para o arranjo dessas ideias a invocação do estudo das premissas propagadas pela Análise Econômica do Direito, mormente o reconhecimento de que o acesso à Justiça não deve ser compreendido como mera garantia de provocação do Judiciário, a constatação da crise do modelo processual brasileiro, evidenciada pela lentidão, excesso de trabalho das Cortes e o inflado mercado da advocacia, somados, ainda, à proposição de investigação dos benefícios socais e individuais da operação do sistema de Justiça, a partir da utilização de método científico próprio de outra área do conhecimento, a Economia[3].

Assim, é que, em apertada síntese, a AED compreende que a garantia constitucional de acesso à Justiça deve harmonizar-se a uma prestação jurisdicional que observa metas de ordem econômica, com o escopo de diminuir os custos envolvidos na manutenção de um processo e minimizar a quantidade de falhas nas decisões judiciais.

Tendo em vista o caráter subjetivo e individualista do conceito de justiça, a Escola de Chicago sugere a adoção do critério da eficiência econômica, entendido como um dos sentidos de justiça, que pode se expressar por práticas auto compositivas, com menor custo social total, em relação aos processos judiciais, haja vista o ganho em celeridade, redução de gastos e satisfação das partes, trilogia característica da eficiência.

Nesse passo, as formas alternativas de solução de conflitos, nomeadamente as ODR, vão ao encontro da lição da análise econômica, tendo em vista a probabilidade de alcance de redução de custos e celeridade, ambos obtidos a partir de métodos inquestionavelmente simplificados, sem se descuidar, no entanto, da observância da ordem pública, do gerenciamento das assimetrias de poder, sempre atentos ao controle das ambições de agentes privados, com acentuado repúdio a práticas socialmente deletérias.

Métodos Alternativos de Resolução de Litígios

Dados divulgados pelo CNJ denunciam um congestionamento processual não razoável no âmbito do Poder Judiciário, cuja razão é atribuída, em grande medida, à cultura do demandismo, estimulada pelos baixos custos do ajuizamento de ações judiciais, quando comparados ao retorno obtido com eventual julgamento procedente da demanda.

Nos termos documentados na 15ª edição do Relatório Justiça em Números, última edição publicada até o momento, o Poder Judiciário finalizou o ano de 2018 com 78,7 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução definitiva. Desses, 14,1 milhões, ou seja, 17,9%, estavam suspensos, sobrestados ou em arquivo provisório, aguardando alguma situação jurídica futura. Dessa forma, desconsiderados tais processos, tem-se que, em andamento, ao final do ano de 2018 existiam 64,6 milhões ações judiciais[4].

Tendo em vista o cenário pouco confortável destacado acima, realidade também de outros sistemas judiciários do mundo, um movimento internacional de “desjudicialização” da resolução de conflitos se instaurou, fundado, principalmente, no princípio da duração razoável do processo. Fruto desse movimento foi a elaboração de novos mecanismos aptos a resolver litígios, distintos do processo, tais como a negociação direta e as câmaras arbitrais de mediação e de conciliação – métodos alternativos de resolução de conflito.

Ao capitanear o Movimento pelo Acesso à Justiça, Mauro Cappelletti já instigava os profissionais do direito a encontrar alternativas capazes de acomodar melhor as demandas urgentes de um tempo de transformações societárias em um ritmo acelerado sem precedentes”[5].

Estimulada pelo processualista italiano, a doutrina especializada estudou e definiu os métodos alternativos (adequados) de resolução de conflitos (tradução do inglês alternative dispute resolution – ADR) como sendo mecanismos de solução de conflitos que, com características, habilidades e técnicas próprias, oferecem administração adequada aos diferentes tipos de conflitos. São estruturas que confiam a solução de um problema, prioritariamente, ao diálogo colaborativo entre os diretamente envolvidos na contenda, que se desenvolve previamente ou posteriormente à instauração de um processo judicial, por vezes evitando o acionamento da máquina estatal, outras vezes servindo de auxílio para a conclusão ótima da questão já apresentada ao Judiciário.

Aliás, ainda que inexistente um registro preciso que indique o momento exato em que esses métodos surgiram na história da humanidade, há indícios de que sua utilização preceda à própria formação do Estado Democrático de Direito e suas instituições. Derek Roebuck, em seu último livro “Mediação e Arbitragem na Idade Média: Inglaterra 1154-1558”, descreve como a resolução de disputas, especificamente a mediação e a arbitragem, funcionou na prática na Inglaterra Medieval. O livro descreve primeiro o cenário histórico, o sistema jurídico da época (incluindo o local de mediação e arbitragem no sistema jurídico inglês). No corpo do livro, são apresentados diferentes tipos de disputas solucionadas por mediação – conflitos por terra e herança, crimes como assassinato e estupro. O autor relata que houve solução mediadora de disputas entre diferentes comunidades – desde o rei, parlamento e conselho, passando por grandes senhores e seus conselhos, até cidades e bairros, comunidades específicas, como associações de artesanato e comerciantes e comunidades judaicas[6].

Lília Maia de Morais Sales, Pós-Doutora pela Universidade de Columbia, com formação em mediação de conflitos na Universidade de Harvard, entende que ADR seria “um conjunto de práticas, técnicas e métodos para resolver e administrar em larga escala processos de curta duração levados às cortes judiciais” E, nesse rumo, ensina que “os procedimentos alternativos de resolução de conflitos possuem diferentes formas de abordagens para o tratamento de cada espécie de problema. A partir desta ideia, as cortes judiciais que já adotam o ADR em seu cotidiano se utilizam de uma variedade de formas para alcançar uma variedade de metas. Uma corte deve determinar que um método alternativo é uma reação apropriada para as necessidades locais; outra, por sua vez, pode concluir que o mesmo método é prejudicial para as condições locais ou simplesmente não é capaz de promover a justiça em sua jurisdição”[7].

Os métodos de resolução de conflitos empregados pela ADR’s, modernamente denominados métodos adequados de solução, podem ser classificados, conforme haja participação ou não de um terceiro no procedimento resolutivo, como consensuais ou adversariais. Aliás, o qualificativo “adequados” se justifica na assertiva segunda a qual para cada tipo de conflito existe uma solução mais adequada de resolução, não necessariamente alcançada por meios oficiais de jurisdição.

No método consensual as partes é que decidem a situação final do conflito. Nessa ordem, são consensuais a Negociação, consistente numa comunicação estruturada à persuasão diretamente entre as partes, algumas vezes com a participação de um facilitador; a Mediação, método auto compositivo em que as partes são protagonistas da solução, auxiliadas por um terceiro mediador, independente e imparcial, que não julga, mas utiliza técnicas que estimulam soluções criativas para colocar fim ao conflito e Conciliação, também auto compositivo, que vale-se do auxílio de um terceiro mediador, não impositivo.

Por sua vez, é adversarial a Arbitragem, método alternativo de resolução de conflito alternativo ao Judiciário, cuja sentença é impositiva e se desenvolve sob o comando de árbitros imparciais e independentes, nos termos da Lei nº 9.307/1996.

As formas alternativas de composição não se apartam absolutamente das experiências tradicionais, ao contrário, se valem de seu fundamento para legitimarem-se. Mediação e Arbitragem, assim como toda forma de negociação extrajudicial, são reescritas de modo a adequarem-se, o mais próximo possível, à realidade das relações contemporâneas.

Embora os meios alternativos de resolução de disputas dispensem a intervenção de agentes públicos, dispensem o comparecimento às cortes, eles continuam exigindo, no entanto, a presença física das partes e de eventual terceiro – que componha, que vá mediar ou que vá decidir aquele conflito, em um espaço determinado e em um momento temporal específico.

Nessa cena, a necessidade de presença física das partes e de eventual terceiro, em espaço determinado e em momento temporal específico, começou a ser vista como uma dificuldade em um mundo que está cada vez mais globalizado, em um mundo hiperconectado, em que as interações acontecem cada vez mais no espaço global.

Métodos on line de resolução de conflitos

Uma definição simples e ao mesmo tempo didática para ODR (online dispute resolution) seria aquela que as compara aos meios adequados de resolução de conflitos mencionados acima, todavia vertidos para o meio digital, em plataformas online. Assim, ao invés das partes se encontrarem em um lugar físico para dirimir o conflito, elas se reuniriam em salas virtuais.

Os métodos online começaram sua existência como ‘ADR online‘ e, realmente, destinavam-se a ser um equivalente baseado na rede de processos offline de resolução de disputas cara a cara, como negociação, mediação e arbitragem. Com esse propósito, houve uma tentativa de imitar processos tradicionais, mas à distância. Os primeiros experimentos em ODR usaram mediadores humanos, no ambiente da rede, que substituíam os encontros pessoais, mas as técnicas e habilidades utilizadas eram as mesmas desenvolvidos e contratadas offline.

Mirèze Philippe, Conselheira Especial da Secretaria do Tribunal Internacional de Arbitragem da International Chamber of Commerce (ICC), conceitua a ODR como “mecanismo para resolver disputas facilitado pelo uso de comunicações eletrônicas e outras tecnologias de informação e comunicação”, um sistema para gerar, enviar, receber, armazenar, trocar ou processar comunicações eletrônicas”. Elemento essencial para que se defina uma forma de resolução de disputas como ODR é a utilização da tecnologia da informação para liquidação de disputas, sendo um provedor de ODR uma entidade que administra os procedimentos de resolução de conflitos com base na tecnologia da informação[8].

Daniel Arbix[9] enfatiza que as ODR seriam resoluções de controvérsias em que as tecnologias de informação e comunicação não se limitam a substituir canais de comunicação tradicionais, mas agem como vetores para oferecer às partes ambientes e procedimentos ausentes em mecanismos convencionais de dirimir conflitos”, e que os “ODR são ‘uma nova porta’ para solucionar conflitos que talvez não possam ser dirimidos por mecanismos tradicionais de resolução de controvérsias.

Explicação para isso, é o fato de que as lides originadas da nova forma de interação social exigem novas formas de solução, não provincianas, que, desapegadas de fronteiras e do engessamento atribuído por determinado ordenamento jurídico, confira respostas rápidas à diversidade dos conflitos, cuja ordenação tradicional é incapaz de prever e, concomitantemente, propor a regulação.

Nessa linha, as ODR – online dispute resolution – mostrariam alto potencial de efetividade, dada a dinamicidade de seu modo de operação, que tem como ponto de partida e fundamento, em primeiro lugar, a moderação entre os litigantes, conhecedores do contexto fático sobre o qual a disputa se revela e, ao mesmo tempo, os maiores interessados na solução do impasse.

Disputas que chegariam em massa aos Tribunais, passam a ser manipuladas por tecnologias substitutivas, que se valem de um agente imparcial, muitas vezes, não humano, que orienta e propõe ações aos contentores com probabilidade alta de sucesso na reorganização das interações.

“Os precursores da ODR foram os professores Ethan Katsh e Janet Rifkin, os quais, em 1997, fundaram o National Center for Technology and Dispute Resolution (NCDR), vinculado à Universidade de Massachussets, com o objetivo de fomentar tecnologia da informação e gerenciamento de conflitos e escreveram o primeiro livro sobre o tema em 2001. Após isso, diversas instituições renomadas passaram a explorar a ODR, tais como o Departamento de Comércio dos Estados Unidos da América, a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO), e a Conferência de Haia sobre Direito Internacional Privado[10]”.

Colin Rule esclarece que o crescimento do ODR aconteceu de uma maneira diferente: foi o primeiro global. No final dos anos 90, a Internet começou a criar um grande número de disputas de baixo valor e alto volume, principalmente no comércio eletrônico. Os governos perceberam rapidamente que era preciso haver novos sistemas para lidar com essas disputas online. Diante desse cenário, os tribunais se deram conta de que, objetivamente vinculados pela geografia e pelas regras jurisdicionais, não foram projetados para resolver casos transfronteiriços, muito menos maneira eficiente e eficaz[11].

Nesse diapasão, agentes privados que atuavam de forma relevante como intermediários da Internet, tais como as empresas eBay e PayPal, sentiram a necessidade de resoluções rápidas e justas, com vista à consolidação da confiança dos usuários, para, então convencê-los da conveniência das transações online. Para esse fim, houve expressivo investimento na construção de ferramentas ODR, que atingiram grande volume no ano de 2000.

Nos Estados Unidos da América, dado o reconhecimento da importância dos métodos online, foi criado o Centro Nacional de Tecnologia e Resolução de Disputas, que apoia e sustenta o desenvolvimento de aplicativos de tecnologia da informação, recursos institucionais e conhecimento teórico e aplicado para melhor compreensão e gerenciamento de conflitos[12].  Fundado em 1998 pelos professores de estudos jurídicos da Universidade de Massachusetts Ethan Katsh e Janet Rifkin, a partir da constatação de que, embora a Internet pudesse ser um espaço altamente ativo, um espaço criativo e, para alguns, um espaço lucrativo, não seria um espaço harmonioso.

Alguns métodos online de resolução de conflitos existentes

No Brasil, a AB2L realiza periodicamente um mapeamento das Legaltechs e Lawtechs nacionais, gênero do qual as ODR são espécies, por meio de um procedimento nomeado Radar Lawtechs. Em sua versão 4.0, realizada no dia 1 de novembro de 2018, o relatório apontou a existência de mais de 120 empresas (no mundo já são mais de 1.500, de acordo com o Angel List e o Crunch Base), dessas, mais de dezessete empresas brasileiras oferecendo serviços de ODR. O Radar da AB2L categoriza as lawtechs de acordo com os serviços que são por elas prestados: Analytics e Jurimetria, Compliance, Conteúdo Jurídico, Educação e Consultoria, Extração e monitoramento de dados públicos, Gestão, IA, Redes de Profissionais, Regtech, Taxtech e Resolução de Conflitos Online, estas, empresas dedicadas à resolução online de conflitos por formas alternativas ao processo judicial como mediação, arbitragem e negociação de acordos.

Dentre as Lawtechs de Resolução de conflitos, destaca-se a MOL (mediacaonline.com), primeira plataforma de mediação online do Brasil, fundada em 2015. A MOL é uma plataforma especializada na resolução, gestão e prevenção de conflitos, para pessoas físicas, empresas e instituições, com foco na eficiência do mercado jurídico e democratização dos métodos alternativos de solução de conflitos.

Nos casos de mediação, a empresa envia uma base de casos, ajuizados ou não, para a MOL. A plataforma envia o convite para a outra parte. Se houver o aceite, a MOL agenda uma sessão. O mediador realiza a mediação online com as partes. As partes assinam digitalmente o acordo de mediação com validade jurídica[13].

Desde 3 de maio de 2020, a startup jurídica MOL – Mediação Online disponibiliza sua plataforma de resolução de conflitos a todos os Tribunais de Justiça do Brasil, gratuitamente. Todo o procedimento é feito online, desde o envio da carta convite via blockchain, ao agendamento com todos os participantes, a sessão por videoconferência, chat ou telefone, até a assinatura eletrônica (tecnologia que dispensa o uso de certificado digital) do termo de acordo.  As sessões são gravadas e a plataforma conta também com um dashboard para a gestão e performance de resultados[14].

Não é novidade, muito menos surpreendente, que os conflitos consumeristas sejam a segunda causa mais recorrente de processos na Justiça Estadual, principalmente em relação à responsabilidade do fornecedor e indenização por danos morais. Sobre o ponto, pesquisa encomendada pelo CNJ, realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria, apontou que bancos e empresas de telecomunicações e energia aparecem no topo dos maiores litigantes em conflitos consumeristas, responsáveis por mais de 50% de volume de processos em todo País. E nessa avalanche de efeitos indesejáveis para quaisquer dos envolvidos, desde os litigantes, até o Estado, uma das soluções encontradas para tentar frear o número de processos envolvendo a questão foi a criação da plataforma Consumidor.gov como meio alternativo de solução de conflitos.

E quanto ao ponto, a Associação Brasileira de Jurimetria propõe na pesquisa destacada, que as demandas consumeristas sejam direcionadas para a plataforma Consumidor.gov antes mesmo de serem levadas a juízo. É que o objetivo, como dito, seria a promoção do diálogo entre as partes, visando à auto composição, para só então, quando sem êxito, “judicializar-se-ia” a demanda. Mas, se o conflito for resolvido pelo Consumidor.gov, a questão se encerra. E no caso de o conflito não ser resolvido em um prazo fixo, o procedimento no Consumidor.gov é encerrado e o processo judicial correria normalmente.

Segundo a pesquisa, entre as vantagens da adoção deste modelo, estariam: solução rápida do problema; conflitos resolvidos extrajudicialmente, diminuindo o congestionamento de feitos no Poder Judiciário; redução da entrada de litigantes e advogados oportunistas, uma vez que o Consumidor.gov terá registro das discussões travadas entre reclamante e empresa.

A plataforma é uma iniciativa alinhada à resolução online de disputas e seu avanço deve-se em grande parte à Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor e a alguns membros do Poder Judiciário. A proposta apresentada pela pesquisa de Jurimetria, diga-se de passagem, tamanha é a vantagem que se percebe em sua utilização, vem sendo oficialmente acatada por alguns juízes, que têm determinado a suspensão de ações judiciais envolvendo relações de consumo, para que o demandante busque solucionar previamente sua pretensão pela plataforma Consumidor.gov. Nesses casos, não havendo comprovação nos autos do registro da reclamação na plataforma, a demanda é extinta por falta de interesse de agir na modalidade necessidade, havendo casos, também, em que a petição inicial é indeferida.

Em nível mundial, a maior e, provavelmente, mais bem sucedida plataforma online de resolução de conflitos é a criada e gerida pelo eBay. eBay, fundada nos Estados Unidos, é uma das maiores empresas de comércio eletrônico e, em 2005, possuía mais de 181 milhões de membros registrados em todo do mundo e, naquele ano gerou mais de 21 bilhões de dólares em mercadorias transacionadas.

O sistema de resolução de conflitos do eBay conecta os seus compradores e vendedores e tem solucionado mais de 60 milhões de disputas por ano, com uma taxa de satisfação superior a 90%. Com esses números, os especialistas são categóricos em afirmar que se o sistema de resolução de disputas do eBay fosse uma Corte, seria o maior Juízo de solução de Pequenas Causas do mundo e a maior Corte dos Estados Unidos. O eBay resolve, hoje, mais processos que toda a Justiça Federal Americana.

O método de solução em que se baseia o programa eBay é chamado Staircase Approach ou “método da escada”. Isso, porque o programa elegeu algumas prioridades que devem ser atendidas e somente quando frustrado o atendimento de uma prioridade, avança-se para a tentativa de sucesso da resolução, com base na segunda prioridade eleita[15].

Em apertada síntese, tem-se o seguinte: a primeira preocupação é evitar que o conflito se instaure. Para isso, o programa possui um banco de dados com respostas para uma série de reclamações que são comumente apresentadas pelos usuários. A ideia é munir o cliente insatisfeito de informações, clareando dúvidas, numa fase anterior ao chamamento da outra parte, confiando que toda informação disponibilizada será suficiente para a solução do problema daquele usuário.

Quando isso não é possível, o algoritmo do eBay “sobe o próximo degrau da escada”, é a etapa da mediação online. Nessa fase, o software conecta as partes envolvidas na transação problemática, questionando-as, em linguagem natural, em que consiste o conflito? Nesse momento, as partes podem apresentar propostas para a composição. De acordo com as informações que as partes trazem, o próprio sistema identifica áreas possíveis de acordo e sugere soluções. Se as partes não aceitarem quaisquer das propostas sugeridas, o próprio eBay decide a questão.

Passa-se, então, para um novo degrau, transformando-se aquela mediação em arbitragem. Toda transação havida até o momento é levada em consideração pelo sistema para decidir.

O acesso à Justiça como objetivo dos métodos alternativos de resolução online

Há muito, o acesso à Justiça deixou de ser visto como o simples acesso ao Judiciário, mas o acesso a ordem jurídica justa, que exige a superação da cultura do litígio, da sentença e da excessiva dependência do paternalismo estatal. “Em resumo, podemos dizer que acesso à Justiça, na acepção contemporânea, representa o direito básico e inafastável que têm todos os cidadãos de contarem com uma ordem jurídica justa”[16].

A utilização de métodos alternativos vai além da simples proposição de uma opção ao método adjudicativo, regra da jurisdição estatal. Constitui meio para verdadeira pacificação social dos jurisdicionados. No atual estágio, o acesso formal ao Poder Judiciário é insuficiente e para ter potencial de ser justa, a solução do conflito deve trilhar os caminhos percorridos pela tecnologia e pela informação.

Essa também a lição de Luiz Fux e Bruno Bodart, que, todavia, advertem, que “em uma concepção tradicional, o acesso à Justiça é compreendido como uma garantia de expansão do sistema jurisdicional a todos que queiram litigar. Subjacente a essa visão está a ideia de que quanto mais pessoas litigando em Juízo, melhor, porquanto o Judiciário poderia distinguir entre as pretensões fundadas e as infundadas, tutelando o direito dos que precisam”. “A Análise Econômica do Direito rompe com essa lógica. Antes de perquirir sobre os obstáculos ao acesso à Justiça, propõe-se analisar quando a litigância civil é socialmente benéfica e quando impacta negativamente a comunidade”[17].

Os autores asseveram ainda que o professor da Harvard Law School, Steven Shavell, foi o primeiro a trazer essa discussão para a academia jurídica, destacando que há uma divergência fundamental entre o interesse público e o interesse privado na utilização do sistema de Justiça. (…) a administração da justiça gera diversos custos sociais: as partes contratam advogados (mão de obra que poderia ser utilizada em outras tarefas produtivas), perdem tempo e investem recursos na produção de provas; o Estado, por sua vez, utiliza o dinheiro do contribuinte para financiar o Judiciário, deslocando recursos que poderiam ser empregados em áreas estratégicas, como saúde, educação e segurança pública. É necessário justificar todo esse dispêndio com benefícios à sociedade que sejam superiores. Isso significa que sob uma perspectiva social, a litigância apenas é positiva quando os benefícios da mudança de comportamento pelos indivíduos forem maiores que os recursos consumidos na operação do sistema de Justiça”[18].

Como ensinava a saudosa jurista Ada Pelegrini Grinover (1998, p. 282), a crise da Justiça, representada especialmente por sua inacessibilidade, lentidão e custo, põe imediatamente em destaque o primeiro objetivo almejado pelo renascer da conciliação extrajudicial: a racionalização na distribuição da Justiça, com a subsequente desobstrução dos tribunais, pela atribuição da solução de certas controvérsias a instrumentos institucionalizados de conciliação, ainda que facultativos.

Nesse contexto, entre as inovações na forma de tratamento dos conflitos no Brasil, destaca-se a já antiga Lei nº 9.099/1995, a Lei nº 9.958/2000, que instituiu as comissões de conciliação prévia na Justiça do Trabalho, a Lei n. 9.307/1996 (Arbitragem), assim como outras políticas públicas realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça. Dentre essas políticas, deve ser destacada a Resolução 125/2010, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, que consagra mecanismos alternativos para a solução de conflitos (conciliação, mediação e arbitragem), em consonância com a legislação de regência dos institutos.

A propósito, foi por intermédio da Resolução 125/2010 que foram criados os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), política pública que busca cumprir o determinado na Constituição Federal, promovendo celeridade e eficiência à Justiça nacional.

Seguindo essa tendência, a Lei nº 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares e a auto composição no âmbito da administração pública e o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) são exemplos concretos do investimento em métodos consensuais de resolução de conflitos como forma de pacificar controvérsias.

A partir das normas do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), a conciliação e a mediação institucionalizaram-se como formas de solução de conflitos, cujo escopo é a promoção da celeridade, conferindo efetividade ao acesso à Justiça. É nessa linha, que o art. 334, em inovação, prevê a audiência de conciliação ou de mediação no início do processo comum. Tal medida já era algo corriqueiro no âmbito dos Juizados Especiais, a fim de evitar que o réu contrate advogado e conteste o pedido, antes mesmo de se buscar a solução amigável da causa. O propósito do novo diploma processual civil foi reduzir a distância entre a propositura da demanda e a realização de audiência, que poderia ocasionar em um acordo final, poupando-se tempo e confirmando o objetivo maior de processo: a solução da causa.

O paradigma atual foi anunciado na exposição de motivos: “Pretendeu-se converter o processo em instrumento no contexto social em que produzirá feito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de odo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz”.

Referido diploma, previu, ainda, (art. 3º, §2º) que o próprio “Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” e definiu a obrigatoriedade da criação da Cejuscs por cada Tribunal (art. 168).

Conclusão

A judicialização de controvérsias é a resposta mais comumente vista em regimes democráticos, em que a cultura de direitos individuais e de acionamento de órgãos judiciais por grupos de interesse convive com certa letargia ou delegação consentida dos Poderes Legislativo e Executivo.

Mecanismos de ODR eficientes podem ser cruciais para os órgãos judiciais, dando vazão a uma pluralidade de demandas similares cuja equação por formas tradicionais de resolução de disputas não seria possível – assim, a absorção de mecanismos de ODR por órgãos judiciais parece ser um modo de viabilizar mais acesso à Justiça.

“As consensualidades tornaram-se decisivas para as democracias contemporâneas, pois contribuem para aprimorar a governabilidade (eficiência); propiciam mais freios contra o abuso (legalidade); garantem a atenção a todos os interesses (justiça); proporcionam decisão mais sábia e prudente (legitimidade); desenvolvem a responsabilidade das pessoas (civismo); e tornam os comandos estatais mais aceitáveis e facilmente obedecidos (ordem)”[19].

A resolução online de conflitos (ODR) tem grande potencial para coadjuvar o cumprimento das expectativas geradas pela terceira onda de acesso à Justiça, cuja compreensão é a de que para cada tipo de conflito existe um meio adequado de solução.

A elaboração comprometida e difusão dos métodos de ODR servirão à eficiência do acesso à Justiça, com aumento da pacificação social, reduzindo a judicialização a patamares razoáveis, que viabilize prestação qualitativa da jurisdição.

A tecnologia está transformando o cenário das disputas. O “conflito é uma indústria em crescimento”[20]‘ e os atores desse drama são transações e relacionamentos derivados da interação físico/virtual. Esse cenário novo, trouxe a necessidade de novos processos de prevenção e resolução de disputas. A forma como pensamos e fazemos as coisas, hoje, exige uma abordagem de solução que expresse uma nova mentalidade de composição da disputa: o aprimoramento das formas já instituídas, somada a ferramentas e técnicas inovadoras, com diferentes suposições, princípios e valores também diversos.

Como visto, o sistema tradicional de resolução de demandas capitaneado pelo Poder Judiciário se vale de metodologia que se limita pelo espaço, pelo tempo, por abordagens conceituais, psicológicas e profissionais, que tornaram limitada a capacidade de resolver disputas, acomodar valores e gerar legitimidade institucional.

O sucesso das experiências existentes de ODR também se mede à medida em que fornecem eficiência e conveniência aos conflitos derivados da tecnologia disruptiva. E quanto mais as ferramentas digitais são utilizadas com sucesso para ajudar as partes em conflito, os modelos de resolução de disputas pré-digitais começam a parecer “subótimos”.

É chegada a hora de compreender que a mesma inovação que colaborou para o expressivo crescimento dos litígios pode ser a chave para o desafio do tratamento desses litígios.

NOTAS______________________

[1] Colin Rule foi diretor de ODR no eBay e no Paypal nos anos de 2003 a 2011. Atualmente, é co-presidente do Conselho Consultivo do Centro Nacional de Tecnologia e Resolução de Disputas da UMass-Amherst e membro não-residente do Centro Gould de Resolução de Conflitos da Faculdade de Direito de Stanford, EUA.

[2]The intriguing evolution of ODR”. Disponível: https://www.tylertech.com/resources/blog-articles/the-intriguing-evolution-of-odr.   Acesso: 1/5/2020.

[3] FUX, Luiz; BODART, Bruno. “Processo civil & Análise Econômica do Direito”. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

[4] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf. Acesso: 3/5/2020.

[5]Alternative dispute resolution processes within the framework of the world-wide Access-To-Justice Movement”. Modern Law Review. 1993.

[6] BORN, Gary. “Beach Books, for International Arbitration Lawyers”. Kluwer Arbitration Blog. Disponível: http://kluwerarbitrationblog.com/blog/2013/07/26/beach-books-for-international-arbitration-lawyers/. Acesso: 23/4/2020.

[7] “A Mediação e os ADRs (alternative dispute resolutions) – A experiência norteamericana”. Revista Novos Estudos Jurídicos – mai-ago 2014. Disponível: file:///C:/Users/timpo/Downloads/6012-16295-1-SM.pdf

[8] “ODR Redress System for Consumer Disputes Clarifications, UNCITRAL Works & EU Regulation on ODR”. International Journal of Online Dispute Resolution, 2014. http://www.international-odr.com/documenten/ijodr_2014_01_01.pdf.

[9] ARBIX, Daniel do Amaral. “Resolução Online de Controvérsias”. São Paulo: Intelecto, 2017, eBook Kindle.

8 BECKER, Daniel; LAMEIRÃO Pedro. “Online Dispute Resolution (ODR) e a ruptura no ecossistema da resolução de disputas”. https://www.ab2l.org.br/online-dispute-resolution-odr-e-ruptura-no-ecossistema-da-resolucao-de-disputas. Acesso: 30/4/2020.

[11]The intriguing evolution of ODR”. Disponível: https://www.tylertech.com/resources/blog-articles/the-intriguing-evolution-of-odr. Acesso: 1/5/2020.

10 NCDR. Mission. The National Center for Technology and Dispute Resolution. Disponível: http://odr.info/mission/.  Acesso: 1/5/2017.

[13] https://www.mediacaonline.com/solucoes. Acesso: 20/4/2020.

[14] https://www.ab2l.org.br/startup-juridica-lanca-plataforma-de-resolucao-de-conflitos-aos-tjs-do-brasil/ Acesso: 1/5/ 2020.

[15] BARTON, Benjamin H.BIBAS, Stephanos. “Rebooting Justice: more technology, fewer lawyers, and the future of law”. Encouter Books, New York-London, 2017. eBook Kindle.

16 DE OLIVEIRA, Igor Lima Goettenauer. “A mediação como estratégia de cidadania participativa e o papel da Escola Nacional de Mediação e Conciliação (Enam)”. Revista Diálogos sobre Justiça. Brasília, 2014.

[17] FUX, Luiz; BODART, Bruno. “Processo Civil & Análise Econômica do Direito”. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

[18] Idem.

 [19] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.Mutações do Direito Administrativo”. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

[20]Digital justice reshaping boundaries in an online dispute resolution environment”. Orna Rabinovich-Einy & Ethan Katsh.