Reforma trabalhista: Protesto judicial interruptivo da prescrição?

8 de dezembro de 2022

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A reforma trabalhista de 2017 segue suscitando grandes debates nos ambientes doutrinário e jurisprudencial. Recentemente, no âmbito da 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no julgamento do RR 1001285-90.2019.5.02.0704, instalou-se interessante disputa intelectiva acerca do real significado da regra inscrita no § 3º do art. 11 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo a qual a prescrição “somente” será interrompida com o ajuizamento da ação trabalhista[1].

Formada a maioria no sentido de conferir sentido ampliativo à nova regra, afastando-se a visão restritiva e elisiva de outros meios interruptivos da prescrição, o julgamento foi suspenso para exame da conveniência e oportunidade de arguição de incidente de inconstitucionalidade, matéria que seguia pendente de resolução no âmbito daquele Colegiado ao tempo da elaboração dessas breves linhas.

A tese inicialmente propugnada pelo douto ministro relator, no aludido julgamento, considerou que a nova sistemática legal é enfática ao restringir a interrupção da prescrição à hipótese de ajuizamento de reclamação trabalhista, afastando a possibilidade de aplicação supletiva do art. 202, II, do Código Civil (CC).

O voto dissonante apresentado, e que acabou prevalecendo, considerou, fundamentalmente, que o art. 11, § 3º, da CLT é compatível com o disposto no art. 202, II, do Código Civil, permanecendo hígida a tese posta na Orientação Jurisprudencial 392 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) desta Corte[2], ainda que essa diretriz tenha sido editada em momento anterior ao advento da Lei nº 13.467/2017. Relembrou-se, mais, na ocasião, que a linha de compreensão ampliativa do aludido preceito já havia sido acolhida em julgados proferidos por outros órgãos fracionários do TST.[3]

Para justificar a compreensão que então prevaleceu acerca do real significado da norma inserta no § 3º do art. 11 da CLT, considerou-se necessário adotar o método sistemático de interpretação normativa, sem desprezo, obviamente, à dimensão semântica das próprias expressões utilizadas pelo legislador.

Como se sabe, palavras e expressões representam o ponto inicial de reflexão no processo de construção do sentido e alcance dos textos normativos. Ainda que os métodos literal (ou gramatical) e lógico de interpretação sejam os parâmetros iniciais de compreensão do sentido normativo, há significativo consenso doutrinário e jurisprudencial em torno da necessidade da atividade interpretativa considerar também as óticas sistemática e teleológica, evitando-se a produção de conclusões despidas de razoabilidade ou que sugiram contrariedade a postulados fundamentais do sistema normativo.

Recorde-se que o Direito é considerado um sistema harmônico e coerente de normas jurídicas de diferentes naturezas: regras, princípios e postulados normativos aplicativos. Ausente a coerência e a harmonia, as antinomias entre normas tenderiam a crescer, gerando insegurança jurídica e caos social, em desprestígio do próprio Estado e do Poder Judiciário em particular.

Deve ainda ser lembrada a advertência doutrinária de que a norma jurídica constitui o resultado do processo intelectivo de construção de sentido, desenvolvido a partir dos enunciados normativos ou textos legais, com os limites de compreensão das palavras adotadas pelo legislador, aos quais são conjugados elementos fáticos e jurídicos para a obtenção do resultado. Além disso, na busca do sentido do texto normativo, faz-se necessário considerá-lo em harmonia com as demais normas que compõem o ramo do direito a que se vincula, evitando-se antinomias e preservando-se a integridade e coerência do sistema normativo.

Mas o conjunto de métodos ou critérios clássicos informativos do processo de interpretação de textos jurídicos demanda, ainda, o concurso da perspectiva constitucional, pois as normas – regras e princípios –inscritos na Magna Carta ocupam, como cediço, lugar de destaque no ordenamento jurídico,[4] servindo de fundamento de validade e eficácia para as demais normas integradas ao sistema normativo[5].

Daí porque todas as normas jurídicas estão submetidas à crítica constitucional, atividade que deve ser exercitada inclusive de ofício por todos os órgãos do Poder Judiciário, em face da própria noção fundamental da supremacia da Constituição. A partir da premissa de que as todas as normas jurídicas devem se conformar às regras e princípios fundamentais do sistema normativo, segue-se a noção da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos produzidos pelo Estado.

Essa compreensão decorre não apenas da impossibilidade de se admitir a criação de normas contrárias ao sistema maior, mas também porque há mecanismos e procedimentos preventivos de controle de constitucionalidade que são exercitados tanto na arena parlamentar (comissões com essa específica competência), quanto pelo Poder Executivo (a quem está reservado o poder de veto – jurídico ou político).

Ao lado das noções de supremacia da Constituição e da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos produzidos pelo Poder Público, figuram, entre outros, os critérios de interpretação conforme à Constituição, da unidade da Constituição e da máxima efetividade de suas normas.

No caso da disputa acerca do significado do § 3º do art. 11 da CLT, acima apresentado, estão postos a confronto dois parâmetros de interpretação: o estritamente literal, conjugado à perspectiva da vontade autêntica do legislador, em oposição ao sistemático-teleológico (referido nos julgados apresentados no voto dissonante).

Não parece de todo desarrazoado, sem dúvida, assentar que o legislador, ao lançar mão do advérbio “somente”, tenha realmente pretendido limitar exponencialmente a forma como a prescrição seria interrompida no âmbito do Direito Processual do Trabalho. Embora não existam evidências irrefutáveis nesse sentido, como consequência da aludida compreensão, apenas com o ajuizamento de reclamação trabalhista se poderia postular a interrupção do curso prescricional, restando inaplicáveis ao processo do trabalho todas as demais formas de interrupção da prescrição referidas no art. 202 do CC.

O objetivo de reduzir as demandas na Justiça do Trabalho foi, inegavelmente, um dos objetivos visados pelo legislador reformista de 2017 e isso está evidenciado, ainda, pela introdução do princípio da sucumbência, nos mesmos moldes do Processo Civil comum; pela exigência de liquidação dos pedidos deduzidos em petições iniciais; pela previsão das transações extrajudiciais submetidas à chancela judicial; pelo procedimento de quitação anual de direitos perante o sindicato profissional; pela cobrança de custas de trabalhadores sucumbentes beneficiários da gratuidade da justiça, etc.

Nada obstante, a se considerar adequada a tese de restrição excessiva ao significado do § 3º do art. 11 da CLT, propugnada por respeitável corrente de entendimento, alguns problemas e antinomias não encontrariam respostas razoáveis, o que parece confirmar a inadequação do aludido critério.

Em primeiro lugar, e sem olvidar que o direito de acesso à Justiça foi assegurado amplamente no texto da Carta Política de 1988, a restrição proposta à interrupção da prescrição pela via do protesto judicial imporia necessariamente ao trabalhador a propositura de sua reclamação trabalhista, normalmente no biênio seguinte à dissolução do pacto, sem que pudesse aquilatar, com mais cautela e responsabilidade, a conveniência e oportunidade da propositura da demanda. Com isso, o propalado objetivo de redução de ações não seria alcançado, antes produzindo-se resultado visceralmente oposto, o que não atenderia aos interesses da sociedade e do próprio Poder Judiciário.

A cautela subjacente à adoção do protesto judicial, como acima mencionada, ainda mais parece justificável em face da introdução ampla do princípio da sucumbência no processo do trabalho, com a reforma de 2017, situação que também afasta a possibilidade de compreensão literal do dispositivo em exame, em clara oposição à própria finalidade que teria presidido a sua edição.

Cabe recordar que o sistema processual civil inaugurado em 2015 prestigia a “desjudicalização das disputas”, com o estímulo forte às vias adequadas e alternativas de resolução de conflitos (artigos 2º, §§ 2º e 3º, 165 a 175 e 334 do Código de Processo Civil/CPC de 2015). E, por isso, a conclusão de que o trabalhador estaria compelido a propor a ação no prazo prescricional imediato, sem qualquer possibilidade de postergar esse evento por meio do protesto judicial, de igual modo afronta a filosofia da pacificação ou resolução extrajudicial de conflitos, o que não se mostra razoável.

A necessidade de compreensão sistêmica do ordenamento jurídico, portanto, avulta como critério essencial para a melhor exegese do enunciado normativo sediado no § 3º do art. 11 da CLT[6].

Ampliando a lente reflexiva, recordo que é conhecida, nos domínios do Poder Judiciário brasileiro, a ação sindical em defesa de direitos e interesses individuais e coletivos de trabalhadores e empregadores. No exercício dessa legitimidade constitucional (art. 8º, III), são frequentes as “ações de protesto judicial”.

A se considerar que a interrupção da prescrição apenas poderia ocorrer por reclamação trabalhista proposta exclusivamente pelo titular do direito material, ter-se-ia que considerar que a reforma trabalhista restringiu, por via oblíqua, o raio de atuação das entidades sindicais, previsto no art. 8º, III, da Constituição Federal (CF) – reiteradamente reconhecido pelo TST e pelo próprio Supremo Tribunal Federal – o que não parece razoável, antes se mostrando inconstitucional. Seria dizer: ou a nova norma celetista convive em harmonia com o texto da Constituição, merecendo, pois, compreensão ampliativa, ou teriam os sindicatos mitigado o espectro constitucional de representação de interesses, por lei ordinária, em clara e inescusável inconstitucionalidade.

Não parece mesmo admissível sob a perspectiva lógica que se confira sentido restritivo ao texto do § 3º do art. 11 da CLT e se admita a possibilidade de ampla atuação sindical para manejar protestos interruptivos de prescrição em favor dos integrantes da categoria representada. Essa compreensão denota resultado ilógico e insustentável, devendo, por isso, ser refutada.

Em terceiro lugar, sabe-se que o protesto judicial integra o rol de medidas cautelares amplamente admissíveis no Direito brasileiro, com a particularidade de que sequer exige do magistrado o exercício de cognição (CPC, art. 726, § 2º). Para expressiva parcela da doutrina, não se trataria de atividade jurisdicional típica, mas de ato de jurisdição graciosa ou administrativa, materializada na gestão pública de interesses privados.

Nada obstante, e ainda que se considere a tutela cautelar de protesto como medida judicial típica (CPC, artigos 301 e 726, § 2º), a “reclamação trabalhista”, nomem iuris ou título jurídico adotado na CLT – compromissaria desde a sua origem com a simplicidade e efetividade – há de ser considerado o gênero das muitas espécies de provocação dos órgãos da Justiça do Trabalho, tal como foi assentado no primeiro dos precedentes acima transcritos. Sem dúvida, não se cogita na jurisdição especializada, de ação ordinária trabalhista de reparação de danos morais ou materiais decorrentes de ato ilícito ou acidente do trabalho ou ainda de ações de quaisquer outras origens ou naturezas, mas apenas do gênero “reclamação trabalhista”, no qual são vertidas todas as espécies de pretensões identificáveis no contexto das relações laborais.

Significa dizer, portanto, que a “reclamação trabalhista” sempre se prestou à viabilização do protesto judicial, para fins de interrupção da prescrição, na exata conformidade da jurisprudência desta Corte, objeto da Súmula 268, editada com o seguinte teor: “A ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição somente em relação aos pedidos idênticos.”

Ainda que o protesto encerre ato cautelar, de índole receptícia, a eleição da via da reclamação trabalhista já produzia, aos olhos da jurisprudência sumulada desta Corte, o mesmo efeito interruptivo da prescrição, do que decorre a razoável conclusão de que o legislador de 2017 apenas pretendeu inserir no direito vigente a diretriz jurisprudencial antes referida.

Não fossem suficientes todas essas razões, a tese restritiva faz emergir questionamentos outros de difícil superação sob a ótica do controle constitucional. Com efeito, o confronto entre a regra legal posta no § 3º do art. 11 da CLT, com o “sentido exclusivista” referido, e as normas constitucionais sugere aparente afronta aos postulados da isonomia e do devido processo legal, em sua dimensão substantiva.

Com efeito, não parece mesmo razoável, definitivamente, admitir-se a restrição do acesso ao protesto judicial para os trabalhadores, como forma de reduzir o volume de ações em curso na Justiça do Trabalho. Essa medida, além de claramente discriminatória, afrontando a noção de isonomia no trato legal aos cidadãos (CF, art. 5º, caput), não parece mesmo moldada ao postulado do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade) que deve balizar a ação estatal (CF, art. 5º, LIV)[7].

Definitivamente, a melhor compreensão da norma inserta no art. 11, § 3º, da CLT é aquela que considera amplamente a expressão “reclamação trabalhista” como critério genérico de provocação dos órgãos desta Justiça do Trabalho, composto por várias espécies, de que são exemplos as ações individuais, as ações plúrimas, as ações coletivas, entre outras, inclusive o protesto interruptivo da prescrição.

Não se desconhece a proposta do legislador ordinário reformista de restringir o volume de ações trabalhistas, combatendo excessos e abusos, com a imposição ampla do princípio da sucumbência, das transações extrajudiciais homologadas, da certificação anula de cumprimento de obrigações trabalhistas perante o sindicato, etc.

Nada obstante, a adoção do protesto judicial vem ao encontro da necessária cautela no ato de propositura da ação judicial, em face dos riscos e ônus econômicos envolvidos, evitando-se demandas irrefletidas e que poderiam apenas elevar o volume de causas em trâmite perante os órgãos da jurisdição laboral[8]

Em conclusão, o ajuizamento da ação, por si só, interrompe o prazo prescricional, sendo admissível, de igual modo, a ação de protesto judicial interruptivo da prescrição, nos moldes do art. 202, II, do CC.

Notas_____________________________________________

[1] O enunciado normativo, alvo da polêmica, tem a seguinte redação: “A interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista, mesmo que em juízo incompetente, ainda que venha a ser extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos pedidos idênticos.” (art. 11, § 3º, da CLT).

[2] OJ 392. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. AJUIZAMENTO DE PROTESTO JUDICIAL. MARCO INICIAL. O protesto judicial é medida aplicável no processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT e do art. 15 do Código de Processo Civil (CPC) de 2015. O ajuizamento da ação, por si só, interrompe o prazo prescricional, em razão da inaplicabilidade do § 2º do art. 240 do CPC de 2015 (§ 2º do art. 219 do CPC de 1973), incompatível com o disposto no art. 841 da CLT.

[3] “RECURSO DE REVISTA DO SINDICATO-AUTOR. LEI Nº 13.015/2014. CPC/2015. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST. LEI Nº 13.467/2017. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. AJUIZAMENTO DE PROTESTO JUDICIAL. APLICAÇÃO DO ART. 202 DO CÓDIGO CIVIL AO PROCESSO DO TRABALHO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA DO ART. 11, § 3º, DA CLT. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. Cinge-se a controvérsia a definir se o protesto judicial ainda interrompe a prescrição no processo do trabalho à luz do disposto no art. 11, § 3º, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/2017. Antes do advento da referida lei, a questão da interrupção da prescrição mediante o ajuizamento de protesto judicial estava pacificada nesta Corte, conforme prevê a Orientação Jurisprudencial nº 392 da SDI-1. Posteriormente, foi acrescentado o § 3º ao artigo 11 da CLT, que dispõe: “A interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista, mesmo que em juízo incompetente, ainda que venha a ser extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos pedidos idênticos”. Registre-se que, apesar de o referido parágrafo estabelecer que “a interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista”, deve-se interpretar que o termo “reclamação trabalhista” abrange toda ação tendente a postular o cumprimento ou preservação de direitos, envolvendo empregado e empregador. No mesmo norte, a doutrina defende que a citada expressão deve ser interpretada de maneira sistemática e teleológica, de modo a ser entendida de forma ampla e em harmonia com o art. 202 do Código Civil. Portanto, o ajuizamento do protesto judicial pelo sindicato-autor se encontra albergado pelo art. 11, §3º, da CLT, isto é, interrompe a prescrição quanto aos pedidos indicados. Isso porque, baseado em interpretação sistemática e teleológica das normas, não há qualquer incompatibilidade entre os dispositivos da CLT e do Código Civil. Logo, o acórdão regional deve ser reformado para declarar que o requerimento da presente medida judicial interrompeu o prazo prescricional. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-10935-78.2019.5.03.0017, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 12/03/2021).

“AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. (…). PRESCRIÇÃO. PROTESTO INTERRUPTIVO APÓS A LEI Nº 13.467/2017. VALIDADE. Discute-se, no caso, se mesmo após o início da vigência da chamada “Reforma Trabalhista”, o protesto judicial continua a ser causa de interrupção da prescrição no processo do Trabalho. A Lei 13.467/2017 incluiu o § 3º no art. 11 da CLT, que passou a dispor “A interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista, mesmo que em juízo incompetente, ainda que venha a ser extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos pedidos idênticos.” Com base na redação do referido dispositivo passou-se a discutir se o protesto judicial continuava sendo causa interruptiva da prescrição trabalhista. No entanto, a inclusão do vocábulo “somente” não tem o alcance pretendido, de excluir outras formas de interrupção da prescrição, notadamente aquelas previstas no art. 202 do CC. O protesto judicial é medida aplicável no processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT, sendo que o seu ajuizamento, por si só, interrompe o prazo prescricional bienal e quinquenal. Não se olvida do brocardo jurídico lex specialis derogat legi generali. Contudo, o caso aqui não é de revogação. A nova lei apesar de especial, não derrogou a norma geral, tampouco restringiu o seu alcance. Não há no texto do art. 11, § 3º, da CLT nenhuma limitação quanto às formas de interrupção da prescrição trabalhista. No caso, cabe ao intérprete fazer uso das técnicas de hermenêutica para dar o correto alcance da norma. Partindo-se de uma interpretação literal da norma inserta no § 3º do art. 11 da CLT poder-se-ia concluir que o vocábulo “somente” estaria restringindo a interrupção da prescrição ao ajuizamento de reclamação trabalhista com pedido idêntico. Todavia, uma norma não existe isoladamente, ela faz parte de um complexo normativo – o ordenamento jurídico como um todo (em sua unidade e completude) – e a partir de uma interpretação sistemática de todo o ordenamento, não se pode simplesmente excluir apenas da seara trabalhista as demais causas interruptivas da prescrição amplamente adotadas para todos os tipos de relações jurídicas. O próprio inciso V do art. 202 do CC já dispõe que é causa interruptiva da prescrição “qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor”. Se até nesta hipótese, mais ampla e abrangente, há interrupção da prescrição, não se poderia concluir que o protesto judicial, ato inequívoco do credor para preservar seu direito, não teria o condão de interromper o fluxo do prazo prescricional. Logo, não se pode restringir direito que já está consolidado a partir de uma interpretação literal e simplista do novo dispositivo celetista, mantendo-se aplicável ao caso a Lei Geral, com base na doutrina e na jurisprudência já sedimentada no âmbito da Corte Superior da Justiça laboral, mesmo após a vigência da Lei nº 13.467/2017. De fato, conforme bem ressaltado pela Corte regional, não seria razoável aceitar que todos os cidadãos brasileiros tivessem assegurado o direito de ação de protesto para interromper a prescrição e apenas os trabalhadores submetidos ao regime da CLT ficassem excluídos desse direito. Inalterados os artigos 8º, § 1º, e 11, § 3º, da CLT e 5º, II e LIV, da Constituição da República. Agravo conhecido e desprovido no aspecto.” (Ag-AIRR-715-21.2018.5.14.0091, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 12/3/2021).

[4] Colhe-se da doutrina de Gomes Canotilho e Vital Moreira que: “A Constituição ocupa o cimo da escala hierárquica no ordenamento jurídico. Isto quer dizer, por um lado, que ela não pode ser subordinada a qualquer outro parâmetro normativo supostamente anterior ou superior e, por outro lado, que todas as outras normas hão-de conformar-se com ela. (…) A principal manifestação da preeminência normativa da Constituição consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo, de modo a eliminar as normas que se não conformem com ela”. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes, e MOREIRA, Vital. “Fundamentos da Constituição”. Coimbra: Ed. Coimbra, 1ª edição, 1991, p. 45).

[5] Na mesma linha de afirmação da supremacia da Constituição, Hans Kelsen explicava que: “…a ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por seu turno, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental pressuposta. A norma fundamental – hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora.” (KELSEN, Hans. “Teoria pura do Direito!”. Coimbra: Ed. Armênio Amado, 4ª edição, tradução de João Baptista Machado, 1979, p. 310).

[6] Na lição do professor Geraldo Ataliba, “qualquer proposta exegética, objetiva e imparcial, como convém a um trabalho científico, deve considerar as normas a serem estudadas, em harmonia com o contexto geral do sistema jurídico. Os preceitos normativos não podem ser corretamente entendidos isoladamente, mas, pelo contrário, haverão de ser considerados à luz das exigências globais do sistema, conspicuamente fixados em seus princípios. Em suma: somente a compreensão sistemática poderá conduzir a resultados seguros. É principalmente a circunstância de muitos intérpretes desprezarem tais postulados metodológicos que gera as disparidades constantemente registradas em matéria de propostas de interpretação”. (ATALIBA, Geraldo. “República e Constituição”. São Paulo: Ed. RT, 1985. p. 152).

[7] Discorrendo sobre o significado do devido processo legal, o Ministro Luís Roberto Barroso pondera que: “Em resumo, o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: (a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado; (b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual (vedação do excesso); (c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha. Nessa avaliação, o magistrado deve ter o cuidado de não invalidar escolhas administrativas situadas no espectro do aceitável, impondo seus próprios juízos de conveniência e oportunidade. Não cabe ao Judiciário impor a realização das melhores políticas, em sua própria visão, mas tão somente o bloqueio de opções que sejam manifestamente incompatíveis com a ordem constitucional. O princípio também funciona como um critério de ponderação entre proposições constitucionais que estabeleçam tensões entre si ou que entrem em rota de colisão.” (BARROSO, Luís Roberto. “Curso de Direito Constitucional contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo”. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 9ª edição, pp. 249-254).

[8] Seguem integralmente válidas as Orientações Jurisprudenciais 359 – “A ação movida por sindicato, na qualidade de substituto processual, interrompe a prescrição, ainda que tenha sido considerado parte ilegítima ad causam” – e 392 – “O protesto judicial é medida aplicável no processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT e do art. 15 do CPC de 2015.”.