Os meio alternativos de solução de controvérsias na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos

14 de junho de 2021

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Diz-se que o sistema de solução de conflitos, no Brasil, perdeu o caráter unidimensional. Até bem recentemente, o único caminho para a resolução de um litígio era o Judiciário. O cenário mudou significativamente nos últimos anos. A mudança, que se iniciara em 1996, com a aprovação da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), ganhou força em 2015, com a edição do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.015/2015), e, sobretudo, com a entrada em vigor da reforma da Lei de Arbitragem (Lei nº 13.129/2015) e da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015). Hoje, são várias portas de entrada e, também, diferentes portas de saída. É nesse sentido que se fala em “tribunal multiportas” ou “sistema multiportas”. Na feliz síntese de Antonio do Passo Cabral e Leonardo Carneiro da Cunha, é “como se houvesse, no átrio do fórum, várias portas; a depender do problema apresentado, as partes seriam encaminhadas para a porta da mediação; ou da conciliação; ou da arbitragem; ou da própria justiça estatal”.

É também nesse contexto que, no último dia 1º de abril de 2021 (parece que é mentira, mas não é), foi sancionada a Lei nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Nela, foi introduzido um capítulo inteiro voltado para regular o emprego dos meios alternativos de resolução de controvérsias com a Administração Pública (Capítulo XII, do Título III; art. 151 a art. 154 da Lei). Além de reforçar a viabilidade de emprego da arbitragem, da conciliação e da mediação nos conflitos envolvendo entes estatais, a nova Lei passou a contemplar, textualmente, a possibilidade de utilização do comitê de resolução de disputas (também chamado de dispute boards) nos contratos administrativos.

Com efeito, estabelece o caput do art. 151 da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos que “[n]as contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem”.

Não é em todas as ADRs que a resolução do litígio ocorre de forma consensual. Na arbitragem, por exemplo, a controvérsia é equacionada por um terceiro (o árbitro), imparcial e especialista na temática controvertida, o qual, nos limites da convenção arbitral, de forma semelhante ao juiz estatal, decide quem tem razão, aplicando o direito ao caso concreto.

Já os dispute boards, também conhecidos como comitês de resolução de disputas, são órgãos colegiados, geralmente formados por três experts, indicados pelas partes no momento da celebração do contrato (ou no início da sua execução), que têm por objetivo acompanhar o cumprimento dos termos do ajuste, em tempo real, com poderes para emitir recomendações e/ou decisões a respeito de eventuais dúvidas ou disputas. Utilizados de forma pioneira nos Estados Unidos na década de 1970, durante a construção do Eisenhower Tunnel, no Colorado, os dispute boards podem representar um importante instrumento para a prevenção de controvérsias e redução do custo de transação, especialmente nos contratos de grande vulto econômico e de maior complexidade técnica, como aqueles que têm por objeto obras e serviços de engenharia.

Uma diferença evidente entre a arbitragem e os disputes boards está no fato de que, no primeiro caso, a disputa será submetida ao árbitro, que não acompanha a execução do contrato, ao qual caberá dirimir, em definitivo, o litígio já instaurado, ao passo que, no segundo caso, a controvérsia será dirimida pelo colegiado de experts, escolhido antes mesmo da existência de qualquer controvérsia, para acompanhar a execução do contrato, com melhores condições, em tese, de prevenir e solucionar problemas, em virtude da redução da assimetria de informações e da celeridade da decisão. Um – a arbitragem – tem por objetivo pôr fim ao conflito já conflagrado; o outro – dispute boards – tem por objetivo prevenir o surgimento de eventual litígio.

Por fim, a mediação, a conciliação e a negociação são formas autocompositivas de resolução de conflitos. Nelas, as partes, com ou sem o auxílio de um terceiro, solucionam suas controvérsias consensualmente. Na negociação, as próprias partes, mediante diálogo e sem a intervenção de terceiro, buscam diretamente chegar a um termo quanto ao litígio. Enquanto isso, tanto na mediação quanto na conciliação, um terceiro (o mediador ou o conciliador), neutro e imparcial, auxilia as partes na composição do conflito. E mais: a mediação pode ser feita pela via eletrônica, inclusive por aplicativo especificamente confeccionado para tal fim, nos termos do art. 46 da Lei de Mediação.

A doutrina, de forma relativamente uniforme, costuma apontar as seguintes vantagens na adoção dos métodos não adversariais (ou consensuais) de solução de conflitos: (i) celeridade; (ii) significativa redução de custos com o litígio; (iii) minimização das incertezas quanto ao resultado; (iv) confidencialidade do procedimento (o que deve ser visto com reservas, considerando a presença da Fazenda Pública como parte); e (v) a preservação do relacionamento das partes envolvidas no conflito. Reconhece-se, também, que a adesão a métodos consensuais de resolução de litígios gera uma boa imagem pública para os interessados.

Como se vê, é tudo que tanto o particular quanto o Poder Público poderiam almejar: que os conflitos sejam resolvidos com rapidez, ao menor custo possível, com a preservação do relacionamento existente entre as partes e controlando-se minimamente o resultado da disputa.

Que venha uma nova cultura de resolução de litígios na Administração Pública!

Notas______________________

1 CABRAL, Antonio do Passo; CUNHA, Leonardo Carneiro da. “Negociação direta ou resolução colaborativa de disputas (collaborative law); Mediação sem mediador”. In: ZANETTI JR, Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. “Justiça Multiportas: Mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução de conflitos”. Salvador: Juspodivm, 2006, p. 710.

2 Da sigla em inglês “Alternative Dispute Resolution”.

3 Sobre o tema, vide: VAZ, Gilberto José. NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. “Os Dispute Boards e os contratos administrativos: são os DBs uma boa solução para disputas sujeitas a normas de ordem pública?” In: Revista de Arbitragem e Mediação, v. 10, nº 38, jul/set 2013, p. 131–147. Na forma do regulamento da International Chamber of Commerce (ICC), existem três espécies de dispute boards: a) Dispute Review Boards (DRBs): emitem recomendações sobre determinada controvérsia, sem caráter vinculante imediato; b) Dispute Adjudication Boards (DABs): decidem as controvérsias contratuais, com caráter vinculante; e c) Combined Dispute Boards (CDBs): emitem recomendações e, em determinados casos, decidem disputas contratuais. Disponível em: https://iccwbo.org/dispute-resolution-services/dispute-boards/rules/. Acesso em: 14/04/2021.

4 Veja-se, a respeito das diferenças entre negociação, mediação e conciliação: GARCEZ, José Maria Rossani. “ADRs: Métodos alternativos de solução de conflitos: análise estrutural dos tipos, fundamentos e exemplos na prática nacional/internacional”, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 13-22 e 29-72.

5 “Art. 46. A mediação poderá ser feita pela internet ou por outro meio de comunicação que permita a transação à distância, desde que as partes estejam de acordo”.

6 Por todos, vide: MERLO, Ana Karina França. “Mediação, conciliação e celeridade processual”. In: Âmbito jurídico, 1º de outubro de 2012. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/mediacao-conciliacao-e-celeridade-processual/. Acesso em: 26/03/2021.