Edição

O exemplo do Corneteiro Lopes

16 de setembro de 2015

Compartilhe:

francisco_vianaE o sentimento de derrota se foi. A ordem era para que o corneteiro Lopes tocasse a “retirada”. Ele, não se sabe porquê, inverteu a ordem e tocou “avançar cavalaria, degolar”. Atônitos, os soldados portugueses, que tinham a batalha de Pirajá como ganha, debandaram e, graças a essa vitória do espírito motivador, os baianos todos os anos, no dia 2 de julho, comemoram a sua independência em relação a Portugal, o que aconteceu no distante ano de 1823. Perguntas: por que não voltarmos ao espírito motivador do corneteiro Lopes neste momento da crise brasileira? E, em lugar de recuarmos, nos sentirmos sitiados pelas adversidades, não pensarmos em avançar e construir um novo país, democrático e igualitário? 

Lopes, merecedor de rara homenagem no filme de Lázaro Faria, em 2003, que leva o seu nome, é um personagem esquecido, mas a chama que acendeu é, digamos assim, prometeica. Não fosse ele, a guerra contra Portugal seria bem mais longa e incruenta. O que parece evidente é que o renascimento muitas vezes depende da vontade e, mais precisamente, de uma força interior que só existe no coração das pessoas. Há pouco, no dia 7 de agosto, o jornal O Globo publicou um editorial que joga água fria naqueles que perseguiam o impeachment da presidente Dilma Rousseff e preconizava que a ela sucederá aquele que vier a vencer as próximas eleições. A TV Globo seguiu pelo mesmo caminho e a presidente passou a merecer espaços maiores e um tratamento mais elevado. Na prática, jornal e TV Globo alinharam-se com a necessária governabilidade.

Nada mais coerente, nada mais real. O País precisa de estabilidade, não de instabilidade. O desafio é acreditar que a governabilidade depende do esforço de cada brasileiro no particular e de todos no conjunto. Sim, o brasileiro é um cético: não acredita nos partidos, não acredita nos políticos, não acredita em mudanças, não acredita, enfim, que nada possa beneficiá-lo, salvo o individualismo de construir, como os antigos colonizadores, a própria vida. Esse não é o caminho correto. Essa é a via que o conservadorismo sempre indicou, mas com o firme propósito de dividir para governar. Era o que os portugueses faziam para manter os antigos escravos separados pelas suas religiões e tribos. Acreditar e participar, ao contrário, é sinônimo de governabilidade.

Hoje, o que o governo precisa é recorrer à comunicação para lançar as bases de um governo instável e democrático. As bases da governabilidade estão esmaecidas? Sim. Estão frágeis? Também, sim. Podem ser recompostas? Evidemente. O fio do labirinto encontra-se na crença de que existem possibilidades de emergir mais forte da crise. Não uma crença vazia, uma fé vazia, um otimismo vincado pela tediosa repetição de discursos ideológicos ou ocos como um anel. Evidemente, os brasileiros sabem que a nossa presidente é valorosa: sabe resistir pressões, sabe enfrentar dificuldades, não se curva a delatores, nem a campanhas conservadoras. Tudo isso já se sabe. O que a sociedade precisa é saber os caminhos para sair da crise, saber como agir, saber que sua contribuição irá fazer parte de um todo, incluindo, de saída, as ações construtivas do governo.

Esse é o pilar comunicacional em que o Governo poderá se alicerçar. Nada melhor que tocar novas músicas, deixar o repertório do passado para trás – a exemplo do recente programa do PT – e reconhecer dificuldades, colocar em prática medidas inovadoras que beneficiem o cotidiano, expurgar a decrepitude de discursos passadistas. Sendo assim, torna-se imperativo desgrudar da palavra crise, que nos consome como uma sanguessuga, e fazer de cada dia uma vitória. Trazer para o dia a dia uma agenda construtiva, que faça do falar e do pensar um mesmo agir. Certamente, essa é a interpretação contemporânea do gesto mobilizador do corneteiro Lopes: avançar para que se possa transitar das trevas para a luminosidade. Certamente, é esse o espírito que anima a sociedade brasileira.