Myrthes Campos, o legado da perseverança

15 de março de 2022

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A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sempre ocupou um espaço de vanguarda nos mais relevantes debates da sociedade. Inúmeros avanços, antes de se processarem de forma irrestrita, sucederam primeiro nas fileiras da entidade. A advocacia não apenas está acostumada a romper barreiras intransponíveis, como contribui para que outros setores vençam iguais desafios.

Um fato marcante – e que precisa ser reverenciado neste 8 de março – é a imemorial luta das advogadas para ocupar espaços de poder historicamente dominados pelo gênero masculino. A batalha teve início há cerca de 120 anos, quando Myrthes Campos, enfrentando a resistência de membros da própria família, bacharelou-se no Curso de Direito da Faculdade do Recife. 

O ano era 1898, porém, ela só foi admitida no então Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil em 1906, tornando-se a primeira advogada da nação. Outras mulheres, como Delmira Secundina, Maria Fragoso e Maria Coelho da Silva Sobrinha, embora tivessem concluído o curso na mesma instituição de ensino, não obtiveram o registro. Elas ajudaram a abrir as portas que Myrthes viria a atravessar – e, com ela, ao longo das últimas décadas, todas nós.

Ainda que tais mulheres tenham sido pioneiras na obtenção dos diplomas em Direito, o contexto do final do Século XIX – machista e patriarcal, para dizermos o mínimo – impediu que levassem a cabo as suas vocações. O papel social do sexo feminino restringia-se ao lar, inadmitindo-se qualquer ocupação não relacionada à esfera doméstica e familiar. Como consolo, podiam lecionar nas séries primárias ou executar atividades filantrópicas. 

Maria Fragoso, todavia, conseguiu burlar as entraves e se tornou autora de publicações relacionadas ao Direito, como “A Questão da Mulher”, de 1890. Esse exemplo certamente incentivou Myrthes a insistir no sonho de exercer a profissão – cuja primeira etapa se deu com a autenticação do diploma no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro. Com o reconhecimento, franqueado com o auxílio do ilustre advogado Vicente de Ouro Preto, Myrthes passou a buscar a inscrição também na Corte de Apelação do Distrito Federal, a qual obstou o processo por um longo período, em razão da oposição de José Rodrigues, desembargador que presidia o Tribunal. E o motivo, aceitável na época, agora nos gera grande surpresa e indignação: a advocacia não seria ofício para mulheres. 

Contra os conselhos e recomendações de parte do mundo jurídico, Myrthes Campos resistiu e manteve a demanda. O esforço valeu a pena porque, a partir dessa fase, estava apta à filiação no Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros. Jamais uma mulher havia galgado semelhante patamar desde o ano de fundação da organização, em 1843. 

Myrthes Campos brilha como estrela prenunciadora da conquista dos direitos femininos. No tempo em que lugar de mulher era atrás e abaixo dos homens, mostrou a todas que chegaremos aonde quisermos e que nada nem ninguém poderá travar a nossa jornada.

Padroeira inspiradora das advogadas mulheres – posto que atingiu após vencer uma escalada sem trégua de discriminações – Myrthes Campos escancara a força que, mesmo sem o saber, todas nós trazemos dentro do peito. Defensora no Tribunal do Júri, podemos chamá-la, apropriadamente, de defensora da advocacia feminina. 

Obrigada, Myrthes! O movimento que você começou segue vivo. Avançamos, alcançamos posições de destaque, contra o preconceito e o sexismo. Se, hoje, temos mais advogadas que advogados no País, é graças a você: a sua obra permanece em franco crescimento e o legado da sua perseverança contribuirá, eternamente, para a promoção da igualdade.