Advocacia, um novo desafio

12 de fevereiro de 2020

Renato José Cury Presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP)

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No dia 30 de janeiro, a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) completou 77 anos. Fundada na capital paulista por um grupo de advogados visionários, a entidade conta atualmente com 80 mil associados distribuídos por todos os estados do País e inúmeros produtos e serviços criados para facilitar o dia a dia da profissão.

Sempre se renovando e acompanhando as muitas e constantes mudanças ocorridas ao longo desses anos, tanto no Judiciário quanto, e principalmente, nas nossas leis, agora nos deparamos com um novo desafio: a transformação digital e as tecnologias disruptivas, a denominada sociedade 4.0.

Há cerca de oito anos corremos para adotar o certificado digital exigido pelos tribunais e o chamado peticionamento eletrônico que inegavelmente trouxe mais agilidade na tramitação dos processos.

Hoje, vivenciamos uma nova realidade na nossa atividade e no nosso dia a dia com os algoritmos e a inteligência artificial, trazendo novas exigências e mudanças nas rotinas dos nossos escritórios em um mundo cada vez mais conectado. Tudo isso demandando mais uma vez a nossa rápida adaptabilidade.

A pergunta que não quer calar é: teremos que abandonar o modelo do escritório mais tradicional para virar um escritório 4.0? A resposta é sim, sob pena de perdermos competitividade no mercado de trabalho. Todos temos acesso a milhões de informações por meio dos nossos celulares e do Google, em uma sociedade voltada para dados. Muitos de nós conversamos com clientes em outros países pelo Skype e usamos diversas outras inovações tecnológicas. Temos ciência de que as mudanças sempre existiram e continuarão a existir. Contudo, demoravam algum tempo para se concretizar. Hoje, a velocidade dessa transformação é exponencial.

Em tempos de Watson da IBM (plataforma de serviços cognitivos para negócios), de Ross (inteligência artificial de dados legais) e de computadores equipados com racionalidade humana, de identificação facial nas catracas dos edifícios, Waze, localizadores nos smartphones, digitais nos bancos, as informações são dados a serem trabalhados de maneira sistêmica. Todas essas informações podem ser convertidas em dados que, processados e sistematizados, tornam-se ferramentas de trabalho a serem utilizadas em favor dos nossos clientes.

Os dados dos nossos clientes no escritório, por exemplo, juntamente com outros colhidos no Judiciário formam um fluxo jurídico que pode nos mostrar com alguma precisão a chance de êxito de uma determinada ação. Há programas à nossa disposição que nos ajudam a entender como aquele juiz julga determinadas matérias, com base nas decisões anteriormente proferidas por ele. Graças à maior previsibilidade, o advogado que dispõe dessas informações sistematizadas poderá orientar melhor o seu cliente.

Insisto em reafirmar que a relação entre advogado e cliente é uma relação de confiança, olho no olho, e isso as tecnologias não podem nos tirar. A tecnologia certamente abre portas para a informação e para a utilização desses dados em nosso favor. O que precisamos fazer é combinar essa transformação digital pela qual estamos passando com a gestão dos nossos escritórios.

Inteligência artificial, big data, blockchain e Internet das coisas (IoT) são tecnologias com grande potencial de realizar tarefas repetitivas em que a máquina faz melhor que o ser humano.

É natural que surjam preocupações com as questões de privacidade, proteção de dados pessoais e o poder que os algoritmos terão em um futuro não muito distante. Outra questão é se teremos uma regulamentação para cada uma dessas tecnologias e se conseguiremos equilibrar a busca pela inovação com a necessidade de protegermos direitos fundamentais das pessoas naturais.

Desde 2008 a União Europeia se preocupa com o tema da utilização e segurança dos dados por meio da General Data Protection Regulation (GDPR), que traz diretrizes e obrigações para a segurança de dados.

Em breve, aqui no Brasil, entrará em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) que passará a exigir um melhor tratamento dos dados pessoais, mudando radicalmente a forma como estes são tratados, trazendo mais transparência e poder aos seus titulares e exigindo que os agentes de tratamento cumpram os princípios e tenham bases legais para o respectivo processamento. É um caminho sem volta, o mundo todo está atento a esse tema e as regulamentações mais relevantes já estão em vigor ou entrarão em um curto espaço de tempo. A LGPD terá um impacto como poucas outras leis já tiveram.

Com o crescimento das soluções digitais e todos os benefícios agregados a elas, a AASP, sempre preocupada em zelar pela permanente atualização de seus associados para que possam exercer seu mister com excelência, tem promovido cursos, seminários, palestras e eventos para acompanhar as mudanças e os movimentos da sociedade 4.0.

Por isso, dedicou o mais recente número da Revista do Advogado (144) à Lei Geral de Proteção de Dados (são 28 artigos de especialistas no tema) e disponibiliza desde o ano passado o THEO, uma plataforma digital integrada criada pela própria Associação para otimizar a administração das principais tarefas na rotina de um advogado. Ela reúne em um só local: intimações, contratos de honorários, processos, clientes e agenda. A ferramenta apresenta ainda utilidades expandidas que conversam diretamente com as demandas de seu público-alvo: os advogados.

Lembrando Ortega y Gasset, no seu livro “A rebelião das massas”, estamos diante de uma dessas épocas cíclicas em que “a realidade humana, sempre móvel, se acelera, se embala em velocidades vertiginosas”.