Agenda 2030 e a contribuição dos métodos alternativos de resoluções de diferenças para o desenvolvimento sustentável

30 de novembro de 2021

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A Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, lançada no ano de 2015 pela Organização das Nações Unidas, é um compromisso global assumido por 193 Estados-membros, incluindo o Brasil, que propõe uma ação conjunta de Estados, instituições, setor privado e sociedade em geral que tem por objetivo traspassar os maiores desafios do mundo contemporâneo.

Neste encontro de cúpulas, por unanimidade dos participantes, foram eleitos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que deverão ser implementados por todos os países signatários e que abarcam uma multiplicidade de áreas, mas que estão conectados entre si e possuem uma missão de conteúdo básico, no entanto, de grandeza singular e que lamentavelmente ainda persiste nos dias atuais: a erradicação da pobreza e o desenvolvimento econômico, social e ambiental em escala global a ser alcançado até o ano de 2030.

Dentre esses objetivos, está a ODS 16 que remete à Paz, com o propósito de estimular sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável; à Justiça, com vistas a garantir fácil acesso a todos; e às Instituições eficazes, com o objetivo de torná-las eficientes a todos os níveis.

Em que pese o esforço, a eficiência e a produtividade do Poder Judiciário brasileiro para dar celeridade às suas decisões e reduzir o quantitativo de processos, os últimos números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – Relatório Justiça em Números 2020, ano base 2019 – ainda são altos e desanimadores frente aos 77,1 milhões de processos ativos, podendo chegar no relatório seguinte à marca histórica de mais de cem milhões de processos.

O Brasil alcança posição de destaque no cenário mundial quando se trata de números de processos em trâmite no Poder Judiciário e isso não se justifica somente pela “morosidade” da Justiça, mas devido ao alto grau de litigiosidade – partes e advogados – que contribui significativamente para o seu aumento.

O Brasil ocupa igualmente a primeira posição em número de cursos de Direito, que é maior do que a soma de todos os outros países do mundo juntos e, ainda, permanece no pódio quando se trata de número de advogados. Chega-se, portanto, à fácil percepção do porquê desse número tão elevado de processos.

Diante desse quadro caótico, percebeu-se que a jurisdição estatal em si não deve ser a única via à solução de controvérsias, isso porque nem sempre aquele que lá bate à porta sai com a resposta desejada, frustrando-se, decepcionando-se e despendendo tempo e altos custos, não só patrimoniais, mas principalmente emocionais.

A partir desse cenário foi necessário buscar soluções, desenvolver alternativas – negociação, conciliação, mediação – ou melhor, colocar em prática métodos que até passado recente eram menosprezados, renegados. Precisou-se, então, de uma verdadeira e efetiva mudança de paradigma no tratamento dos conflitos.

Nesse ponto, o sistema multiportas, difundido no contexto jurídico mundial na década de 1970 com a devida análise do professor Frank Sander, reconfigurou a noção de acesso à Justiça, permitindo a interpretação e aplicação de “novos métodos” de soluções de diferenças para cada tipo de conflito e voltado às peculiaridades do caso concreto.

No Brasil, essa tendência ganhou força a partir da década de 2010, (i) com a publicação da Resolução nº 125 do CNJ, na qual ficou instituída a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, assegurando a todos o direito de solucioná-los por meios adequados à sua natureza e peculiaridade; (ii) com o advento do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, que conferiu destaque para tornar o processo mais efetivo e célere, prestigiando e incentivando fortemente os métodos autocompositivos e heterocompositivos; (iii) com a promulgação da Lei de Mediação no mesmo ano; e agora, (iv) com a adesão do Brasil à Convenção de Singapura.

A Resolução nº 125 do CNJ foi um marco importante a resgatar e a dar protagonismo aos meios consensuais – conciliação e mediação – à medida que deu a todos os órgãos do Poder Judiciário, entidades públicas e privadas parceiras a incumbência de implementar o programa; desenvolver ações voltadas à capacitação em métodos consensuais; estimular a criação de disciplinas que propiciem a cultura da solução pacífica de litígios, além de desenvolver diálogo com a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público, estimulando a participação destes e valorizando a atuação na prevenção dos litígios.

O CPC igualmente prestigiou o direito da parte obter em prazo razoável a solução integral do mérito, aí incluída a atividade satisfativa justa e efetiva, a paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, sempre visando o atendimento dos fins sociais e das exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

O CPC também incentivou fortemente os métodos autocompositivos e heterocompositivos para a resolução de disputas, dando especial realce a conciliação e mediação, cabendo aos operadores do Direito – juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério público – o estímulo a tais métodos.

A Lei de Mediação veio para solidificar o instituto como instrumento singular na solução consensual de controvérsias, dando fim às divergências e, na maior parte das vezes, restabelecendo a relação pacífica social e comercial outrora existente.

Recentemente, o Brasil aderiu à Convenção das Nações Unidas sobre acordos internacionais resultantes da mediação, a Convenção de Singapura, cujos impactos são muito positivos, pois insere o País no contexto comercial internacional e reconhece e valoriza a mediação como forma de solução de conflitos, elevando-a a patamar semelhante aos métodos tradicionais, além de estar em sintonia com a Lei de Liberdade Econômica.

O novo Plano Estratégico Nacional do Superior Tribunal de Justiça para o quinquênio 2021-2026, que tem como slogan “Realizar Justiça é a nossa missão”, teve especial destaque ao afirmar que o caminho da Instituição – definido no documento como sua visão de futuro – é se estabelecer como uma Corte de precedentes que proponha uma justiça ágil, moderna, preventiva e cidadã e, portanto, alinhada nesse processo democrático e participativo de transformação e inovação.

Recentemente, o CNJ, igualmente na vanguarda e com vistas a proporcionar aos jurisdicionados uma Justiça socialmente equilibrada e equitativa, mas sem se afastar das garantias fundamentais individuais, na sua 93ª sessão virtual, aprovou por unanimidade a alteração da Resolução 75/2009 que dispõe sobre os concursos públicos para ingresso na magistratura, incluindo no rol de matérias obrigatórias, dentre outras: a Agenda 2030.

Mas não é só, a própria Constituição Federal de 1988 já destacava o valor da pessoa humana, a pacificação social, o acesso à Justiça e a duração razoável do processo, ao enumerar, no seu art. 1º, inciso III, como princípio fundamental: a dignidade da pessoa humana; no seu art. 4º, assegurando a todos a solução pacífica dos conflitos; no seu art. 5º, inciso XXXV, garantindo o acesso à Justiça; e no inciso LXXVIII do mesmo artigo, a efetividade e celeridade da prestação jurisdicional.

As plataformas digitais, que visam desenvolver os métodos autocompositivos, são mais uma ferramenta à disposição das partes, no entanto, ainda não acessíveis à maior parte da população.

Muitas são, portanto, as iniciativas públicas e privadas a promover a solução consensual dos conflitos. No entanto, a conscientização, o envolvimento e o engajamento das partes e dos operadores do Direito são essenciais para que essa prática se desenvolva e tenha amplo alcance social, permitindo que conflitos sejam resolvidos de maneira célere, eficiente e menos traumática às partes, deixando à análise do Poder Judiciário os casos mais complexos.

De todo modo, como dito acima, as ODS estão interligadas, conectadas, não sendo possível alcançar a efetividade de uma sem que se alcance a das outras. Afinal, para que um País atinja a tão almejada pacificação, tenha acesso à Justiça plena e possua Instituições eficazes é necessário, antes de tudo, que seus cidadãos tenham consciência da existência delas e possam por meio de suas decisões livres e conscientes exercerem o seu direito amplo.

As disparidades socioeconômicas existentes no nosso País são fatores adicionais que dificultam a disseminação dessa cultura, visto que para os menos favorecidos a figura do Estado-Juiz, do Estado-Regulador, acaba por ser a única voz compreendida/ouvida, justamente pela falta de conhecimento e pelo ceticismo, o que acaba por restringir outras vias para reconhecer que o Estado não detém o monopólio para a resolução dos conflitos e está longe de ser o salvador da pátria; e que a teoria do sistema multiportas é uma opção eficiente e tem por objetivo mostrar que há outros caminhos a percorrer para se alcançar uma solução. 

A consciência das partes, o estímulo dos operadores do Direito, o respeito mútuo, a lealdade e a boa fé devem sempre prevalecer, afinal quem melhor do que os próprios envolvidos para se chegar a uma composição, seja por meio de negociação, conciliação, mediação ou qualquer outro método adequado, preservando-se na medida do possível as relações sociais e comerciais. 

Por que delegar tal tarefa a um terceiro – um estranho – que não vivenciou a situação, as dificuldades, as particularidades do caso e que de modo algum sua decisão interferirá na sua vida privada? À exceção daqueles que veem na Justiça oportunidades de tirar proveito em detrimento alheio, nenhum cidadão deseja ser parte ou envolver-se num processo judicial.

Assim como o médico deve ministrar ao paciente o remédio mais eficiente contra o mal que o adoece, os operadores do Direito devem oportunizar às partes o método mais adequado à solução de cada conflito, o que nos faz revisitar e relembrar a obra de Jean Carbonnier acerca das relações familiares. O ditado “À cada um a sua família, à cada um o seu direito” de ontem, deve hoje corresponder “À cada diferença, um modo único de resolução”.

A Agenda 2030 é um compromisso de todos, um movimento global, e para o atingimento dos seus fins cada um deve dar sua parcela de contribuição. Nesse ponto, a Justiça – de forma ampla – pode colaborar ativamente incentivando os métodos alternativos de resoluções de diferenças, de modo a alcançar o objetivo proposto na ODS 16 e, consequentemente, o desenvolvimento sustentável. Afinal, Justiça eficaz é Justiça que pacifica sua sociedade, é Justiça que amplifica sua voz, é Justiça que ecoa por todos os cantos.

Leia aqui a versão em francês: