No caminho da sustentabilidade

14 de janeiro de 2015

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Conferência internacional realizada no Rio discutiu novas tendências mundiais dos sistemas de ônibus

Foi realizada no Rio de Janeiro, em novembro passado, a 8ª Conferência de Ônibus da União Internacional de Transportes Públicos (UITP). O evento contou com mais de 200 delegados de dezenas de nacionalidades, que trouxeram na bagagem muitas novidades tecnológicas e exemplos de boas práticas na gestão deste que é o principal modal de transporte público na maioria dos países, responsável por 80% de todos os deslocamentos de passageiros no planeta.

A Conferência da UITP ocorreu em paralelo ao 16º Etransport, maior congresso brasileiro sobre mobilidade urbana, realizado pela Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor). Fórum ideal para entender as novas tendências mundiais para o sistema de ônibus, a Conferência promoveu a discussão sobre modernização das redes mantidas pelos principais operadores de todos os continentes. Receberam destaque a expansão e a adaptação do sistema BRT em vários países a partir do modelo estabelecido pioneiramente no Brasil, e o desenvolvimento dos modelos de ônibus 100% elétricos, que vêm sendo testados no Brasil, na China e em algumas capitais europeias.

Cerca de metade da humanidade vive hoje em cidades e até 2030 a proporção deve subir para 60%. Desta forma, o transporte urbano se tornou um fator crítico nas políticas sobre mudanças climáticas. Historicamente identificado como o meio de transporte mais poluente, o ônibus ainda busca seu rumo no caminho da sustentabilidade. Os modelos elétricos se apresentam como uma alternativa sustentável, mas ainda precisam se adaptar às realidades locais e, sobretudo, demonstrar viabilidade econômica para que possam ser adotados em larga escala nos grandes centros urbanos.

RoutemastersRoutemasters
Londres é uma das cidades que saiu na frente no processo de conversão da frota do diesel para as baterias. Desde 2012, a Transport for London (TfL), operadora dos transportes públicos na capital inglesa, adotou a tecnologia elétrica híbrida em parte da frota, totalizando 800 ônibus equipados com dois motores, um movido à combustão e outro à energia elétrica. Um avanço na implantação dos modelos elétricos veio com a aquisição, em 2014, de oito veículos 100% elétricos, de fabricação britânica, que circulam em caráter experimental. Os passageiros das linhas que contam com a novidade já perceberam a diferença, beneficiando-se com viagens menos barulhentas – os elétricos emitem em média 10 decibéis a menos de ruído em comparação com os convencionais – menor nível de vibração e emissão zero de carbono, o que contribui para melhorar a qualidade do ar da cidade.

De acordo com o diretor técnico da TfL e vice-chairman da divisão de ônibus da UITP, Mike Weston, que esteve no Rio para participar da Conferência, o uso experimental dos veículos elétricos está ajudando os londrinos a compreenderem melhor a nova tecnologia. “Londres sempre esteve na vanguarda da adoção e testagem de novas tecnologias verdes. Esses ônibus são muito bem-vindos à frota”, disse, referindo-se aos 8.700 ônibus que transportam diariamente 6,5 milhões de pessoas na capital.

Os testes vão determinar se a tecnologia elétrica poderá enfrentar os rigores da operação em um intenso ambiente urbano como o de Londres. Os fabricantes pretendem demonstrar que, embora os custos iniciais desses veículos sejam muito superiores aos dos carros movidos a diesel, as despesas mais baixas de uso e manutenção dos elétricos vão recompensar os operadores ao longo da vida útil de cada veículo. Os ônibus elétricos londrinos demoram cerca de cinco horas para carregar totalmente durante a noite, ou duas horas quando é utilizada a tecnologia de carregamento rápido. A autonomia é de aproximadamente 160 quilômetros, dependendo das condições de funcionamento.

Um ousado passo adiante na adoção da nova tecnologia será dado pela TfL agora em 2015, quando terão início os testes com motores 100% elétricos adaptados aos tradicionais coletivos vermelhos de dois andares, os routemasters, símbolos da cidade. As dimensões destes veículos representam um fator complicador. Pelo fato de serem muito altos, não será possível instalar baterias de grande porte na estrutura da carroceria. Segundo Mike Weston, a solução será criar pontos de recarga rápida espalhados pela cidade. Assim, os grandes ônibus poderão ter baterias menores. “Se fossemos colocar baterias dentro dos ônibus, não teríamos lugar para os passageiros. Por isso é um desafio criar um ônibus elétrico”, disse, revelando que uma das metas da administração londrina é ter 80% da frota formada por veículos totalmente eletrificados.

ZeEUSZeEUS
O sistema, que já está sendo testado na cidade de Milton Keynes, nos arredores de Londres, funciona com recarga sem fio. Placas elétricas foram instaladas no solo, possibilitando a transferência de 10KW a cada cinco minutos para o conjunto de baterias dos veículos. A experiência ocorre no âmbito do ZeEUS (Zero Emission Urban Bus System/ sistema de ônibus urbanos de emissão zero, na tradução livre), projeto de eletromobilidade coordenado pela UITP, que congrega fabricantes, usuários e operadores do transporte público.

O ZeEUS vai testar até 2017 diferentes soluções de infraestrutura de carregamento em seis países do Velho Continente – além de Londres e Glasgow, no Reino Unido, fazem parte da iniciativa as cidades de Barcelona na Espanha, Estocolmo na Suécia, Münster e Bonn na Alemanha, Plzen na República Checa e Cagliari na Itália. O objetivo é verificar as viabilidades ambiental e econômica da nova tecnologia para ajudar a União Europeia a criar um sistema de transportes competitivo e sustentável. O projeto tem um orçamento total de 22,5 milhões de euros, a maior parte financiada pela Direção Geral da Comissão Europeia.

BRT-eletricoBRT elétrico
Após ser aprovado com sucesso nos testes realizados em São Paulo, o primeiro ônibus 100% elétrico fabricado no Brasil, o E-bus da montadora Eletra, tem capacidade para até 150 passageiros e comporta o uso de ar-condicionado. Nos testes realizados entre março a agosto, além de economizar 82% nos gastos com combustível em comparação aos modelos convencionais, o sistema de frenagem regenerativa foi capaz de gerar 33% da carga utilizada pelo veículo. O motor elétrico vira um gerador quando o freio do veículo é acionado, e a energia que seria desperdiçada na frenagem é reaproveitada e acumulada nas baterias.

A Fetranspor já havia testado na linha convencional 249 (Água Santa-Carioca) um ônibus elétrico da fabricante multinacional chinesa BYD, que está implementando uma fábrica em Campinas com previsão de inauguração em meados de 2015. O modelo é o único do mundo que usa bateria de fosfato de ferro, considerada a mais limpa e segura, já que é reciclável e à prova de fogo, além de possuir uma vida útil de 30 anos segundo a montadora. A economia de combustível durante os testes também impressionou. Na comparação entre o consumo de diesel e de energia elétrica o ônibus elétrico mostrou uma redução de custos de cerca de 78%. No entanto, no teste com o modelo piso baixo alguns problemas foram identificados, como o espaço interno reduzido, já que a bateria ocupa 30% do interior do veículo, e o modelo de recarga, realizada apenas à noite na garagem.

O modelo brasileiro se difere do chinês justamente quando comparados os sistemas de recarga. Enquanto o ônibus da BYD necessita de recarga noturna, de quatro a cinco horas, o E-bus brasileiro oferece a vantagem de curtas recargas de cinco a dez minutos nos terminais, além da recarga noturna, o que demanda um kit de bateria menos pesado e mais barato. A autonomia de ambos é de aproximadamente 250 quilômetros, quando comparada a dos convencionais, que circulam até 270 quilômetros por dia.

Além do benefício ambiental, os coletivos ainda têm outras vantagens, como o baixo nível de ruído, câmbio automático e piso baixo para facilitar o embarque. Mas apesar de terem sido aprovados em relação ao desempenho e ao conforto, o preço dos veículos ainda é considerado impeditivo para substituir a frota movida a diesel. A idade média da frota do município do Rio de Janeiro é de três anos e meio, o que é considerada insuficiente para que os empresários sejam capazes de recuperar o investimento; a necessidade de manutenção especializada também preocupa. Os preços, no entanto, devem cair com o início da produção em larga escala e o desenvolvimento de novas baterias.

BRTBRT, tecnologia genuinamente brasileira
O BRT (Bus Rapid Transit), ou Transporte Rápido por Ônibus, é um sistema de transporte coletivo de passageiros que proporciona mobilidade urbana rápida, confortável, segura e eficiente por meio de infraestrutura segregada. Uma tecnologia atualmente presente na agenda dos planejadores urbanos e de transporte em todas as grandes cidades do mundo.

O sistema BRT foi criado em 1974 pelo arquiteto e então prefeito de Curitiba (PR), Jaime Lerner. A partir da observação das principais características do sistema de metrô de Paris, que utilizou diariamente durante os anos em que fez doutorado na Universidade de Sorbonne, o arquiteto percebeu que a principal vantagem do modal eram as linhas exclusivas construídas no subsolo. Para driblar o alto custo do metrô, Lerner decidiu criar linhas exclusivas na superfície para a passagem de ônibus com bloqueio de vias laterais, abertura de ruas de serviço, mudanças no trânsito e, nos casos em que não foi possível evitar os cruzamentos, priorização da via exclusiva sobre as demais. Com um patamar de velocidade semelhante ao do metrô, o BRT tem como vantagem adicional a possibilidade de ultrapassagem nas estações.

As mudanças transformaram a capital paranaense em uma cidade de sucesso urbano, renomada em todo mundo. Junto ao BRT vieram projetos sociais inovadores, zonas de pedestres e espaços verdes. Muitas outras cidades brasileiras seguiram o exemplo, como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e o Rio de Janeiro, que atualmente possui dois grandes eixos de BRT já em funcionamento e outros dois em construção, com entrega prevista a tempo de atender a cidade durante os Jogos Olímpicos de 2016. Quando todos os eixos estiverem prontos, juntos formarão uma rede de 157 quilômetros, capaz de transportar mais de 1,1 milhão de passageiros/dia com uma frota de 750 ônibus articulados, integrados aos trens, às barcas, ao metrô e ao sistema de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que será implantado na região central da cidade.