Os procedimentos pré-processuais nos Estados Unidos e sua contribuição para a celeridade processual

21 de fevereiro de 2022

Vivian Carla Josefovicz Juíza de Direito do TJSC

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O sistema judicial norte-americano contém uma forte estrutura de meios alternativos de resolução de conflitos. A partir do momento em que uma insurgência é formalizada, o processo passa por diversos estágios, como descoberta, mediação e negociação de confissão, e envolve diferentes pessoas e setores da organização judiciária, a exemplo de agências de serviço social e de pré-julgamento. Além disso, os advogados exercem um papel fundamental em todas essas fases, apesar da escolha pela autodefesa estar em um movimento crescente. 

A ação judicial não é o único meio de resolução de controvérsias e isso é um fato compreendido e praticado pela sociedade norte-americana. Espelho dessa realidade é o número insignificante de processos que vão a julgamento. Dos 305.713 casos civis encerrados em tribunais distritais no ano de 2011, por exemplo, apenas 1,1% foi levado a julgamento.

Frank Sander, em uma conferência realizada no ano de 1976 para discutir o sistema norte-americano de distribuição de justiça, defendeu que os tribunais tivessem “várias portas”, de modo que algumas conduzissem ao processo e, outras, a vias alternativas.

E, enquanto no Brasil, os meios alternativos de solução de controvérsias estão mais adstritos à conciliação, mediação e arbitragem, os Estados Unidos contam com um leque muito mais amplo da denominada alternative dispute resolution, ou, simplesmente, ADR. 

A ADR ganhou repercussão e aderência com a promulgação do Alternative Dispute Resolution Act (ADRA), no ano de 1998, que exigiu sua implantação a todas as agências federais, em especial os tribunais distritais federais e os tribunais de apelação. Paralelamente, muitos estados também adotaram o sistema, que pode ser voluntário ou então de utilização obrigatória, imposta pelo tribunal, nas jurisdições locais. 

Muito antes disso, em 1925, foi promulgada a Federal Arbitration Act (FAA), que tratou da arbitragem nas relações comerciais. Embora se assemelhe à arbitragem regulada no Brasil, o Direito norte-americano dispensa a fundamentação das decisões. Além disso, ela pode ser determinada pelo tribunal, porém, neste caso, a decisão normalmente não será vinculante.

A escolha do árbitro pode decorrer de vontade das partes ou então partir de uma definição do tribunal. Ainda quanto à sentença, ela poderá ser rejeitada pelas partes sob o requerimento de um novo trial. Porém, se o novo julgamento, a ser proferido por um juri trial, não lhe for favorável, o insurgente normalmente é penalizado.

A mediação também apresenta diferenças, como a possibilidade do mediador sugerir alternativas às partes, prevendo o que aconteceria em caso de um julgamento convencional, podendo indicar o valor de uma possível condenação.

Leonard Riskin e James Westbrook, classificam os diferentes mecanismos de solução de controvérsias como inseridos em sistemas de adjudicação, caracterizados como técnicas consensuais ou oriundos de um sistema misto.

Os processos de adjudicação são aqueles submetidos à decisão de um terceiro, mediante procedimento administrativo ou judicial, arbitragem ou ainda os tribunais privados, quando admitidos pelo regimento interno do tribunal. A decisão de um juiz privado, que é uma pessoa neutra, é equiparada a uma decisão judicial, sujeita a recurso inclusive.

Já entre os meios consensuais, além da negociação, conciliação e mediação, existe a figura do ombudsman, que tem por função receber queixas e prevenir disputas promovendo a resolução interna corporis.

Nos Estados Unidos observa-se uma grande variedade de métodos de trabalho de solução de conflitos (mini-trial, avaliação neutra de terceiro, summary jury trial, private-judging, etc.), buscando-se sempre o mais apropriado para a solução do conflito, sendo admissível ainda a combinação de tais métodos. Trata-se do chamado sistema de multi-door courthouse, com o qual se visa ao fornecimento da melhor forma possível de solução de determinado conflito.

O mini-trial é uma espécie de consultoria em que as partes, antes de tentar a composição ou ajuizar uma ação, submetem a questão a um especialista, normalmente um advogado, que avaliará as teses como se juiz fosse, prevendo o possível desfecho judicial. As partes, então, de posse da opinião externada, voltam à etapa de negociação, que pode ou não se dar mediante a participação do consultor eleito. O mini-trial pode ocorrer também de forma obrigatória, imposta pelo tribunal, e normalmente é utilizado em casos complexos, nos quais a economia de tempo e dinheiro podem representar um grande diferencial. Esses benefícios decorrem da simplicidade do procedimento se comparado ao julgamento tradicional, notadamente pela dispensa de formalidades e possibilidade de ajustes pelas partes.

O summary jurt trial (SJT) tem o mesmo propósito, todavia, ao invés do caso ser apresentado a um consultor, o é a um júri fictício, composto com as mesmas características dos jurados reais. Também aqui, a solução indicada, não vinculante, serve de direcionamento aos litigantes em uma possível composição. Os principais elementos do SJT são o júri consultivo, uma audiência de duas horas de duração e o veredito não vinculativo. Esse processo permite aos interessados conhecer a reação de um grupo de jurados às suas teses, além de satisfazer eventual necessidade emocional de coloca-las em exposição perante um tribunal.

A avaliação neutra de terceiro também se assemelha ao minitrial, na medida em que as partes são submetidas a um estágio inicial da disputa em que confrontam suas teses perante um profissional da área, que identificará os pontos controvertidos e analisará todas as teses arguidas, predizendo eventual sentença.

Os private trials, de seu turno, consistem no julgamento por um tribunal privado, estabelecido por empresas que normalmente têm em seu casting juízes federais e estaduais aposentados. Esse sistema permite a escolha dos juízes pelas partes de acordo com a especialização apropriada ao caso, além de garantir privacidade ao procedimento e julgamento. Nos private trials, às partes também é conferido o poder de decidir sobre a recorribilidade da decisão, fase que pode tramitar também em sistemas judiciais privados.

Existem ainda outros métodos como o med-arb ou arb-med, em que mediação e arbitragem, conduzidas por um dirigente neutro, intercalam-se na tentativa de solucionar o conflito. Por sua vez, o fact finding envolve a participação de um terceiro para identificar os fatos relevantes de uma causa, contribuindo assim, tanto para a autocomposição quanto para a heterocomposição. O baseball arbitration pressupõe o encaminhamento de dois desfechos a um árbitro, que optará por um deles.

O New York State Unified Court System apresenta outros métodos de ADR como o collaborative law, destinado a casos de divórcio mediante a absorção de três princípios: não litigar perante um tribunal, atuação honesta e de boa fé sem o processo formal de discovery e o compromisso de priorizar o interesse das partes e de seus filhos.

Traz também o parenting coordination, programa destinado a auxiliar os pais em seu plano de parentalidade, mediante o auxílio de um profissional especializado em saúde mental ou da área jurídica denominado parenting coordinator, que pode tomar decisões desde que autorizados pelas partes e pelo tribunal.

O special master, também oferecido pelo New York State Unified Court System, envolve a nomeação de um terceiro a quem o tribunal delega certos misteres, como a supervisão do discovery e de questões que possam sobrevir ao julgamento.

Embora já no âmbito do processo judicial, ao juiz também é conferida a etapa das settlement conferences, mormente quando as partes não se movimentam inicialmente para um acordo. Nessa fase, o juiz faz uma análise preliminar do caso, podendo apontar os riscos de cada parte e os custos da judicialização. Pode, nesse proceder, indicar precedentes e sugerir opções de ADR, além de promover reuniões com as partes no intuito de obter a mediação, até mesmo sem a presença dos advogados.

Com o avanço da tecnologia ocorrido nos últimos anos, também despontou como meio alternativo a online dispute resolution, denominada ODR, promovida por organizações e empresas privadas, atraindo especialmente os varejistas em disputas que não podem ser resolvidas por seus representantes locais, dada a flexibilidade, velocidade e baixo custo da ferramenta.

É possível verificar, portanto, que o Direito norte-americano trabalha com inúmeros mecanismos de resolução de conflitos prévios ao ajuizamento de uma demanda sem que isso implique prejuízo ao direito de ação, o que representa um forte avanço em termos de celeridade processual e confere maior efetividade ao sistema judicial.

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