“Prioridade máxima será o aprimoramento do Judiciário”

6 de setembro de 2023

Compartilhe:

O presidente eleito do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Luís Roberto Barroso, participou de dois eventos promovidos pela Revista Justiça & Cidadania, em São Paulo (SP), em 8 de agosto. No primeiro, pela manhã, reuniu-
se na sede da Associação Paulista da Magistratura (Apamagis) com a cúpula do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para tratar de questões de interesse da magistratura e apresentar a palestra “O futuro
do Judiciário”.

Em sua exposição, o Ministro Barroso enalteceu a independência e a autonomia do Poder Judiciário nacional; relativizou a crítica sobre o suposto excesso de juízes (18 mil) ao calcular que há um juiz no Brasil para cada grupo de 12 mil habitantes, enquanto que na Europa, em média, a proporção é de um juiz para cada seis mil habitantes; e afirmou que uma das principais metas de sua gestão será a desjudicialização, dispondo-se a ouvir propostas para atingir esse objetivo.

Dentre os pontos de atenção, o ministro ressaltou o fenômeno que classificou como a “crise de vocação e evasão” da magistratura: “Em alguns estados há baixa procura pelos concursos e, outro ponto mais preocupante, há juízes procurando outras carreiras jurídicas”. 

A palestra foi seguida de debate com a participação
do presidente do TJSP, Desembargador Ricardo Mair Anafe; do seu vice-presidente, Desembargador Guilherme Strenger; do corregedor-geral de Justiça de São Paulo, Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia; da presidente da Apamagis, Juíza Vanessa Mateus; e do presidente do Instituto Justiça e Cidadania, Tiago Santos Salles.

“O ministro não veio aqui só falar, mas também ouvir nossas ideias para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário. Fico muito feliz por podermos receber o próximo presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, ressaltou a Juíza Vanessa Mateus, que classificou como “muito produtiva” a reunião de trabalho dos magistrados paulistas com o ministro. “Prestamos um serviço jurisdicional com foco na eficiência. Ser ouvido possibilita correções, como também críticas. A busca de todos nós é a mesma: a melhor prestação jurisdicional do Poder Judiciário”, acrescentou o Desembargador Ricardo Mair Anafe.

Conversa com o Judiciário – À noite o Ministro Luís Roberto Barroso participou do programa Conversa com o Judiciário. Diante de uma plateia composta por magistrados, diretores de órgãos públicos, advogados e acadêmicos, o magistrado falou um pouco mais sobre os planos de sua gestão à frente do STF e do CNJ.

“A prioridade máxima será o aprimoramento do Judiciário. No CNJ teremos três eixos: melhorar a prestação jurisdicional; melhorar a imagem do Poder Judiciário, que é mal compreendido; e melhorar o relacionamento com a sociedade civil, porque as pessoas temem ou não gostam daquilo que não entendem. Não temos nada a esconder e esse relacionamento é muito importante”, comentou o Ministro Barroso.

O magistrado defendeu a completa digitalização dos processos e o uso da inteligência artificial para dar mais celeridade à prestação judicial; apontou a execução fiscal como o principal “gargalo” da Justiça; e comentou que o futuro do Judiciário “curiosamente” vai estar na desjudicialização.

Membro do Conselho Editorial da Revista JC, o Ministro Barroso também saudou a iniciativa do veículo em promover diálogos entre magistrados e com a sociedade. “Ainda há muitas críticas quanto a essa possibilidade de membros do Poder Judiciário debaterem com a sociedade civil. Isso é muito importante para o Judiciário, desde que haja a autocontenção de não apresentar posições, evidentemente, sobre os julgamentos que vão acontecer nem posições político-partidárias. Mas o diálogo… Quando comecei minha carreira, o Judiciário era visto com grande desconfiança, como uma caixa-preta, como um mundo inacessível. Conseguimos avançar um pouco na interlocução com a sociedade”, comentou.

Trabalho, tributação e desenvolvimento – Para o Ministro Barroso, no âmbito jurídico, as duas áreas que mais concorrem para a elevação do “Custo Brasil” são o Direito do Trabalho e o Direito Tributário. Em relação à litigiosidade trabalhista, que soma mais de cinco milhões de ações em curso no País, afirmou que é preciso equacionar as relações entre trabalhadores e empregadores para reduzir a insegurança jurídica.

Já em relação ao Sistema Tributário Nacional, considerado um dos mais complexos do mundo, louvou o “esforço de simplificação” feito pelo Governo e pelo Congresso na primeira etapa da reforma tributária. O ministro ressaltou, porém, que além de simplificar é preciso tornar mais justo o sistema que hoje é “concentrador de renda e regressivo”.

Por fim, Barroso elencou pontos que devem fazer parte das “lentes” com que os juízes veem o Direito, para que possam contribuir com o desenvolvimento do País: “Combate à pobreza, crescimento econômico, prioridade máxima e absoluta para a educação básica, superação do preconceito contra a iniciativa privada, investimento em ciência e tecnologia, saneamento básico, habitação popular e fazer do Brasil a grande liderança ambiental do mundo”.

Diversidade e inclusão – A 125ª edição do programa Conversa com o Judiciário, promovido pela Revista JC, debateu ainda o ESG Racial e a proteção judicial de grupos vulneráveis e do meio ambiente, com a participação dos especialistas Dione Assis e Wallace Corbo.

Fundadora da iniciativa Black Sisters in Law, que reúne mais de 1.400 advogadas negras no Brasil e no exterior, Dione Assis comentou que as mulheres compõem 52% dos quadros inscritos regularmente na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), segundo o último censo da entidade. Ela lamentou, porém, que a Ordem não tenha feito um recorte racial em seu levantamento, de modo que não é possível precisar quantas são as advogadas negras. “A ausência de informação já é uma informação importante, é sinal de que precisamos identificar, porque não conseguimos remediar o que não conhecemos”, provocou.

Segundo Dione Assis, a partir desta constatação, feita quando foi solicitada a indicar advogadas negras para participar de um seminário internacional, que surgiu a iniciativa do Black Sisters in Law – movimento que hoje conecta grandes escritórios de advocacia, empresas, entidades e outras iniciativas semelhantes para ajudar a impulsionar as carreiras jurídicas de mulheres negras.

“Aceitei o desafio e comecei a procurá-las para indicar. (…) Percebi que eu não era uma exceção no sistema, pois havia muitas mulheres que também tinham mestrado e doutorado. Muitas com pós-graduação no exterior, que estão produzindo academicamente, mas cujo material não conseguíamos localizar, porque elas não têm espaço para publicar, escrever livros ou participar dos grandes congressos”, comentou Assis. A advogada acrescentou: “Decidi fazer isso porque me deparei com mulheres que exerciam uma advocacia muito precarizada. Estou falando de mulheres negras que, para sobreviver da advocacia, fazem por exemplo audiências por R$ 20. Essa realidade machuca demais”.

Ela contou que uma das mais recentes parcerias do movimento foi firmada com a plataforma iFood, por meio da qual as Black Sisters in Law foram colocadas à disposição para advogar em favor de todos os entregadores do aplicativo que passarem por situações de discriminação no Brasil.

“Não é pensar pequeno esperar que um dia a realidade se altere. Muito do que um dia foi utopia acabou se tornando realidade. Tenho certeza de que a utopia de viver num País melhor, sem discriminação e com oportunidades reais para todos também vai se tornar. Pode não ser neste momento, enquanto estivermos aqui, mas é uma tendência que vai acontecer. Compartilho essa história e conto com vocês para que isso se torne realidade”, finalizou a advogada, que atua principalmente na área de recuperação de empresas e contencioso societário.

Proteção dos vulneráveis e do meio ambiente – Professor adjunto de Direito Constitucional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e na Fundação Getúlio Vargas, o professor Wallace Corbo fez uma apresentação sobre o ESG na perspectiva da proteção dos grupos vulneráveis e do meio ambiente. Explicou que para atingir objetivos como a promoção da igualdade, o combate à discriminação e a proteção do meio ambiente, o ESG vai além da tradicional “lógica estatizante”, segundo a qual a Constituição vai nos dirigir à utopia por meio do Estado. O que acontece, segundo ele, à medida em que as empresas também se beneficiam de atividades com impactos positivos em âmbito ambiental, social e de governança corporativa.

“Quando incluímos mulheres, pessoas negras e pessoas LGBT, incluímos novas visões e perspectivas que antes estavam apagadas. Se uma mulher negra de 23 anos conseguiu se formar numa faculdade de Direito, temos que aprender muito com ela, porque se está difícil para todo mundo, imagine só com os obstáculos que essa pessoa teve que passar. Certamente, uma empresa terá algo a ganhar com as suas estratégias, que até agora foram de sobrevivência, mas que podem passar a ser de geração de valor para determinada atividade”, pontuou.

Quanto ao papel desempenhado pelo STF para o avanço da agenda ESG, Corbo comentou que o Poder Judiciário pode ocupar a função que os autores Charles Sable e William Simon chamaram de destabilization rights: “Vivemos numa sociedade marcada por inércias que perpetuam certos problemas. Estamos estabilizados numa lógica excludente e que muitas vezes desconsidera o impacto das nossas atividades sobre o meio ambiente. O Poder Judiciário pode ter a função de desestabilizar essas rotinas, gerar os incentivos para que as empresas e a sociedade civil possam se movimentar a caminho das transformações necessárias”.

“Quando olhamos para o caso específico do Poder Judiciário no Brasil, vemos que tem atuado para empurrar a história quando ela decide ficar parada no lugar, como já disse o professor Ministro Luís Roberto Barroso em artigo acadêmico”, acrescentou Corbo, que é ex-aluno do magistrado.

Dentre os exemplos de iniciativas do Poder Judiciário para incentivar as pautas de ESG, o professor ressaltou decisões do STF como a que considerou constitucional as políticas de cotas raciais, a que reconheceu a união estável de pessoas do mesmo sexo e a que determinou a participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas de proteção do meio ambiente.