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O peso da magistratura

21 de julho de 2014

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Cilene-SantosMulheres representam 35% da magistratura, revela o Censo do Poder Judiciário, divulgado pelo CNJ. Pesquisa também mostra o que elas pensam da carreira. A maioria acha que a profissão afeta mais a vida pessoal delas que a dos seus colegas juízes

Administrar as rotinas da família e da profissão requereu jogo de cintura por parte da desembargadora Cilene Ferreira Amaro Santos, do Tribunal Regional do Trabalho da 10a Região. Designada para atuar nas comarcas do Distrito Federal após passar no concurso público de ingresso na carreira, em 1992, a magistrada – que é mãe de dois filhos – teve, por um período de 15 anos, de morar em uma casa diferente da do marido, que advogava em Goiás.

Cilene em nenhum momento se arrependeu da escolha profissional que fez, mas reconhece que a magistratura lhe exigiu alguns sacrifícios. Assim como também reconhecem 64,5% das juízas ouvidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Censo do Poder Judiciário. Dados preliminares da pesquisa, divulgados no fim de junho, revelaram que, na opinião dessas magistradas, a carreira afeta mais a vida pessoal das mulheres que a dos homens que optaram pela carreira.

O Censo foi realizado entre novembro e dezembro do ano passado e foi respondido por 64% dos 16.812 magistrados em atividade no País. De acordo com a pesquisa, o Poder Judiciário é composto por 64,1% de homens e 35,9% de mulheres. No estudo, elas puderam dizer o que pensam sobre uma série de questões de gênero ligadas, por exemplo, ao exercício da profissão, a eventuais reações preconceituosas por parte dos jurisdicionados ou colegas de profissão, assim como ao acesso a oportunidades de promoção na carreira.

Ainda no que se refere à vida pessoal, afirmaram que o impacto da profissão é maior para as mulheres: 68% das magistradas que já são mães e 56,1% das que ainda não tiveram filhos. As integrantes da Justiça com faixa etária entre 36 e 40 anos foram as que mais consideraram ter a vida pessoal afetada pela carreira (72,1%), seguidas daquelas que têm entre 31 e 35 anos (70,2%) e entre 41 e 45 anos (68,1%).

Também acham que a magistratura afeta mais a vida pessoal das mulheres que a dos homens aquelas que ocupam o cargo de juíza substituta (69,2%). Na sequência, estão as magistradas que ocupam a função de juíza eleitoral da classe dos advogados (66,7%), juíza titular (64,6%), juíza substituta de segundo grau (63,5%), ministra de Tribunal Superior e do Supremo Tribunal Federal (57,1%) e desembargadora (48%).

Para a juíza Amini Haddad, diretora da Secretaria de Gênero da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a percepção do peso da carreira pelas magistradas ratifica diversos estudos, principalmente os que são produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apontam que as atribuições domésticas ainda continuam circunscritas e impingidas como deveres quase que exclusivos das mulheres.

“Isso, realmente, é uma desigualdade grandiosa que gera desgastes. Ainda, o fato de a magistratura comumente exigir muitas mudanças de domicílio, para os devidos fins de alcançar a titularidade de varas nas capitais ou grandes centros, acaba gerando custo maior à mulher, em razão das dificuldades culturais do homem de acompanhar a esposa ou parceira, colocando em ‘risco’ o casamento. É mais uma das dificuldades alicerçadas nas concepções de gênero: a mulher acompanha o marido. O inverso, comumente, por delimitação cultural, é quase uma exceção”, explicou.

Na avaliação da desembargadora Cilene, o impacto é grande, mas não é exclusivo da carreira de magistrada. “Isso não é algo que ocorre apenas na magistratura, mas em qualquer cargo mais alto, que seja ocupado por uma mulher. A profissão sempre cobra mais das mulheres”, afirmou a desembargadora, cuja rotina de trabalho, não raro, chega a 12 horas diárias.

Apesar da dedicação à magistratura, Cilene conta que não deixou de acompanhar o crescimento dos filhos ou de viver seu casamento. “Óbvio, houve renúncias e dificuldades. Mas faria tudo de novo. É muito gratificante a profissão que escolhi”, disse a desembargadora, endossando o grupo de 91,8% de magistrados – homens e mulheres – que declararam ao Censo estarem satisfeitos com a escolha profissional que fizeram.

Participação
O Censo do CNJ mostra que a presença das mulheres é maior na Justiça do Trabalho (47%). Depois na Justiça Estadual (34,5%), na Justiça Eleitoral (28,1%), nos Tribunais Superiores (27,8%), na Justiça Federal (26,2%), nos Conselhos Superiores (26,1%) e na Justiça Militar (16,2%).

A constatação do estudo é que a participação feminina nos tribunais e demais órgãos judiciais vem crescendo a passos ainda tímidos. De 1951 a 1981, por exemplo, o percentual de pessoas do sexo feminino na carreira era apenas de 21,4%. De 1982 a 1991 houve acréscimo, porém não muito expressivo, quando o índice passou para 25,6%. De 1992 a 2001, o número de magistradas aumentou para 38%, taxa que praticamente se manteve até 2011. Entretanto, de 2012 a 2013, houve decréscimo e o número de magistradas caiu para os atuais 35,9%.

De acordo com a diretora da AMB, o número atual de magistradas não é o fator mais preocupante. “Devemos destacar que esse percentual é o geral. Se observarmos a inserção recente de magistradas no Judiciário, para o cargo de juízes substitutos, ainda não vitalícios, nos primeiros dois anos da carreira, os percentuais são próximos (ao de magistrados). A problemática, portanto, está na continui­dade da carreira, ou seja, na ascensão às cortes. Poucas alcançam os Tribunais Superiores”, destacou.

Na avaliação do coordenador do Censo produzido pelo CNJ, conselheiro Paulo Teixeira, o número de mulheres no Poder Judiciário tende a aumentar. “Temos um contingente masculino maior que o feminino. A gente crê que o número tende a se elevar. Para que se possa ter segmento significativo é preciso diversidade. O Judiciário historicamente é conservador, mas com tendência de modificação”, afirmou.

O Censo também aferiu o que as magistradas pensam sobre uma série de questões relacionadas à temática gênero. Uma delas foi a reação das pessoas ao fato de elas serem magistradas. Das juízas, desembargadoras e ministras ouvidas, 30,2% afirmaram já ter identificado alguma reação negativa de outros profissionais do sistema de Justiça.

No que se refere aos jurisdicionados, a percepção das magistradas é a de que eles não parecem se impressionar pelo fato de elas serem mulheres e integrantes da Justiça. Apenas 24,7% das juízas, desembargadoras e ministras afirmaram ter identificado reações negativas por parte daqueles que buscam o Poder Judiciário.

No que tange aos processos de remoção e promoção na carreira, 86,1% também afirmaram que as dificuldades que enfrentam são as mesmas das dos seus colegas magistrados. E no que diz respeito ao exercício da magistratura, outra questão também indagada, 70,7% das magistradas disseram não sentir diferença com relação aos seus colegas juízes.

Outro tema questionado foi o ingresso na carreira. A maioria das magistradas (86,6%) ouvidas no Censo afirmou considerar o concurso para a magistratura como imparcial para todos os candidatos, sejam eles homens ou mulheres. Empossada como desembargadora do TRT10 em outubro do ano passado, pelo critério da antiguidade, Cilene Santos está de acordo com o pensamento demonstrado pela maior parte das magistradas ouvidas pela pesquisa. “Não encontrei dificuldades para ascender na profissão”, relatou.

Perfil conservador
O Censo do Poder Judiciário resulta de uma decisão no Pedido de Providências 0002248-46.2012.2.00.000, analisado pelo CNJ. O procedimento visava à fixação de políticas públicas para o preenchimento de cargos no Poder Judiciário, inclusive com o estabelecimento de percentuais para negros e indígenas. A pesquisa também foi feita junto aos mais de 285 mil servidores atualmente em atividade na Justiça.

No que se refere à magistratura, de um modo geral, o Censo constatou um perfil mais conservador, com a composição dos quadros dos tribunais e órgãos judiciais, predominantemente, por pessoas do sexo masculino, da cor branca e heterossexuais. Também de acordo com a pesquisa, 78,4% dos membros da Justiça são casados ou vivem em união estável, e 75,7% deles possuem filhos. Apenas 19,1% dos magistrados são negros e 0,9% é portador de alguma necessidade especial.

Para o conselheiro Paulo Teixeira os resultados obtidos pelo Censo do Poder Judiciário foram alvissareiros e certamente contribuirão não apenas para aprimorar a prestação jurisdicional, como para a identificação mais precisa daqueles que compõem os quadros do Poder Judiciário. “Foi uma oportunidade inédita para os participantes contribuírem, partilhando de suas opiniões e informações, para um trabalho indispensável para os planos de futuro da Justiça brasileira”, destacou.