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Desenvolvimento sustentável na Amazônia: o sonho que se tornou realidade

31 de outubro de 2011

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Criada em 2007, a Fundação Amazonas Sustentável (FAS) tem desenvolvido uma série de ações para promover o desenvolvimento ambiental e a melhoria da qualidade de vida das comunidades que moram e são usuárias das unidades de conservação do estado do Amazonas. Virgílio Viana, superintendente geral da FAS, explica, nessa entrevista, como esse trabalho é realizado. Dentre as iniciativas, de acordo com ele, destaca-se o Programa Bolsa Floresta, maior programa de pagamento por serviços ambientais do mundo, desenvolvido em parceria com o governo do estado do Amazonas, numa área de 10 milhões de hectares, envolvendo mais de 7,9 mil famílias.

“Antes de completar o terceiro ano de criação, a FAS chegou, em 2010, a alcançar a segunda colocação no ranking brasileiro de organizações não governamentais do terceiro setor. O trabalho da FAS é traduzir o conceito universal de sustentabilidade ao singular para as mais de 500 comunidades localizadas nas unidades de conservação do estado do Amazonas. Nessa reinvenção, privilegiamos os olhares, valores e perspectivas desses comunitários envolvidos no Programa Bolsa Floresta”, afirmou o superintende à Revista Justiça & Cidadania.

Virgílio Viana destaca também que o modelo de gestão da FAS é um arranjo institucional que está sendo estudado por outros estados para ser implementado. “Um dos programas complementares de maior impacto na FAS é o de educação. As miniuniversidades, construídas no meio da floresta, são denominadas Núcleos de Conservação e Sustentabilidade (NCSs), que fazem parte dos Programas de Apoio do Programa Bolsa Floresta, executado pela FAS com a missão de educar e gerar conhecimento para a melhoria da qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais, promovendo, ainda, a conservação ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais”, afirmou.
Confira a íntegra da entrevista:
Revista Justiça & Cidadania – Quando e por que a Fundação Amazonas Sustentável foi criada?
Virgílio Viana – A Fundação Amazonas Sustentável (FAS) é uma instituição público-privada sem fins lucrativos, não governamental e sem vínculos político-partidários que tem a missão de promover o envolvimento sustentável, a conservação ambiental e a melhoria da qualidade de vida das comunidades moradoras e usuárias das unidades de conservação no estado do Amazonas. A FAS foi criada em 2007, por meio de uma parceria entre o governo do estado do Amazonas e o Banco Bradesco, conforme estatuto previamente aprovado pelo Ministério Público Estadual, em ata pública registrada em cartório nos termos previstos na legislação vigente. A FAS implementa o Programa Bolsa Floresta, o maior programa de pagamento por serviços ambientais do mundo, em parceria com o governo do estado do Amazonas, numa área de 10 milhões de hectares, envolvendo mais de 7,9 mil famílias. Mais informações no site www.fas-amazonas.org.
JC – A entidade alcançou, no ano passado, a segunda colocação no ranking brasileiro de organizações socioambientais do terceiro setor. A que se deve isso?
VV – Antes de completar o terceiro ano de criação, a FAS chegou, em 2010, a alcançar a segunda colocação no ranking brasileiro de organizações não governamentais do terceiro setor. O trabalho da FAS é traduzir o conceito universal de sustentabilidade ao singular para as mais de 500 comunidades localizadas nas unidades de conservação do estado do Amazonas. Nessa reinvenção, privilegiamos os olhares, valores e perspectivas desses comunitários envolvidos no Programa Bolsa Floresta. Salientamos, também, que os resultados apresentados são possíveis devido à equipe de profissionais que compõem a Fundação, assim como ao engajamento de parceiros, sendo os que oferecem a contribuição técnica e financeira, em especial diversas instituições parceiras do governo do estado do Amazonas.
JC – A entidade é responsável pela implementação e gestão do Programa Bolsa Floresta nas unidades de conservação (UC) estaduais do Amazonas. Quantas pessoas são beneficiadas por essa iniciativa? Quais são os critérios para a inclusão das famílias nesse projeto e como este é mantido?
VV – O Programa Bolsa Floresta é o primeiro projeto do Brasil certificado internacionalmente para recompensar e melhorar a qualidade de vida das populações tradicionais, pela manutenção dos serviços ambientais prestados pelas florestas tropicais, reduzindo o desmatamento e valorizando a floresta em pé. Possui quatro componentes: Bolsa Floresta Renda (incentivo à produção sustentável), Social (investimentos em saúde, educação, transporte e comunicação), Associação (fortalecimento da associação e controle social do programa) e Familiar (envolvimento das famílias na redução do desmatamento). Atualmente, o PBF é o maior programa de pagamento por serviços ambientais do mundo, com mais de 35 mil pessoas atendidas em 15 unidades de conservação do estado do Amazonas, uma área que totaliza 10 milhões de hectares.
JC – Quais são os tipos de Bolsa Floresta e os valores concedidos?
VV – São quatro: Familiar – R$ 600 por família anualmente (R$ 50 por mês); Renda – R$ 350 x número de família por unidade de conservação (média de R$ 190 mil por unidade de conservação); Social, também R$ 350 x número de família por unidade de conservação (média de R$ 190 mil por unidade de conservação); e Associação – R$ 60 x número de famílias beneficiadas, ou seja, 60 x 7.574 (famílias beneficiadas), o que equivale à média de R$ 32.460 por associação anualmente. O resultado foi realizado pela quantidade de famílias cadastradas 7.976 x 350/14 (unidades de conservação). Como a APA do Rio não possui investimento nos componentes Renda e Social, não entrou na média.
JC – O que são as metas do milênio e qual a participação da Fundação para alcançá-las?
VV – O modelo de gestão da FAS é um arranjo institucional que está sendo estudado por outros estados para ser implementado. Alinhada com as atividades governamentais e as políticas públicas do estado do Amazonas, mas com a celeridade, o comprometimento e a transparência empresariais, a FAS coordena e implementa o maior programa de pagamento por serviços ambientais do mundo. Na esfera técnica, a FAS conseguiu aprovar o primeiro projeto de REDD de nível ouro dentro do CCB (Clima, Comunidade e Biodiversidade), o qual foi premiado como a melhor metodologia de monitoramento pela Rainforest Alliance. Os colaboradores da FAS são convidados para fazer parte dos mais diversos grupos de discussão, de trabalho e atividades, a exemplo dos grupos do mercado de carbono da ABNT/FIESP, de discussão da Câmara Técnica de Floresta do estado do Amazonas e do comitê de discussão para monitoramento comunitário do Google, dentre outros.
JC – Como surgiu o Bolsa Floresta Renda e quem é beneficiado?
VV – O Bolsa Floresta Renda surgiu da necessidade de investimento em atividades produtivas e extrativistas de forma coletiva (castanha, cacau, açaí, plano de manejo comunitário e pesca, dentre outras) que garantam a permanência da floresta em pé, ou seja, que não causem impactos negativos ao meio ambiente, principalmente que não provoquem fumaça e desmatamento. Todas as famílias moradoras e cadastradas no Bolsa Floresta são beneficiadas por esse programa.
JC – O que é o Bolsa Floresta Social? E o Bolsa Floresta Familiar?
VV – O Bolsa Floresta Social investe em quatro atividades (comunicação, saúde, transporte e educação) como forma de proporcionar aos moradores um atendimento mais rápido e eficiente com foco na gestão da própria comunidade. O Bolsa Familiar é o investimento depositado na própria conta da família como forma de garantir a participação e o compromisso dela na execução, planejamento e monitoramento do Programa Bolsa Floresta nas comunidades envolvidas.
JC – Esses programas contam com outras iniciativas que visam a fomentar a saúde, a educação e o desenvolvimento sustentável. Como isso funciona?
VV – Um dos programas complementares de maior impacto na FAS é o de educação. As miniuniversidades, construídas no meio da floresta, são denominadas de Núcleos de Conservação e Sustentabilidade (NCSs), que fazem parte dos Programas de Apoio do Programa Bolsa Floresta, executado pela FAS, com a missão de educar e gerar conhecimento para a melhoria da qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais, promovendo ainda a conservação ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais. Os Núcleos são centros de excelência educacional e oferecem, em parceria com a SEDUC, uma proposta com forte ênfase na prática, na produção local e na inovação alinhada com os saberes tradicionais locais. Os que estão localizados na RDS do Rio Negro, RDS do Juma, RDS do Uatumã e RDS do Mamirauá já estão em funcionamento e ainda existem três unidades em construção. Por meio dessa iniciativa, famílias residentes nessas reservas têm a oportunidade de darem continuidade a seus estudos sem saírem de suas comunidades, além de aprenderem conteúdos adequados à realidade local.
JC – Recentemente, a Fundação investiu na compra de rádios comunicadores para as comunidades. Qual é a importância dessa iniciativa para as diversas comunidades da Amazônia?
VV – Dentre as vantagens dessa ação, destacam-se a possibilidade do contato direto das unidades de conservação com as FAS e da melhoria de atendimento nos casos de emergência, a redução dos custos com logística e o esclarecimento de dúvidas, por exemplo, referentes aos cartões do Programa Bolsa Floresta, além de contribuir para o intercâmbio entre as comunidades.
JC – Qual tem sido o retorno de projetos como o REDD+, que visa a conter o desmatamento e suas respectivas emissões de gases de efeito estufa em uma área sujeita à grande pressão em função do uso da terra no estado do Amazonas?
VV – O projeto de REDD do Juma foi concebido em 2007. Foi o primeiro projeto de REDD certificado no Brasil e o primeiro no mundo a obter o nível ouro no padrão CCB. As discussões sobre REDD tiveram início na Convenção do Clima (COP), em 2005, na cidade de Montreal, no Canadá. Em 2007, com o Plano de Ação de Bali e o road map de Bali, o termo RED (redução de emissões por desmatamento) evoluiu para REDD (redução de emissão por desmatamento e degradação florestal). Em 2009, na Convenção do Clima de Copenhague, o REDD foi mencionado e referenciado dentro do acordo geral. Atualmente, fala-se de REDD+ (redução de emissões por desmatamento e degradação florestal e incremento de estoque de carbono por manejo florestal sustentável). Um projeto de REDD tem que implementar atividades de conservação das florestas nativas e melhoria na qualidade de vida das populações locais. Como exemplo, o programa de REDD, executado pela FAS, prevê tanto atividades de monitoramento e de apoio à fiscalização como a construção de bases de apoio em parceria com o governo do estado do Amazonas, compra de veículos, aquisição de combustível, treinamento de monitores etc., passando por atividades de educação ambiental aos comunitários locais e investimento e estruturação de cadeias produtivas sustentáveis locais, para possibilitar o incremento de renda das comunidades sem necessidade de destruir a floresta. As atividades de REDD desempenhadas pela FAS são realizadas em parceria com os comunitários. Em outras realidades, existem conflitos, caso o desenvolvimento do projeto não esteja alinhado com os principais atores e/ou caso esses atores sejam os principais vetores de desmatamento. Ou seja, suas atividades serão suprimidas pelas atividades do REDD, como, por exemplo, os madeireiros ilegais. O conceito do projeto REDD visa a reduzir o desmatamento. As análises preliminares mostram redução em queimadas e em desmatamento, nas áreas atendidas pelo Bolsa Floresta, em comparação com outras unidades de conservação. As unidades de conservação atendidas pelo programa apresentaram menores índices de fogo, em 2010, em relação a outras unidades de conservação estaduais (sem Bolsa Floresta) e federais no estado do Amazonas.
JC – Que outros projetos ou programas desenvolvidos pela FAS pode ser destacados?
VV – O Projeto de REDD do Juma foi o primeiro de REDD no mundo a ser certificado com o nível ouro dentro do padrão Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCB), em 2008. E, considerando as Américas, o projeto de REDD do Juma foi o primeiro a ser certificado. Depois de três anos, no entanto, existem outros projetos de REDD – verificar mais informações no Guia de projetos de REDD+ na América Latina no site da instituição. A FAS trabalha em três linhas: social, ambiental e econômica. No quesito ambiental, a FAS é reconhecida mundialmente por fazer trabalhos de conservação ambiental pelo controle do desmatamento. Neste ano de 2011, graças à parceria com a HRT, a FAS irá implementar, na reserva do Uacari, o Programa Bolsa Floresta + Biodiversidade (apelidado de “REDD++ Bio”). Em linhas gerais, essa atividade prevê o monitoramento de espécies-chave da fauna da reserva do Uacari – definidas em consultas com especialistas do mundo todo e em conversas com os comunitários –, treinamento de monitores locais para o acompanhamento dessas espécies e pagamento às famílias pela conservação da fauna. Em outras palavras: além de serem recompensadas pelo Bolsa Floresta por conservarem a floresta em pé, as comunidades, agora, também serão recompensadas por protegerem nossa fauna.
JC – Como surgiu a Universidade da Floresta e por quê?
VV – Como forma de criar uma iniciativa inovadora para as atividades de educação e extensão rural na Amazônia. Assim, surgiu a ideia de criar os Núcleos de Conservação e Sustentabilidade, que são um componente estratégico do processo de implementação do Programa Bolsa Floresta. Eles têm o papel de apoiar o Bolsa Floresta e, ainda, servir de aglutinador das ações da Fundação nas unidades de conservação do Amazonas. É, também, um espaço para apoiar a concretização de parcerias interinstitucionais direcionadas para o mesmo propósito.
JC – Em sua mensagem no Relatório de Gestão, o senhor afirmou que “o desmatamento não é fruto de burrice, de ignorância ou de estupidez. Trata-se de uma decisão racional movida principalmente por uma lógica econômica. Para alterar a lógica econômica do desmatamento, a floresta precisa valer mais em pé do que derrubada”. Como isso é possível?
VV – Já conseguimos fazer com que a castanha, por exemplo, na região do Madeira, salte de R$ 4 por lata para R$ 20. Isso é fruto de investimentos na cadeia produtiva da castanha, na melhoria da estrutura de coleta, secagem e armazenagem, o que possibilita a certificação orgânica. Outras iniciativas são referentes ao pirarucu e à borracha, nas quais se trabalha esse conceito de a floresta valer mais em pé do que derrubada, seguindo, ainda, a importância do desenvolvimento sustentável.