Caminhos dos povos originários e o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada

8 de abril de 2019

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O presente artigo pretende estabelecer algumas linhas à respeito do direito fundamental de Consulta Prévia, Livre e Informada (CLPI) dos povos originários, determinando quando o mesmo deve ser utilizado. O CLPI encontra-se previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que em seu art. 6o estabelece:

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.

Importante ressaltar que a Consulta Prévia difere de outros mecanismos de participação social existentes, pois garante aos povos originários o direito de intervir no planejamento, formulação, elaboração e execução de quaisquer medidas legislativas ou administrativas que interfiram diretamente em seu meio de vida e de relacionamento com seu território.

A Consulta e a participação dos povos tradicionais nos processos de tomada de decisões à respeito de seu território são objetivos importantes por si só, todavia, são também os meios pelos quais os povos originários/indígenas e tribais podem participar plenamente das decisões que os afetem, consoantes aos ensinamento da douta Professora Raquel Yrigoyen Fajardo:

Os direitos de decisão autônoma ou à livre determinação do desenvolvimento, participação, consulta prévia e informada, o consentimento prévio e esclarecido faz parte do corpus de direitos dos grupos enquadrados em novos princípios de relacionamento entre estados e povos indígenas/tribais, que rompem com a tradição tutelar anterior. Antes deste novo quadro de direitos, os Estados consideravam que os territórios onde viviam os povos indígenas e os povos tribais estavam sob seu controle e tutela e, portanto, sob sua única decisão. Daí as políticas de assimilação, integração forçada e, até mesmo, desaparecimento físico e cultural que caracterizou eras passadas – tradução livre.

Buscando garantir que o Estado brasileiro respeite o direito à CLPI, os povos originários construíram junto aos movimentos indigenistas, ao Ministério Público Federal, às organizações internacionais de defesa dos Direitos Humanos e, mais recentemente, às Defensorias Públicas dos estados e da União, os denominados “Protocolos de Consulta Prévia”.

Podemos definir os protocolos de CLPI dos povos originários/indígenas, de comunidades quilombolas e outras populações tradicionais como sendo o instrumento jurídico pelo qual estas comunidades dizem ao “Estado” e às empresas como querem que as consultas e o consentimento previsto pela Convenção 169 da OIT sejam realizadas. Os protocolos possuem natureza jurídica de norma consuetudinária, positivada pelas comunidades tradicionais com fundamento no pluralismo jurídico e no multiculturalismo. Encontram fundamento, além do art. 6o da Convenção 169 da OIT, no art. 7o do mesmo instrumento normativo:

Art. 7o – 1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente (BRASIL, 2004).

Os protocolos são o meio apropriado para que as comunidades tradicionais e os povos originários exerçam seu direito de consulta e de escolha das próprias prioridades frente ao Estado, estabelecendo como, quem, quando e porque, ou seja, organizando normas internas dessas comunidades para os procedimentos de tomada de decisão. Assim, são a transformação do conhecimento tradicional de tomada de decisão à respeito do território em modalidade escrita, documento que tem por objetivo dizer ao Estado brasileiro a forma como esses povos desejam ser consultados e, principalmente, a forma que desejam que seu direito à consulta prévia seja levado à efetivação pelo Estado toda vez que ato administrativo, projeto de desenvolvimento ou legislação venha a afetá-los.

Até o momento, temos os seguintes protocolos de consulta de povos e comunidades originárias, cada um deles guardando características próprias de suas comunidades, levando em conta sua organização social e cultural: Protocolo de Consulta e Consentimento Wajãpi (2014), Protocolo de Consulta Munduruku (2014), Protocolo de Consulta dos Povos do Território Indígena do Xingu (2015-2016), Protocolo de Consulta dos Povos do Território Indígena do Xingu – Associação Terra Indígena do Xingu/ATIX (2016), Protocolo de Consulta dos povos indígenas Munduruku e Apiaká do Planalto Santarenho (2017), Protocolo de Consulta Juruna (Yudja) da Terra Indígena Paquiçamba da Volta Grande do Rio Xingu (2017), Protocolo de Consulta Prévia do Povo Kenak (2017), Protocolo de Consulta ao Povo Waimiri Atroari (2018), Protocolo de Consulta Prévia da Tekoa Itaxí Mirim Guarani Myba, Terra Indígena Paraty Mirim (2018), Protocolo de consulta dos Kayapó-Menkragnoti associados ao Instituto Kabu (2019).

A discussão sobre a CLPI ganha eco com as recentes tentativas do Governo brasileiro de realizar obra para implantar linha de transmissão que atravessará o território dos povos originários da etnia Waimiri Atroari. O presente artigo não teve como objetivo esgotar à temática sobre a CLPI, mas sim trazer o debate ao meio das defensoras e defensores públicos, buscando nos alertar para este instrumento, bem como a toda a sociedade.

Notas____________________________

1 BRASIL. Decreto no 5051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais. Brasília, DF, 2004. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm > . Acesso em: 19 de agosto de 2018.

2 OIT. Comprender el Convenio sobre pueblos indígenas y tribales, 1989 (núm. 169). Manual para los mandantes tripartitos de la OIT. Oficina Internacional del Trabajo, Departamento de Normas Internacionales del Trabajo – Genebra: OIT, 2013, p.11.

3 FAJARDO. Raquel Yrigoyen. De la tutela a los derechos de libre determinación del desarrollo, participación, consulta y consentimiento – Fundamentos, balance y retos para su implementación. In: Amazônica – Revista de Antropologia da Universidade Federal do Pará, v.1 (no 2): 368-405, 2009, p.372.

4 Os protocolos de consulta prévia dos povos originários, podem ser acessados no endereço eletrônico: https://rca.org.br/consulta-previa-e-protocolo/ e http://direitosocioambiental.org/observatorio-de-protocolos/protocolos-comunitarios-de-consulta/.

 

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