Onde há Defensoria, há Justiça e cidadania

17 de maio de 2022

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O ano de 2022 marca os 20 anos do estabelecimento do 19 de maio como o Dia Nacional da Defensoria Pública (Lei no 10448/2002). A data é uma alusão comemorativa à Instituição que foi criada no bojo da redemocratização do País, com a Constituição Federal de 1988. Conforme o texto constitucional, a Defensoria Pública é Instituição essencial à administração da justiça, com o objetivo principal de promover, em todos os graus, orientação jurídica e defesa da população mais carente, ou seja, daqueles indivíduos e grupos que não podem arcar com as despesas de uma representação privada. 

Ao longo destes 34 anos de existência, muito se tem desenvolvido e reconhecido sobre o papel constitucional e social da Defensoria Pública, de modo que hoje não resta dúvida de que ela é peça chave para promoção da Justiça e da cidadania na medida em que é responsável por dar, indistintamente, voz aos grupos vulneráveis que sofrem graves e constantes violações de direitos humanos. Nas palavras de Boaventura Santos (SANTOS, 2011, p. 37), trata-se da Instituição que possui maior vocação para contribuir eficazmente e desvelar a procura judicial suprimida, na medida em que se aplica no seu quotidiano a sociologia das ausências, reconhecendo e afirmando os direitos dos cidadãos intimidados e impotentes.

Mas como age a Defensoria Pública, quais seus mecanismos de atuação?

No âmbito do sistema de Justiça nacional, não resta dúvida de que a forma de atuação da Defensoria Pública é capaz de dinamizar e produzir um acesso eficaz à Justiça na medida em que a Instituição fizer uso de toda a sua potencialidade de ação, isto é, para além do campo de atividade processual regulada perante os tribunais, agir no papel de promoção de direitos, assumindo o papel de conhecedora da realidade concreta e de promotora da capacitação jurídica dos cidadãos.

Mas a atuação da Instituição vai muito além. No âmbito do sistema internacional de Justiça, a Defensoria Pública tem sido cada vez mais presente, transformadora e atuante, em um exato cumprimento a sua função institucional expressada na Lei Orgânica da Defensoria Pública (art. 4o, VI, Lei Complementar no 80/1994) de “representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos”.

Há muito, os documentos internacionais vêm chancelando a necessidade da garantia do profissional apto a produzir a defesa daqueles que não possuem condição de arcar o ônus processual. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 1966, tratou disso explicitamente no art. 14.3.d, quando previu a garantia de um defensor para realizar a sua defesa. No plano interamericano, o Pacto San Jose da Costa Rica, de 1969, trouxe disposição semelhante ao PIDCP em seu bojo, ao previr, no art. 8.2.b e 8.2.e, a garantia de um defensor para produzir sua defesa e que este defensor seria proporcionado pelo Estado.

Por meio das Opiniões Consultivas (OCs) exaradas pela Corte, também houve desenvolvimento do tema da assistência jurídica. É o que se pode observar na OC no 11, de 10 de agosto de 1990, sobre o esgotamento de recursos internos, em que a Corte entendeu ser dever do Estado prover um serviço de assistência legal.

Desde 2011, o modelo de Defensoria Pública, tal qual se conhece no Brasil, passou a ser propagado pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) por meio da Resolução no 2.656, que trata da “Garantia da acesso à Justiça: o papel dos Defensores Públicos Oficiais”, afirmando assim a “importância fundamental do serviço de assistência gratuita para a promoção e a proteção do direito ao acesso à Justiça de todas as pessoas, em especial daquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade” e “que o acesso à Justiça, como direito fundamental é, ao mesmo tempo, o meio que possibilita que se restabeleça o exercício dos direitos que tenham sido ignorados ou violados”. Através da referida resolução, a OEA se comprometeu a “incentivar os Estados membros que ainda não disponham de instituição da Defensoria Pública que considerem a possibilidade de criá-la em seus ordenamentos jurídicos” e a “recomendar aos Estados membros que já disponham do serviço de assistência jurídica gratuita que adotem medidas que garantam que os defensores públicos oficiais gozem de independência e autonomia funcional”.

Após esta primeira resolução específica, a OEA aprovou as Resoluções no 2714/2012 e no 2801/2013, ambas tratando da consolidação do acesso à Justiça às pessoas em condição de vulnerabilidade através da atividade da Defensoria Pública e enfatizando a importância da independência, autonomia funcional e técnica dos(as) defensores(as) públicos(as), cobrando dos Estados-membros a observância da Resolução no 2656/2011.

O desenvolvimento do papel da Defensoria Pública no âmbito internacional não parou por aí. Desde 2009, a Associação Interamericana de Defensores Públicos (AIDEF) celebrou Convênio com a Corte IDH para atuação dos Defensores(as) Públicos(as) Interamericanos(as) – DPIs – nas causas da Corte quando a pessoa não tiver advogado. O primeiro caso julgado pela Corte IDH com a atuação de DPIs foi o de Furlan y familiares vs. Argentina, em 31/8/2012. Atualmente, são mais de 30 casos no sistema interamericano que têm seguimento com a presença de defensor(a) público(a) interamericano(a). São defensores(as) da Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, República Dominicana e Uruguai, que se revezam garantindo a defesa de pessoas em situações de vulnerabilidades.

Além da atuação em processos interamericanos, é prática já incorporada por defensoras e defensores públicos no Brasil a atuação de maneira política no âmbito dos mecanismos de proteção de direitos internacionais (Comitês da ONU e CIDH), de modo a promover à proteção de direitos humanos.

O fato é que, em 34 anos, a Defensoria Pública foi a Instituição do sistema de Justiça que mais se desenvolveu e hoje esta presente em todas as unidades da Federação. Não há como pensar na efetiva realização da Justiça e na garantia de cidadania, seja em âmbito nacional, seja em âmbito internacional, das pessoas em situações de vulnerabilidades, sem a presença da Defensoria Pública forte e atuante. 

Muito ainda se pretende alcançar. Em um País com extremos índices de vulnerabilidade, onde cerca de 186 milhões de pessoas são potenciais usuárias dos serviços prestados pela Instituição, temos apenas 6500 defensoras e defensores públicos estaduais e do Distrito Federal. Número que não reflete a necessidade da população, nem condiz com a relevância da Instituição. É preciso perseguir o fortalecimento do Estado de bem-estar social, e isso se faz com a Defensoria Pública fortalecida. 

Por tudo isso, neste marco dos 20 anos de celebração do 19 de maio, a ANADEP lança a Campanha Nacional “Onde há Defensoria, há Justiça e cidadania”. O objetivo é disseminar, ainda mais, o relevante papel exercido pela Defensoria Pública e apontar caminhos para o seu amplo desenvolvimento. Durante a campanha, diversos aspectos do trabalho de defensoras e defensores públicos serão abordados. 

É preciso apontar os marcos de desenvolvimento e reafirmar que a verdadeira promoção da Justiça exige a presença do Estado Juiz, do Estado Acusador e do Estado Defensor em idêntico patamar de fortalecimento. A maior qualificação da Defensoria Pública, ocupando todos os espaços que lhe cabe, delineia-se como um dos caminhos mais eficazes para a garantia da justiça, da cidadania e a promoção dos direitos humanos.