Edição 279
Incentivo à resolução consensual de conflitos na Recuperação Judicial
7 de novembro de 2023
Da Redação
Para incentivar a cultura da consensualidade, foi realizado em Vitória (ES), em setembro, na sede do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, o II Congresso Internacional de Mediação e Arbitragem Med Arb RB. Realizado em parceria pelo MPES e pela Med Arb RB (Mediation and Arbitration for Recovery and Business) – câmara especializada em casos de insolvência e reestruturação empresarial – o evento reuniu magistrados, membros do Ministério Público, advogados, acadêmicos e lideranças políticas para discutir temas relacionados à resolução consensual de conflitos.
A cerimônia de abertura contou com a participação do Governador do Estado do Espírito Santo, Renato Casagrande, da Procuradora-Geral de Justiça do Espírito Santo, Luciana Gomes Ferreira de Andrade, do presidente da Med Arb RB, Elias Mubarak Junior, da presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 17a Região (TRT17), Desembargadora Daniele Santa Catarina, do presidente do Tribunal de Contas do Espírito Santo, Conselheiro Rodrigo Chamoun, e do Desembargador Federal do Tribunal Federal da 2a Região (TRF2) Macário Júdice, dentre outros.
Em sua participação, o Governador Casagrande comentou o caso do Cais das Artes, conjunto arquitetônico projetado para valorizar a cultura capixaba, na Enseada do Suá, em Vitória, cujas obras estavam paralisadas desde 2015, devido a uma disputa judicial entre a construtora e a Administração Pública. A retomada só foi possível graças a uma mediação homologada pelo Poder Judiciário.
“Vejam como é importante fazer esses entendimentos. Na hora em que o estado realiza esse encontro de mediação e de arbitragem, nossa expectativa é que isso ajude todas as pessoas, físicas e jurídicas, a serem mais bem atendidas, de forma mais rápida, nas decisões que precisam, e também que a Administração Pública busque e adote a cultura da mediação”, disse o governador.
Repactuação do Rio Doce – Em sua participação, a procuradora-geral Luciana Gomes Ferreira de Andrade comentou que o MPES tem investido e apoiado fortemente os métodos de autocomposição e de diálogo. O que nos últimos 12 meses contribuiu para a realização de mais de 3.300 acordos de não persecução penal e de centenas de acordos de não persecução cível, termos de ajustamento de conduta e de resolutividade e encerramento de procedimentos judiciais.
“Nosso Núcleo de Autocomposição foi criado em 2015. Começamos desde então a capacitar todo o corpo do Ministério Público, sejam os membros ou os servidores, de modo que todas e todos estejamos preparados para a realização da autocomposição”, disse a promotora de justiça. Ela exemplificou com o caso da Repactuação do Rio Doce, que envolve os estados do Espírito Santo e de Minas Gerais, impactados pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, em novembro de 2015 – que matou 19 pessoas, deixou 600 desabrigadas e despejou 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério, que poluíram 643 km de rios e córregos.
“É um esforço hercúleo das instituições do sistema de Justiça e do Poder Executivo dos estados para pacificar essa situação e realmente compensar as perdas e a dor dessas pessoas”, disse a procuradora-geral, referindo-se às rodadas de negociações da Repactuação. Com mediação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as rodadas buscam o consenso quanto a aspectos da recuperação ambiental e dos temas socioeconômicos, como os reassentamentos e os direitos das pessoas atingidas, com a participação das empresas envolvidas, do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Poder Executivo de ambos os estados, além da União e do Fórum de Prefeitos.
Homenagem ao companheirismo – O II Congresso Internacional de Mediação e Arbitragem Med Arb RB prestou reverências a Paulo de Tarso Sanseverino – eterno ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e membro do Conselho Editorial da Revista JC – que partiu prematuramente da vida em abril deste ano. As homenagens foram recebidas pela filha Luíza Sanseverino, advogada com atuação em arbitragem e contencioso empresarial, e pelo filho Gustavo Stenzel Sanseverino, advogado, árbitro e conselheiro da Med Arb RB.
“O ensaísta e poeta libanês Khalil Gibran contou o seguinte pensamento, que gostaria de deixar para vocês: ‘É errado pensar que o amor vem do companheirismo de longo tempo ou do cortejo perseverante. O amor é filho da afinidade espiritual e a menos que esta afinidade seja criada em um instante, ela não será criada em anos, ou mesmo em gerações’. Lembrei-me desta passagem porque quando da formação da Med Arb RB, em São Paulo, quando lançamos a ideia de criar uma câmara de mediação especializada em empresas em situação de insolvência ou pré-insolvência, o Ministro Sanseverino, um dos maiores entusiastas e apoiador desta ideia, aderiu de imediato e pediu para participar do lançamento”, contou durante a homenagem o presidente da Med Arb RB, Elias Mubarak.
Jurisprudência e outros debates – O Congresso contou com a palestra magna do Ministro do STJ Paulo Dias de Moura Ribeiro, que ao falar sobre o forte crescimento dos casos de recuperação judicial no último ano, enumerou os “princípios norteadores” sobre o assunto na jurisprudência do STJ: “a preservação da empresa, a separação dos conceitos de empresa e empresário, a recuperação das sociedades empresárias recuperáveis, a proteção dos trabalhadores – extremamente importante, salário e vida digna – e o princípio do rigor na punição dos crimes relacionados às impontualidades fraudulentas”.
Para exemplificar, o ministro comentou, dentre outros, o caso da recuperação judicial do Grupo Metodista de Educação, analisado pela Quarta Turma do Tribunal. “No STJ, o art. 47 é um ponto de honra, mas temos algumas coisas diferentes, como a possibilidade de associações virem a postular recuperações judiciais. (…) O voto do Ministro Raul Araújo Filho, junto com o Ministro Luis Felipe Salomão, nosso corregedor, pioneiramente permitiu a recuperação judicial. Eu também me debrucei sobre isso e tentei por todos os meios achar que isso era realmente possível, porque afinal de contas é uma associação, mas tem gente trabalhando lá, paga impostos, paga fundo de garantia. Por quê não? Fiz um voto do qual gosto muito, a respeito da possibilidade de se admitir essa recuperação judicial”, contou Moura Ribeiro – referindo-se ao julgamento do agravo interno no pedido de tutela provisória no 3.654/RS.
Nos demais painéis foram debatidos temas como: a importância do Brasil como sede internacional de arbitragem; a mediação e o processo de restruturação de empresas; os desafios da arbitragem empresarial e societária; a insolvência nacional e transnacional; os desafios das cautelares antecedentes e o procedimento de mediação; a relação entre a arbitragem e o Judiciário; os dispute boards e a recuperação de empresas; e a relação entre os métodos adequados de resolução de conflitos, o objetivo de desenvolvimento sustentável no 16 da ONU (Paz, Justiça e instituições eficazes) e o Ministério Público.