A abertura do ano judiciário e o “paradoxo da tolerância”

4 de fevereiro de 2022

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Na abertura do ano judiciário, em 1o de fevereiro, o Presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, Ministro Luiz Fux, disse que a política não pode comportar visões de confronto. Ele defendeu a liberdade de imprensa e pontuou que a Corte espera mais estabilidade e tolerância do ano eleitoral que se inicia. “Não há mais espaços para ações contra o regime democrático”, diagnosticou.

O termo tolerância significa aceitação dos outros, sobretudo daqueles que têm modos de vida ou sistema de crenças diferentes dos nossos, como elementos complementares numa humanidade complexa, diversa e multicultural. Embora tenha sido debatido por autores modernos como John Locke e Voltaire – que em 1689 e em 1763, respectivamente, abordaram o tema em cartas e tratados sobre a intolerância, com foco na intolerância religiosa – o conceito da tolerância ainda é pouco trabalhado entre as correntes filosóficas contemporâneas. Uma das referências mais “recentes” vem do filósofo da ciência Karl Popper, que em 1945, em “The open society and its enemies”, definiu o “paradoxo da tolerância”, uma de suas ideias mais famosas.

Devemos tolerar os intolerantes? Para o austro-britânico Popper a resposta é não, pois a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da própria tolerância. O que não torna aceitável, segundo o filósofo, utilizar o paradoxo para justificar o silenciamento dos diferentes, simplesmente por considerá-los intolerantes. Antes, é preciso que suas ideias sejam combatidas por meio de argumentos racionais, mantendo-as sob o controle da opinião pública. Porém, caso a intolerância tome proporções que ameacem a estabilidade democrática, é indispensável que a sociedade possua os mecanismos legais e institucionais necessários para freá-la.

Tolerância até o limite é não apenas o que a Corte espera da sociedade, mas também o que nós, enquanto sociedade, esperamos do Supremo e dos demais atores do sistema de Justiça, vinculados pela missão fundamental de zelar pelos pilares da nossa democracia: a Constituição, a Justiça e os direitos da cidadania. Defesa na qual nunca devem hesitar em ir além de eloquentes discursos, cartas de repúdio e nobres intenções, com desdobramentos práticos contra quem ameaçar com intolerância o equilíbrio entre os Poderes e/ou a paz social. Bem como, é importante dizer, no julgamento de temas ligados às eleições que estão nas pautas dos tribunais superiores, como as federações partidárias, as propagandas na Internet e a distribuição do fundo eleitoral – além dos inquéritos que investigam a disseminação de fake news e a convocação de atos antidemocráticos.

Maturidade institucional – No âmbito da Justiça Estadual, o ano judiciário também começa com movimentações alvissareiras, sobretudo com a entrada em cena da novo Conselho de Presidentes de Tribunais de Justiça, assunto tratado em detalhes nessa edição da Revista, incluindo a entrevista com o Presidente da entidade, Desembargador José Laurindo, e reportagens produzidas por nossa equipe em Curitiba e no Rio de Janeiro. O momento de fato exige, como o Consepre se propõe a fazer, o compartilhamento de boas práticas, saberes e fazeres para que o Poder Judiciário – que tem nos TJs seus pontos de maior “sinapse” com a sociedade – seja capaz de entregar uma prestação jurisdicional mais célere, justa e eficaz.

Na advocacia, o cenário é também animador com a eleição de José Alberto Simonetti para a Presidência do Conselho Federal da OAB. Sem abrir mão da defesa das prerrogativas e da proteção da cidadania, o criminalista acena com uma gestão classista e mais conciliadora com as forças políticas do País. Com regras de paridade de gênero, a eleição da OAB foi também marcada pelo pluralismo. Pela primeira vez em em 90 anos de história da Ordem, várias seccionais estaduais elegeram presidentes mulheres, como São Paulo (leia a entrevista com a Presidente Patrícia Vanzolini na edição de janeiro), Paraná, Santa Catarina e Bahia – que elegeu uma chapa majoritariamente feminina. 

Um conjunto de avanços institucionais que “sopra a brasa da esperança” em dias melhores para o nosso País, com mais equilíbrio, tolerância e igualdade.