Supremas Cortes do mundo discutem papel do Judiciário na cidadania, no clima e na tecnologia

7 de junho de 2024

Compartilhe:

Ministro Luís Roberto Barroso participa da cerimônia de abertura da J20. Presidente eleito do STJ, Ministro Herman Benjamin, também acompanhou o evento

A atuação e modernização do Judiciário nas maiores potências econômicas do mundo foram discutidas em maio, no Supremo Tribunal Federal. Os debates giraram em torno da nova realidade com as mudanças climáticas, passando pela necessidade de maior diversidade na Justiça e, principalmente, de adaptação às avançadas tecnologias e ao uso da inteligência artificial para melhorar as respostas da Justiça ao cidadão.

Vinte delegações internacionais – incluindo magistrados da França, Alemanha, México, Itália, União Europeia e outros participaram do J20, promovido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Presidente da instituição, Ministro Luís Roberto Barroso, na sede do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O evento foi inspirado no G20,  o fórum de cooperação econômica internacional que reúne as 19 maiores economias do mundo, a União Europeia e a União Africana.

O primeiro tema tratado foi o da promoção da cidadania e da inclusão social pelo Poder Judiciário em um evento restrito às comitivas internacionais. Barroso falou das iniciativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para promover a diversidade de gênero no Judiciário brasileiro e apresentou o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, que pretende tornar as decisões judiciais mais acessíveis à população.

Os representantes das Supremas Cortes também compartilharam exemplos dos esforços realizados em seus países para ampliar a participação feminina no Judiciário e trataram da preocupação com a inclusão social de grupos vulneráveis, no sentido de levar em conta que as decisões precisam respeitar as leis e tradições jurídicas de cada nação. Em relação à comunicação, representantes da França, África do Sul, México e Itália, por exemplo, apresentaram informativos, podcasts, programas de televisão e diálogos com estudantes como iniciativas para explicar melhor o funcionamento dos tribunais.

O segundo painel, também restrito às delegações internacionais, tratou da “Litigância climática e desenvolvimento sustentável”. A tragédia no Rio Grande do Sul foi abordada por Barroso, e os Juízes das Supremas Cortes destacaram que as mudanças climáticas ocorridas nos últimos anos ameaçam a humanidade enquanto espécie. Embora o tema do meio ambiente seja, de modo geral, mais restrito às decisões políticas, os magistrados lembraram que, cada vez mais, o Judiciário tem sido acionado em todo o mundo para resolver casos ambientais. No Canadá, por exemplo, mais de 600 casos foram processados entre 2021 e 2022.

Experiências com tecnologia – No terceiro painel, que foi acompanhado pelo público, os representantes das Cortes trataram de como o Judiciário tem lidado com a tecnologia da informação. O Supremo, segundo Barroso, tem usado da inteligência artificial para filtragem de processos, além de estudar neste momento a expansão do uso para resumos de processos.

Em maio, o CNJ lançou uma pesquisa sobre a utilização da Inteligência Artificial Generativa (IAG) na Justiça brasileira. Esse será o primeiro  diagnóstico sobre uso da ferramenta, e pode servir de orientação para as medidas que serão adotadas pelo Judiciário. No fim do ano passado, o CNJ criou um grupo de trabalho para avaliar a necessidade de criar uma proposta de regulamentação do uso na Justiça brasileira. 

Durante o J20, o Presidente da Suprema Corte da Índia, Dhananjaya Yeshwant Chandrachud, contou que o país começou a integrar novas tecnologias no sistema judicial em 2007, mas considerou necessária a criação de barreiras para proteção contra riscos da inteligência artificial, que precisam ser levados em consideração. Para a Índia, a tecnologia pode melhorar mecanismos jurídicos, facilitando acesso às decisões. 

Atualmente, a Corte conta com um sistema eletrônico, que é apontado pelas autoridades indianas como o maior modelo do mundo, com  mais de 32 milhões de casos virtuais. Por lá, a Inteligência Artificial é usada em casos específicos. A ferramenta, por exemplo, verifica quem tem direito a receber previdência social e identificar quais casos são mais urgentes.

Na Coreia do Sul, o uso da inteligência artificial também ampliou significativamente o acesso ao Poder Judiciário, contou o Ministro da Corte Constitucional da Coreia do Sul, Hyung du Kim. Ele também falou de iniciativas de Singapura, onde a IA age em casos menores e classifica decisões sem intervenção humana.

O México defendeu que o Judiciário precisa aproveitar os efeitos positivos e minimizar os riscos da Inteligência Artificial. Com isso, o objetivo dessas tecnologias deve ser melhorar o acesso à Justiça, com um olhar voltado especialmente para os mais vulneráveis, além de garantir medidas mais ágeis, como escaneamento de processos, atualizações, geração de documentos (notificações, citações, distribuição, por exemplo). Mas, as pessoas devem continuar sendo julgadas por magistrados humanos, que precisam conhecer as ferramentas.

No Reino Unido, a inteligência artificial é vista com potencial de transformar o acesso à Justiça. Os sistemas já conseguem fornecer dados sobre direitos e resultados prováveis do caso. A discussão por lá é sobre um sistema de mediação com inteligência artificial, que comunicará o provável resultado. Nele, o envolvido pode decidir se quer levar o caso a um juiz humano. Há benefício para casos mais simples e menos complexos para serem resolvidos de modo mais rápido e com menos custos.

A inovação tecnológica tem influenciado fortemente também a Justiça na China. O país tem tudo digitalizado e só permite que as partes do processo possam acessar os dados a partir de certificações. Essa atualização levou a um aumento significativo de 20% na eficiência dos processos.

A inteligência artificial vem permitindo que a União Africana realize sessões virtuais e audiências híbridas, nos modelos virtual e presencial, para quem não pode ir à Tanzânia. A ferramenta também permite o desenvolvimento de uma  biblioteca virtual. Por lá, a preocupação é que essa tecnologia pode levar a riscos de quebra de privacidade dos dados.

__________________________________________

Presidente da Corte Constitucional francesa participa de debate ambiental com ministros do STF

Depois do evento J20 no Rio de Janeiro, o Presidente do Conselho Constitucional da França, Laurent Fabius, viajou para Brasília, onde participou do seminário “Diálogos com o Supremo: Justiça e Meio Ambiente – O Papel do Judiciário”. 

O encontro aconteceu na sede do STF e contou com a presença do Vice-Presidente da Suprema Corte brasileira, Ministro Edson Fachin, e o próximo Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro Herman Benjamin, uma das principais referências em matéria ambiental do país. O evento foi prestigiado por outros Ministros do STF, como Cristiano Zanin e Cármen Lúcia, além dos Ministros aposentados Carlos Velloso e Joaquim Barbosa.

Mais uma vez, o tema do desastre ambiental causado pelas enchentes no Rio Grande do Sul foi levado às conversas. “Há várias razões que justificam uma mudança de posição do Poder Judiciário, especialmente a crescente compreensão de que um meio ambiente saudável é um direito fundamental autônomo. O Judiciário não pode e não deve cruzar os braços. É tempo de solidariedade e ação”, destacou Fachin.

Laurent Fabius, que tem ampla experiência no tema e presidiu a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 21), da qual resultou o Acordo de Paris, destacou que as nações precisam estar alertas para esse tema. “A necessidade é de ação”, completou o Ministro Herman Benjamin, defendendo que o Judiciário seja célere neste tema.