Por um 2019 com foco nas mulheres

27 de fevereiro de 2019

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O Dia Internacional da Mulher mais uma vez se avizinha e nos convida a refletir sobre a origem de tão relevante data. Para além de uma celebração à figura da mulher, é necessário empreender esforços para que tenhamos assegurada uma vida livre de violência e preconceito, em respeito à dignidade e à autonomia de todas as mulheres.

O dia 8 de março foi a data escolhida, em 1975, pela Organização das Nações Unidas, para representar a relevância de um histórico de lutas travadas pelos movimentos de mulheres em busca do reconhecimento de seus direitos. Muito antes deste ano, é preciso lembrar, que inúmeras mulheres buscavam por melhores condições de trabalho (eram submetidas a jornadas de trabalho superiores a 12 horas diárias, com salários inferiores aos dos homens, sem garantia de dias de descanso).

A denúncia das diferenças de condições de trabalho entre homens e mulheres e a luta pelo direito ao voto feminino deu início ao questionamento das desigualdades impostas às mulheres nas mais diversas esferas da convivência social e política. Mulheres recebiam menor remuneração sob o argumento de que a elas não seria imposto o dever de prover o sustento do lar – papel designado ao homem (pai ou marido) e, portanto, a renda destinada a elas poderia ser meramente suplementar. Exemplo deste modo de pensar é o Código Civil Brasileiro de 1916, que previa, em seu art. 233 que “o marido é o chefe da sociedade conjugal”, cabendo a ele, dentre outros, o dever de prover a manutenção da família e o direito de autorizar a profissão da mulher (direito este alterado por meio da Lei no 4.121/1962, conhecida como o Estatuto da Mulher Casada).

Ademais, as mulheres não eram (até hoje, por alguns, não são) vistas como ocupantes “naturais” do espaço político, pois transitar nele dependeria de atributos tipicamente masculinos – racionalidade, pragmatismo, vigor. As mulheres, tidas como naturalmente emotivas, imaginativas, delicadas, estariam mais bem adaptadas ao exercício de tarefas domésticas, voltadas ao exercício do afeto nas relações familiares e na organização do lar familiar.

Ao questionar esta impossibilidade na participação da mulher na vida política, o movimento de mulheres provocou uma necessária reflexão sobre a sua aptidão para ocupar os mais diversos espaços políticos e sociais, o que, no Brasil, culminou com o reconhecimento do direito ao voto feminino em 1932 (embora não obrigatório) – o que, de fato, só veio a ser exercido em 1945.

Os exemplos ora citados atestam que a legislação era pensada a partir de um modelo familiar – classe média, branco e heterossexual. Enquanto mulheres brancas lutavam pela possibilidade de trabalhar sem necessidade de prévia autorização marital, as mulheres negras trabalhavam ao arrepio desta previsão legal e de outras mais, exercendo, em grande parte, trabalhos informais e/ou com menores garantias de direitos. Enquanto mulheres brancas lutavam pelo voto, mulheres negras aspiravam pelo reconhecimento de seus direitos como pessoa humana.

O acolhimento da ideia de divisão estanque entre os atributos do masculino e do feminino promove o discurso de naturalização de diferenças biopsicossociais que conduzem à inserção da mulher em local de subalternidade nas relações sociais, fato que se reflete, inclusive, na legislação de uma nação. Os dois marcos temporais ora mencionados são pequenos exemplos que demonstram essa conclusão e, mais, indicam o quão recentes, em termos históricos, são as conquistas dos direitos das mulheres no Brasil.

As diversas formas de violência praticadas contra as mulheres têm raiz e fundamento na compreensão segundo a qual à mulher é destinado um local de subserviência. O domos serve ao polis. A casa serve à rua e a esta deve ser curvar. Compreender como naturais (e não como convenções sociais) as diferenças comportamentais atribuídas aos homens às mulheres pode também naturalizar a violência (simbólica e real) sofrida por estas últimas, noção que se reafirma quando nos deparamos com dados nacionais sobre o tema. Em 2015, a cada 11 minutos, um estupro era registrado no Brasil. Ao longo dos dez primeiros anos após a promulgação da Lei Maria da Penha, o registro de feminicídio entre mulheres negras aumentou em 54%. De acordo com registros do Instituto Maria da Penha, a cada dois segundos uma mulher é vítima de agressão no Brasil.

Diante dos alarmantes dados acerca da violação dos direitos das mulheres no Brasil, a Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos do Brasil (Anadep) escolheu os direitos da mulher como tema da Campanha Nacional de 2019, com o objetivo de ampliar a visibilidade das questões vivenciadas pelas mulheres, sejam elas usuárias do serviço da Defensoria Pública, sejam elas constituintes do corpo desta instituição. Ao longo do ano, serão divulgadas informações sobre os direitos das mulheres vítimas de violência doméstica, das mulheres LGBTQ+, mulheres trabalhadoras (do campo e da cidade), imigrantes, indígenas, dentre outras. Acreditamos que o aumento da visibilidade do contexto feminino no País poderá contribuir para maior qualidade da formulação de políticas públicas voltadas à redução das disparidades e violências vivenciadas pela mulher no Brasil.

Nota____________________________

1 Não é demais lembrar que a noção de que o corpo da mulher deve estar à disposição do homem foi também reforçada pelo próprio sistema de justiça pátrio. Sob a vigência do Código Civil de 1916, compreendia-se o dever de “vida em comum” entre os cônjuges como dever de coabitação, de cunho claramente sexual. Era inadmissível a figura do estupro entre marido e mulher, por exemplo, visto que a imposição legal de “coabitação” gerava aos cônjuges o direito ao que se cunhou como “débito conjugal”. Muito embora esta figura jurídica tenha sido abandonada pela doutrina e jurisprudência nacionais, inegável a influência social que sustentava esta compreensão, cujas heranças históricas produzem reflexos até os dias atuais.

 

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