O que o Brasil espera do Supremo

31 de julho de 2022

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Primeira pesquisa de imagem sobre o STF revela as percepções e expectativas dos brasileiros em relação ao Tribunal de cúpula do Poder Judiciário 

Clique e leia o relatório da pesquisa Supremo Tribunal Federal e a democracia no Brasil

Quem melhor conhece o STF, mais nele confia. Esta é uma das principais constatações da pesquisa de imagem “O Supremo Tribunal Federal e a Democracia no Brasil”, encomendada por Justiça & Cidadania ao instituto Quaest, com sede em Belo Horizonte (MG). O combate à desinformação promovido pelo Supremo é também percebido de forma positiva. Dentre os entrevistados, 85% concordam com a decisão que determinou o bloqueio das contas de robôs e de quem criou informações falsas nas redes sociais.

“Dentre aqueles que conhecem as atribuições do Supremo, espera-se que ele seja muito firme em relação ao combate de qualquer tipo de manifestação contrária à democracia. Esse é um recorte muito positivo da pesquisa. As pessoas querem que o Supremo defenda a realização das eleições e que o processo seja o mais limpo possível no jogo democrático”, comenta o cientista político Felipe Nunes (leia a entrevista completa a seguir), Diretor do Quaest e coordenador do levantamento – o primeiro do gênero em 130 anos de existência do STF.

Realizada entre os dias 11 e 15 de junho, a pesquisa estabeleceu recortes de gênero, raça, faixa etária, grau de escolaridade, renda familiar e distribuição regional da população para ouvir, presencialmente, 1.700 pessoas em 125 cidades das cinco regiões do País.

Conhecimento versus confiança – O quadro geral é de desconhecimento. A grande maioria dos entrevistados (78%) já ouviu falar do Supremo, mas apenas 29% soube dizer o significado da sigla STF e somente 12% disseram estar bem informados sobre suas atividades. O que se refletiu também nas respostas espontâneas sobre quais seriam as principais atribuições do Tribunal: 72% não souberam responder qualquer função, 16% citaram o exame de constitucionalidade e 6% mencionaram o julgamento de políticos com foro privilegiado. Em geral, a grande maioria das pessoas (82%) também não acredita que as decisões da Corte afetem suas vidas.

O cruzamento das respostas sobre conhecimento e confiança na instituição revela, contudo, que estes vetores estão positivamente correlacionados, pois é justamente entre os mais escolarizados e entre os que melhor conhecem o STF que estão aqueles que mais reconhecem a importância do trabalho da Corte para o País.

Dentre os entrevistados que têm até o Ensino Fundamental, 68% já ouviram falar no STF, percentual que cresce para 78% entre os que têm o Ensino Médio e chega a 98% entre os que têm ao menos o curso superior incompleto.

Decisões bem avaliadas – Entre os 16% que confiam muito no STF, o principal motivo detectado nas respostas espontâneas está na percepção de que o Tribunal faz um trabalho relevante (35%) e na crença na seriedade e neutralidade dos seus ministros (19%).

Na avaliação da percepção genérica da atuação do STF, a preservação da democracia (34%) e dos direitos humanos (39%) são os temas melhor avaliados, enquanto o combate à corrupção recebe a pior avaliação negativa (39%). Já em relação às decisões efetivas da Corte, a avaliação é majoritariamente positiva – entre aquelas conhecidas pelos entrevistados, todas são bem avaliadas. Dentre as decisões mencionadas de forma espontânea, a obrigatoriedade da vacinação das crianças foi a melhor avaliada, sendo considerada positiva por 74% do total de entrevistados e negativa por apenas 8% dos que a conhecem. Já a decisão que julgou constitucional a união estável de pessoas do mesmo sexo foi a que  teve a maior avaliação negativa, de 20%, contra 48% de entrevistados que a conhecem e a consideram positiva.

Expectativas e restrições – A maioria dos entrevistados disse querer que o STF seja etnicamente diverso (88% x 7%), paritário entre gêneros (84% x 11%) e que tome suas decisões de forma colegiada (81% x 14%). O número de pessoas que concordam diminuiu quando os entrevistados foram perguntados se os ministros devem permanecer politicamente neutros (73% x 19%) e se os magistrados devem dar entrevistas (67% x 26%).

Apenas 33% (contra 55%) acham que os ministros devem ser religiosos, prevalecendo esta opinião entre os menos escolarizados. Em relação ao foro privilegiado, as opiniões se dividem: metade concorda que o STF julgue ocupantes de cargos políticos e 41% discordam.

Combate à desinformação – A maioria absoluta dos entrevistados (77%) acredita receber notícias falsas com frequência, dentre os quais 37% dizem receber fake news várias vezes ao dia. Quando foram perguntados especificamente sobre notícias falsas em relação ao STF, o número caiu bastante, para 29% dos que afirmam já ter recebido informações do gênero.

O combate à informação é bem recebido, com altos níveis de concordância em todos os setores sociais, como em relação à decisão do STF que determinou o bloqueio de contas robôs que difundem informações falsas (85%) ou à aprovação do projeto de lei, em tramitação no Congresso Nacional, que regulamenta o enfrentamento das fake news (63%).

Leia a seguir a entrevista completa com o coordenador do levantamento, o cientista social Felipe Nunes.

 


“A opinião pública está ao lado do Supremo no combate às notícias falsas”

Revista Justiça & Cidadania – Ao menos nos círculos políticos e jurídicos, há a impressão de que, atualmente, a população está muito mais inteirada sobre a composição do Supremo Tribunal Federal do que, por exemplo, sobre a escalação da Seleção brasileira de futebol. Os números do levantamento, porém, revelam que mesmo a presença frequente do Tribunal no noticiário e os 20 anos de transmissão das suas sessões pela TV Justiça não fizeram com que o Supremo e suas atribuições se tornassem amplamente conhecidos pelos brasileiros. A pesquisa foi capaz de captar os motivos deste alto nível de desconhecimento?
Felipe Nunes – De fato, é isso mesmo, quando olhamos para a pesquisa vemos que 78% dos entrevistados já ouviram falar na sigla STF, mas só 29% sabem o que ela significa. O que aponta na direção de um alto grau de desconhecimento, inclusive das atribuições e do trabalho feito por essa importante instituição brasileira. É necessário constatar que, diferentemente do que ocorre no Twitter ou dos meios jurídicos, a população em geral não está muito atenta ao que acontece nos tribunais. Não é um processo que diga respeito apenas ao Supremo em si, mas a vários outros temas. Embora exista um alto grau de polarização e politização, um maior interesse das pessoas por política, isso não significa que a qualidade da informação tenha aumentado. O Supremo trata de temas muito específicos, tem o papel de cuidar das questões constitucionais, que não necessariamente são bem compreendidas pelo grande público. É o que a pesquisa mostra num primeiro momento.

Porém, vejo como um ponto positivo que apenas 30% saibam o que significa o Supremo, dentre os quais estão 12% que se dizem bem informados sobre as questões do Tribunal. Digo isso porque a Casa constitucional tem o papel de tratar de questões que, de fato, não têm alta visibilidade. Estranho seria se estivéssemos convivendo numa sociedade em que o Supremo é altamente conhecido e a população em geral tivesse um grau de informação altíssimo sobre suas atividades. O papel do Supremo é julgar questões técnicas, o que acaba lhe concedendo um lugar especial nesse ambiente.

Portanto, há sim uma constatação do baixo nível de informação sobre o trabalho do Supremo, mas a interpretação disso é positiva. O que a pesquisa faz é tirar a impressão de que o Supremo é tão conhecido e tão badalado, a ponto até de sofrer críticas por causa disso. Não é essa a realidade da sociedade brasileira.

Gostamos muito de comparar com as cortes de outros países. A Suprema Corte norte-americana, por exemplo, é também altamente desconhecida e as pessoas têm pouca informação sobre o que acontece nela. O que a pesquisa mostra é que esse papel está bem colocado na sociedade, é da própria natureza do Poder Judiciário que ele seja mais discreto. Estranho seria se essa instituição fosse tão conhecida quanto a Presidência da República, os governos dos estados ou o Parlamento.

RJC – Na comparação com outras instituições democráticas, o STF possui um grau de confiança institucional mediano. A partir do cruzamento de dados é correto afirmar que essa confiança cresce entre os entrevistados mais esclarecidos?
FN – Sim, esse é o dado mais inequívoco da pesquisa. Ao analisar as respostas sobre confiança, vemos que hoje 33% das pessoas não confiam na instituição. As instituições da segurança pública e as igrejas têm um nível de confiança superior ao do Supremo. Em compensação, as demais instituições democráticas – Presidência da República, Congresso Nacional e partidos políticos – estão com níveis de desconfiança maiores. De fato, o Supremo está no meio dessa tabela de confiança nas instituições que têm mais a ver com o cotidiano da vida privada das pessoas.

O que chama atenção é que quando cruzamos o grau de conhecimento com o grau de confiança eles apresentam alta correlação, percebe-se que a desconfiança é justamente fruto do desconhecimento do que acontece no Tribunal. O que significa que o esclarecimento maior sobre o papel institucional do Supremo pode ter relevância considerável na construção da imagem da instituição. As pessoas precisam entender melhor o papel do Supremo, mesmo que isso não signifique dar a ele o papel principal na democracia. A melhor democracia é aquela em que o Supremo não é protagonista, mas na qual as pessoas têm total conhecimento sobre o papel dele no processo democrático.

RJC – A pesquisa conseguiu medir o grau de apoio dos entrevistados aos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos?
FN – A pesquisa mostra que as pessoas conhecem as decisões do Supremo em torno dessas questões e as apoiam, querem que o STF tenha um papel claro sobre isso. Dentre aqueles que conhecem as atribuições do Supremo, espera-se que ele seja muito firme em relação ao combate de qualquer tipo de manifestação contrária à democracia. Esse é um recorte muito positivo da pesquisa. As pessoas querem que o Supremo defenda a realização das eleições e que o processo seja o mais limpo possível no jogo democrático. É uma atribuição importante da Casa que tem apelo na sociedade.

RJC – Com base não apenas nessa pesquisa, mas também em outros levantamentos feitos por seu instituto, é possível afirmar que os brasileiros em geral já aprenderam a reconhecer quando estão diante de informações falsas?
FN – Esse tema é super importante. A pesquisa mostra que 68% das pessoas já receberam alguma notícia que julgaram ser falsa. Estamos falando de um percentual muito alto de pessoas no País que foi afetada por esse tipo de manifestação. E 85% diz que o STF fez o que era correto ao determinar o bloqueio de contas de robôs em redes sociais operados por pessoas que estavam criando informações falsas. Também percebemos um alto grau de apoio ao projeto de lei das fake news, que é aprovado por 63% dos entrevistados, e vimos que 68% acham que a ação da Justiça para evitar notícias falsas é importante para fortalecer a democracia. Ou seja, a opinião pública está ao lado do STF nesse combate.

Em outras pesquisas, já captamos não só um alto grau de acesso a informações falsas, como também que começa a haver um maior discernimento da população em relação às fake news. Para que se tenha uma ideia – testamos isso nas eleições de 2018 e vamos testar de novo em 2022 – só 30% das pessoas acreditam em notícias falsas quando são expostas a elas. O interessante é que as pessoas que não conseguem distinguir estão entre as mais ideologizadas, ou seja, entre as pessoas que já têm uma posição política formada, de modo que a identificação ou não das fake news me parece muito mais uma questão de ideologia política, de querer confirmar aquilo em que você já acredita. É o famoso viés de confirmação, que já é estudado nas universidades e amplamente divulgado na imprensa.

RJC – Quais são as principais razões apontadas pelos entrevistados que confiam no STF? E o que dizem os que não confiam?
FN – A maior parte dos brasileiros que confia no STF acredita que o trabalho feito pelo Tribunal é importante para o País, que temos juízes sérios e neutros e que, portanto, os ministros dão conta daquela que é a sua função, em termos de imparcialidade e neutralidade de suas ações e posicionamentos. O que chama a atenção é que dentre as pessoas que não confiam, 27% não sabem dizer muito bem o porquê. Esse traço nos remete àquele primeiro ponto, do que se espera de uma sociedade em relação a sua Suprema Corte. Quando conseguimos identificar que as pessoas não têm tanta densidade informacional em relação ao que acontece, estamos conseguindo dosar, talvez no tamanho certo, o papel que a Casa deve ter perante a sociedade. Existe um espaço de construção de imagem positiva do Supremo que vai aumentar a sua confiança junto à população, com a divulgação de decisões que são relevantes para a população.