Estado de Direito e democracia, conflitos decorrentes da paternidade biológica e socioafetiva e seus reflexos no Direito a alimentos

1 de maio de 2014

Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, Professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Guanambi-BA

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Sumário: 1. Introdução. 2. Estado Constitucional e Estado de Direito. 2.1. Estado de Direito e Democracia. 3. Filiação em seus aspectos legais. 3.1 Análise Infraconstitucional. 4. Paternidade Biológica e Sócioafetiva. 5 Direito a Alimentos. 6. Direito Comparado. 6.1. Direito Espanhol. 6.2 Direito Italiano. 6.3 Direito Peruano. 6.4 Direito Alemão. 6.5 Direito Argentino. 6.6 Derecho Venezuelano. 7. Conclusões

1 – INTRODUÇÃO

Devemos, de início, ter em mente, que vivemos em um Estado Democrático de Direito, onde prevalece a tese de separação de Poderes, possuindo cada um funções e autonomias distintas.

A própria atuação estatal, por intermédio de seus Poderes contituídos tem o cóndão de implementar mudanças significativas, nas famílias, em seu conteúdo e forma. Tanto é verdade que no Brasil e em todo o mundo desenvolvido, não mais se percebe a existência daquela sociedade agrária, muito menos pacata, de tempos pretéritos, uma vez que ocorreu grandes mudanças no próprio conceito de família, sendo aquela decorrente das transformações econômicas, políticas, sociais e evolutivas do ser humano.

A interferência do direito parlamentar tem moldado uma nova família, reflexo das próprias transformações sociais ou imposição do Estado?

As novas relações familiares, com a adoção de conceitos como Direito das Famílias em substituição ao tradicional Direito de Família, tem reclamado atuações Legislativas mais intensas ou as próprias mudanças sociais tem levado a atuação do legislador no sentido de melhor espelhar as mudanças ocorridas no meio social?

Não pretendemos responder a todos esses questionamentos, de forma direta, pois distintos são os desafios com soluções a serem buscadas pelos juristas e estudiosos do tema na atualidade, sempre almejando uma forma de alcançar, por intermédio de regras legislativas e interpretativas, uma adequação capaz de solucionar os conflitos surgidos no dia a dia da sociedade, notadamente no que se refere as novas modalidades familiares surgidas e que aquelas que ainda estão por vir.

Por outro lado, não podemos esquivar da ideia que os direitos a alimentos são inerentes ao próprio direito a vida, uma vez que sem alimentação adequada nenhum ser humano consegue sobreviver, em especial quando conta com tenra idade, necessitando assim da intervenção de terceiros para seu desenvolvimento.

Como norma intrínseca aos direitos humanos, a alimentação é um direito de todos e conta com forte atuação estatal na sua regulamentação, visando proteger os filhos, garantindo seu desenvolvimento com a obrigação dos pais à prestação adequada, decorrente do vínculo parental biologico ou afetivo.

Nessa oportunidade vamos pontuar os fins do Estado Constitucional, sua atuação sob a égide democrática, buscando descrever os meios utilizados para regulamentação da paternidade biológica e sócioafetiva, sua visão na atualidade, bem como perceber a proteção que hoje é concedida pelo ordenamento jurídico brasileiro e estrangeiro, no que concerne aos filhos menores, em especial o reconhecimento do direito à paternidade e alimentos. 

2- ESTADO CONSTITUCIONAL E ESTADO DE DIREITO

Afinal de contas para que serve o Estado? Os fins do Estado é justificado por várias teorias, em destaque Stahl direciona-o como imprescindível à conservação das instituições; Hegel, à realização e aperfeiçoamento moral (Hegel), Locke e Kant destaca-o necessário à realização do direito (Locke e Kant), já Cristiano Wolff e Bentham à criação e asseguração da felicidade, destaca-se a teoria do materialismo histórico estalista, para a realização da igualdade econômica. E dentro do estrito formalismo o Estado como o “fim em si mesmo”, conforme Kelsen.

Aristóteles, por sua vez, foi um dos primeiros defensores da conhecida teoria da tripartição de poderes, conforme pontua Pedro Lenza1, “As primeiras bases teóricas para a tripartição de poderes foram lançadas na Antiguidade grega por Aristóteles, em sua obra Política, através da qual o pensador vislumbrava a existência de três funções distintas exercidas pelo poder soberano, quais sejam, a função de editar normas gerais a serem observadas por todos, a de aplicar as referidas normas ao caso concreto (administrativo) e a função de julgamento, dirimindo os conflitos oriundos da exeução das normas gerais nos casos concretos” .

As inúmeras teorias são apenas complementos, visto que o Estado sempre objetiva alcançar fins, pois se refere a uma categoria estruturante, o que faz surgir com o Estado o constitucionalismo escrito, que tem como princípio a racionalização e humanização, que se concretiza por meio da Declaração de Direitos da Virgínia, de 16 de junho de 1776, da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 17 de setembro de 1787, dentre outras.

Nas palavras de J.J. Canotilho2, “Estado de direito é um Estado ou uma forma de organização político-estadual cuja actividade é determinada e limitada pelo direito”.

O Estado de Direito concretiza-se com o constitucionalismo liberal do século XIX, onde encontramos como exemplo a Constituição Portuguesa, de 23 de setembro de 1822 e a 1ª Constituição Brasileira de 25 de março de 1824, dentre outras, trazem textos jurídicos com atividades que o poder estatal deve a elas se submeter.

Enfatiza-se a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de 04 de novembro de 1848, por pregar a liberdade, igualdade e a fraternidade, sendo a família, o trabalho, a propriedade e a ordem pública o alicerce no qual a República assume o dever de proteção ao cidadão, principalmente, no tocante à defesa do trabalho, que no mesmo século, foi fortalecido com o manifesto comunista de Karl Marx e os reflexos do cartismo na Inglaterra e à Comuna de 1871, na França, enfraquecendo o Estado Liberal.

A partir da Constituição de Weimar (1919), que serviu de modelo para inúmeras outras constituições do primeiro pós-guerra, e apresar de ser tecnicamente uma constituição consagradora de uma democracia liberal – houve a crescente constitucionalização do Estado Social de Direito impulsionou-se a partir da Constituição de Weimar (1919), que mesmo pregando uma democracia liberal, seu enriquecido texto a favor dos direitos sociais e da sua aplicabilidade pelas as instituições responsáveis trouxe uma importante contribuição para a transformação de ideais sociais em direito positivo, o qual foi solidificado com a inclusão na constituição de textos programáticos relativos a direitos sociais, econômicos, políticos e regras de participação da sociedade por meio da universalização do voto, aplicando, com isso, novas formas de exercício da democracia representativa, surgindo, assim, a idéia de Estado Democrático.

Com a implantação do Estado de Direito e a ideia do Estado Democrático de Direitos, que se deu com a positivação de regras sociais, surge o Estado Constitucional, o qual pode ser reconhecido como uma das grandes conquistas da humanidade.

O Estado de Direito é uma situação jurídica que se configura por meio da primazia da lei, é um sistema institucional hierárquico de normas que preserva a segurança jurídica e que se caracteriza na natureza das distintas normas e em seu correspondente espaço de validade; observância obrigatória da legalidade pela administração pública; separação de poderes com intuito de proteção à liberdade para garantir da liberdade e evitar abusos; controle de constitucionalidade das leis; e garantia dos direitos fundamentais vinculados à ordem constitucional; a submissão às leis promulgadas dos mandatários políticos eleitos.

2.1 – ESTADO DE DIREITO E DEMOCRACIA

A Democracia surge criando o Estado de Direito, que na visão de Thomas Jefferson os regimes democráticos se identificam com a soberania do povo, o governo do povo, pelo povo, ou seja, cria a ideia de que nenhum governante está acima do povo, por mais alto cargo que ocupe dentro da estrutura democrática o poder sempre emana do povo e deve por ele ser exercido, diretamente ou por intermédio de seus representantes eleitos.

Montesquieu evidencia que o povo não tem capacidade de discutir alguns assuntos, todavia exerce um talento para a escolha dos melhores representantes, isso se dá pelo conhecimento público social e pela confiança que os representados colocam nos seus representantes. Eleições livres é o sustentáculo da democracia, pois é por meio delas que se tem o resultado da competição.

Acerca do conceito inerente a democracia, pontua Norberto Bobbio3:

“Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais)que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos”.

Essas regras são denominadas por Bobbio como universais processuais.

Os princípios da maioria e os da minorias podem, em princípio, parecer opostos, mas, analisando-os detalhadamente são idênticos, pois são regidos pela proteção aos direitos fundamentais.

Governo da maioria objetiva-se em organizar o poder público, entretanto não deveir contra os direitos da minoria, pois estas, mesmo perdendo às eleições, possuem direitos fundamentais amparados constitucionalmente, pois somente assegurados, poderão participar e contribuir para o processo democrático de seu país.

A sociedade é formadora de sistemas políticos que atuam fortemente no modo de pensar dos indivíduos. É o meio eficaz de um povo de um país de grande extensão territorial e grande número populacional conservar, proteger seus direitos e de é escolher seus governantes de forma representativa, trabalhando em conjunto, principalmente, utilizando-se dos sistemas políticos.

A Constituição Federal Brasileira aborda no parágrafo único, do seu art. 1º, que a democracia é o governo do povo, ou seja, todo o poder emana do povo, exercendo-o por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição Federal. O povo é o primeiro titular do Poder Constituinte originário. Dessa forma, o povo é soberano, contudo deve delegar a soberania a seus representantes.

A Carta Magna segue o mesmo raciocínio de Thomas Jefferson, o qual evidenciava que os regimes democráticos ajustam-se com soberania do povo, governo do povo, pelo povo.

A Declaração dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas de 1948, em seu artigo 21 expõe que todo o homem tem direito de tomar parte no governo do seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos e que a vontade do povo será à base da autoridade do governo, esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto equivalente que assegure a liberdade do povo. Assim eleva a participação política a direito fundamental do cidadão.

O regime democrático dar-se-á, mais frequentemente, nos países desenvolvidos. A participação popular gera uma grau mais elevado de confiança e legitimidade e amplitude nas discussões e nas decisões do governo, e, ainda, uma maior fiscalização sobre estes. Aproxima-se o governo da população, com participação conjunta na escolha dos caminhos a serem seguidos pelo país. Essa proximidade ocorre, também, pela desenvolvimento análogo entre os direitos fundamentais e a democracia, pois um depende do outro para existirem.

Os Fundamentos do Estado Democrático Brasileiro estão elencados nos incisos do artigo 1º da Lei Suprema, já citados acima, que são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

A soberania, ressaltada constitucionalmente, dá ênfase a democracia quando proclama que o povo é o titular do poder, é um poder político, ilimitado e livre, que em âmbito internacional é independente e supremo.

A cidadania é uma qualidade do ser humano, incluem-se no seu significado os direitos fundamentais e a submissão do Estado à vontade popular.

A dignidade da pessoa humana está inteiramente ligada a moralidade, a liberdade e a espiritualidade do indivíduo, incluindo os direitos sociais básicos do indivíduo, devendo o Estado patrocinar recursos para a manutenção desses direitos.

3 – FILIAÇÃO E SEUS ASPECTOS LEGAIS

A filiação se apresenta como um vínculo existente entre as partes envolvidas, quais sejam, pais, mães e filhos, sejam aqueles biológicos ou sócioafetivos.

Na Constituição brasileira, em especial no capítulo VII, Título VIII, que trata das questões relacionadas a família, as crianças, filhos com idade mediana, filhos maiores, jovens e idosos, todos, merecem a proteção do Estado, que estabelece regras especiais para aplicação dos princípios constitucionais descritos na parte relativa aos Direitos Fundamentais.

É o que se extrai do comando contido no §6º do artigo 227 de nossa Carta Magna, in verbis:

Art. 227, 6° – Os filhos, havidos ou não pelo casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designaçõesdiscriminatórias relativas à filiação.”

O que se observa a partir da norma é que o princípio da igualdade juridica contempla todos os filhos, sem fazer qualquer distinção entre filhos legítimos, naturais ou adotivos, permitindo o reconhecimento do filho nascido for a do casamento e vedando qualquer discriminação pertinente a filiação.

Também se prioriza no artigo 1º, inciso III da Constituicão Federal o Princípio da Dignidade da Persoa Humana, sendo, pois, esse princípio:

Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.” (Alexandre De Morais, in Direito Constitucional).

Destacamos também o princípio da efetividade, que se traduz pelo impacto causado pelos resultados obtidos pelas decisões individuais. É diferente da eficácia, uma vez que aquela indica só uma possibilidade do que foi acertado, enquanto aquela se preocupa em apontar se ocorreu uma melhoria na prestação do serviço, sendo traduzida pelo impacto causado pela ação adotada. Assim, podemos dizer que a efetividade é a adição da a eficiência, ao passo que a eficácia somente se opera com o passar do tempo.

Uma vez que na Argentina não existem normas que regulam a filiação internacional, nos socorremos das regras de direito internacional para solução dos conflitos. Acerca do tema pontua Nieve Rubaja ao analisar o caso MJ-DOC-2739-AR/MJD 2739.

“Además, tampoco se cuenta con normas de fuente convencional que vinculen a la Argentina y México a fin de determinar el juez internacionalmente competente para entender en casos que se caractericen por tener lazos de proximidad con ambos países en la materia. Para integrar este tipo de lagunas, jurisprudencialmente suele recurrirse a la aplicación analógica de tratados celebrados por la República Argentina con otros países en la materia de que se trate, por lo que en el caso en estudio, se analizó la posibilidad de hacerlo mediante los Tratados de Derecho Internacional Civil de Montevideo de 1889 y 1940.

Aunque a tales efectos, deberá tenerse en cuenta que estos tratados fueron elaborados frente a una realidad distinta, tal como se señala en el fallo en análisis, la que actualmente se encuentra renovada culturalmente y por ello con distintos valores de los de entonces, reflejados nítidamente en los cambios sustanciales que ha experimentado el derecho privado de la filiación. Plasmándose uno de los mayores exponentes de tal circunstancia en la Convención sobre los Derechos del Niño, hoy de rango constitucional. Por lo que, tal como afirma el Dr. Boggiano, no debería realizarse una aplicación analógica sistemática, sin antes analizar si su aplicación se adecua a los nuevos valores y orientaciones materiales en cada caso.

En atención a que estos tratados carecen de normas específicas sobre jurisdicción en supuestos de impugnación de maternidad y filiación, en el caso en estudio se recurrió a la regla general de atribución de jurisdicción internacional contemplada en el art. 56 de los mencionados tratados, que dispone que las acciones personales deben entablarse ante los jueces del lugar a cuya ley está sujeto el acto materia del juicio y, a opción del actor, ante los jueces del domicilio del demandado. De la aplicación de este artículo se abre un abanico de foros posibles que podrían tener jurisdicción.”

Então podemos concluir que as normas de direito privado se sobressaem face às de direito público?

Nos parece que a resposta não pode ser tão simplista, una vez que temos que estudar o direito comparado, tratados internacionais e por fim estabelecer, em um caso concreto, qual é o melhor direito a ser aplicado em proteção do menor.

3.1- ANÁLISE INFRACONSTITUCIONAL

O atual Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.593, reconhece a possibilidade de parentesco e filiação, decorrente de outros critérios de ordem diversa da sanguínea, acobertando a possibilidade da paternidade sócioafetiva.

Nesse sentido, restou o enunciado nº 108 da Jornada de Dereito Civil reconhecendo que “não só o fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também a socioafetiva”. Disso não difere o enunciado 256: “A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”.

Desta feita, a presunção de paternidade asegurarada em lei não é somente a biológica, mas também a sócioafetiva, a decorrente de adoção, ou qualquer outra forma de se estabelecer vínculo jurídico entre pais e filhos, como ocorre com a infidelidade de uma esposa que teve seu filho registrado pelo marido, quando na verdade a fialiação biológica os une a terceiro.

Hoje temos uma paternidade biológica aferida com quase cem por cento de certeza, ao se realizar exames das moléculas de DNA do filho, pai e mãe, sendo certo que a recursa do pai de submeter ao exame, com a cessão de material genético, se transformou em prova inequívoca de paternidade em seu desfavor, redundando na edição do enunciado nº 301 da Súmula do Superior Tribunal de Justicia do Brasil, verbis:

Em ação de investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.

A presunção de paternidade do pai que se recusa a fazer a ceder material gemético para fazer o exame de DNA é portanto absoluta no sistema jurídico brasileiro atual.

4 – PATERNIDADE BIOLÓGICA E SÓCIOAFETIVA

O campo atinente ao direito das familias segue trazendo grandes discussões dentro do meio social e jurídico, notadamente no que se refe a paternidade biológica e socioafetiva.

Essa relação jurídica existente entre pais e filhos não se restringe somente ao vínculo biológico, mas também a afetividade dessa convivência diária.

A filiação socioafetiva surge da vontade de um individuo dedicar a outra pessoa afeto e cuidado como se seu filho fosse, não terminando somente um leque emocional de afeto, mas também de amor e solidariedade, sendo essa família tão real como a que une o pai a seu filho por laços sanguíneos.

Para que falemos de família é necessário falar de afetividade, vez que as noções dos institutos estão diretamente ligadas, conforme deixa claro Sílvio de Salvo Venosa4:

A afetividade é o sentimento norteador do direito das famílias, pois sem o afeto não subsiste mais qualquer família. A valorização da família é baseada no afeto que une os seus integrantes, ou seja, deriva da convivência familiar, e não propriamente do vínculo sanguíneo. Cabe frisar que o afeto não é fruto da biologia e tampouco nasce com a pessoa e, sim, é construído ao longo dos anos 76. Nesse sentido, o princípio da afetividade trouxe concretamente o estado filial caracterizado como posse de estado de filho, que significa o reconhecimento jurídico do afeto a fim de garantir a felicidade como um direito a ser alcançado. Assim, não se trata apenas de um laço que envolve os integrantes da família, mas, além disso, ganha contornos externos entre as famílias, isto é, humanidade em cada família no sentido de família humana universal. Por certo a família atual valoriza as relações de sentimentos entre seus membros, priorizando a eticidade, o companheirismo, as igualdades, menos regras e mais desejos concretos respeitados e alcançados no sentido de que o perfil da família ao menos em tese, se mostra voltado para o fim de realizar os interesses afetivos e existenciais dos seus integrantes. Significa, desse modo que a família deixou de ser instrumental para progredir ao fim de atingir o seu real conceito puro, qual seja, o amor ou o afeto que une cada membro”. VENOSA, Silvio de Salvo, Direito de Família – 9ª Ed.-São Paulo. Atlas, 2009.

Entre filiação bilógica e sócioafetiva não temos distinção final quanto à paternidade atribuída aos genitores, é em fim a possibilidade de cisão entre os conceitos de gentor e pai. Em determinados casos pode ser o biológico e em outros o afetivo que possui mais peso na definição da paternidade.

A própria jurisprudência tem caminhado nesse sentido ao definir: “Quem, sabendo não ser o pai biológico, registra como seu filho de companheira durante a vigência da união estável, estabelece uma filiação sócio-afetiva, que produz os mesmos efeitos que a doação, ato irrevogável” (TJ/RS, Ac. 4º Grupo de Câm. Cívs., EI599.227.365, rel. Desa. Maria Berenice Dias, j. 21.10.99).

Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também ‘parentescos de outra origem’, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural.

Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente, isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guiada no direito de família, assim os demais vínculos advindos da filiação.

Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no Sistema Jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os dezessete anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares” (STJ, Ac. Unânime. 3ªTurma, REsp.1000356/SP, Re. Min. Nancy Andrighi, j. 25.5.10, DJe 7.6.10).

5- DIREITO A ALIMENTOS

O dever do ser humano alimentar sua prole decorre do direito natural, pois assim como todos os animais alimentam seus filhos até que aqueles consigam por esforço próprio conseguir seu sustento, os humanos também o fazem, objetivando o regular desenvolvimento dos filhos e consequente continuidade da espécie.

A diferença que ocorre em matéria de alimentos é a ponderação que se estabelece entre necessidade e possibilidade econômica, estabelecendo o legislador que enquanto o infante necessitar dos alimentos e o provedor tenha condições de prestá-lo está encarregado desse dever.

Sua finalidade principal consiste em permitir ao alimentando, por intermédio de seus parentes próximos, como pai, mãe, irmãos, avós, etc. prover-se da verba alimentária em sentido amplo, consistente no implemento de um determinado valor mínimo, em dinheiro ou bens para satisfazer as necessidades daquele que não dispõe de meios adequados para se alimentar sozinho.

O direito a alimentos, é em verdade, um direito fundamental de todos os indivíduos, persistindo a obrigação dos parentes em provê-los enquanto houver necessidade daquele para sobreviver.

Renato Rabbi-Baldi Cabanillas5 qualifica os direitos a alimentos na categoria dos direitos naturais, in verbis:

“Siguiendo a HERVADA, los derechos naturales observan una doble dlasificación. En primer término, se trata de títulos “originários” y títulos “subsiguientes”. Los primeros son aquellos “que proceden de la naturaleza humana considerada en sí misma y, por tanto, son proprios de todos los hombres en cualquier estadio de la historia humana”. Y ejemplifica: tanto el derecho a la vida como su derivado el derecho a medicarse para conservarla, son derechos originarios. A su vez, los segundos son los que “dimanan de la naturaleza humana en relación a situaciones creadas por el hombre”, como, por ejemplo, la legítima defensa, pues no es proprio del ser del hombre el ataque injusto a la vida de otro, ya que ello, por una parte, destruye un bien aqjeno y, por otra, disminuye a quien realiza tal injusto. De ahí que, como expresa el autor citado, “supuesta la situación de ataque creada por el hombre, aparece la defensa como manifestaciónm subsiguiente del derecho a la vida”.

La segunda clasificación concierne a los títulos “originarios” los que se dividen en “primarios” y “derivados”. Los derechos naturales primarios son “aquellos que representan los bienes fundamentales de la naturaleza humana y los corresponden a sua tendencias basicas”, como lo es el derecho a la vida, en tanto que los derechos naturales dereviados, como su nombre lo indica, “son manifestaciones y derivaciones de un derecho primario”, como lo son los derechos a medicarse e o alimentarse, en tanto derival de derecho a la vida.”Renato Rabbi-Baldi Cabanallas, Teoría del derecho, 2ª ed. Buenos Aires: Ábaco de Rodolfo Depalma, 2009.

6– DIREITO COMPARADO

As legislações estrangeiras, mesmo que de modo diverso, seguem os pincípios comuns de estabelecimento de equidade de direitos dos filhos a reclamar alimentos e rejeitam qualquer discrimação entre eles, sejam decorrentes de origem, vínculo genético ou qualquer outra forma que produza parentesco com seus pais.

O direito estrangeiro, como se pode constatar, através de suas reformas legislativas procurou proporcionar maiores possibilidades e facilidades para a discussão judicial do tema.

Em matéria pertinente ao direito de família, no que toca a filiação esta está em pleno desenvolvimento em todos os países civilizados, ponderando que seria injusto tratar somente da paternidade biológica como meio predominante de se estabelecer relações de parentesco e deveres desta decorrentes, tendendo a traçar normas positivas com claro e enequívoco viés de proteção aos filhos, imputando aos pais o dever de prestar toda a asistência material e afetiva aos seus parentes mais próximos, pouco importanto se esse vínculo é sanguíneo ou de qualquer outra natureza.

6.1- DIREITO ESPANHOL

Com o advento da Lei n° 11, de mayo de 1981, o Código Civil Espanhol foi modificado, e resta escrito em seu artigo 131 que existindo intereresse legítimo, qualquer perssoa em direito de ação, com os fins de declarar a filiação aclarada pela constante posse de estado, salvo se a filiação reclamada contrariar outra legalmente determinada. Como o direito de ação pertence ao próprio Estado, essa ação de investigação possui caráter de imprescritibilidade, mas somente pode ser ajuizada pelo pai, mãe ou filho, de acordo com o artigo 132, , alínea 1 do Código Civil Espanhol.

6.2- DIREITO ITALIANO

De acordo com o artigo 269 do Código Civil Italiano de 1942, restou estabelecido que a posse de estado do filho é pressuposto para a declaração de uma paternidade Natural. Entretanto, a lei n° 151, de 19 de maio de 1975, alterou de forma significativa o direito de família italiano, causando uma revogação do artigo citado, trazendo mudanças de caráter substanciais.

A atual lege italiana descreve a posse do estado de filho como uma consequência lógica no que concerne aos vários casos concretos, decorrentes das várias relações existentes entre as pessoas e as formas de filiação que são atribuídas.

Os tribunais italianos têm firmado em suas jurisprudências que o princípio do direito do pai biológico em reconhecer seus filhos é absoluto, afastando a possibilidade de se falar em decadência ou prescrição desse direito, ressalvando que para o reconhecimento da paternidade se leva em conta, em primeiro lugar a teoria biologista, atendendo a necessidade maior do filho.

6.3 – DIREITO PERUANO

O artigo sexto da Constituição Peruana, consagra o desejo de ser pai com o correspondente componente socioafetivo, quando explicita:

“La política nacional de población tiene como objetivo difundir y promover la paternidad e maternidad responsables”.

A chamada paternidade responsável significa que o vínculo existente entre pais, mães e filhos, supera o aspecto biológico, vez que contempla também a possibilidade de se abarcar essa responsabilidade por meio da paternidade socioafetiva.

6.4 – DIREITO ALEMÃO

No direito alemão destacamos a decisão tomada pelo Tribunal Constitucional no ano de 1994, recononhecendo nitidamente o direito a a personalidade, com consequente direito de reconhecimento das origens genéticas, sem contudo gerar qualuqer efeito nas relações de parentesco. Reconheceu que assiste razão a todo ser humano conhecer seu vínculo genético, decorrente do dereito da persso, como informação imprescindível para efeitos cidadania, necessidades psicológicas ou para fins de tratamento médico.

6.5 – DIREITO ARGENTINO

Acerca do direito Argentino, pontua a professora Drª Luciana Scotti, in verbis:

“Nuestro país no posee normas de fuente interna, es decir, de rango legal, que regulen em especial el régimen internacional de las obligaciones alimentarias. La única norma de Derecho Internacional Privado que encontramos directamente vinculada al tema que nos ocupa es el artículo 162 del Código Civil, que regula las relaciones personales entre cónyuges, y dispone que el derecho a percibir alimentos y la admisibilidad, oportunidad y alcance del convenio alimentario, si lo hubiere, se regirán por el derecho del domicilio conyugal (el domicilio efectivo, entendiéndose por tal el lugar donde los mismos viven de consuno). El monto alimentario se regulará por el derecho del domicilio del demandado si fuera más favorable a la pretensión del acreedor alimentario.

Possegue la maestra, “… Finalmente, cabe señalar que la Argentina no ratificó las convenciones que en la materia elaboró la Conferencia de Derecho Internacional Privado de La Haya. Nos referimos a la Convención de 1958 sobre reconocimiento y ejecución de las decisiones judiciales, en materia de obligaciones alimentarias hacia los hijos, a la Convención 1956 sobre la ley aplicable a las obligaciones alimentarias hacia menores, a la Convención de 1973 sobre el reconocimiento y la ejecución de las decisiones judiciales relativas a obligaciones alimentarias en general, y a la Convención del mismo año sobre la ley aplicable a las obligaciones alimentarias en general.”

6.6 – DIREITO VENEZUELANO

No direito venezuelano a filiação materna resulta do nascimento e se prova com a acta de la declaración de nacimiento inscrita em los libros del Registro Civil, com identificación de la madre, conforme artigo 197 do Código Civil daquele país.

A falta de possessão do estado de filho por ocasião do nascimento, ou quando o filho foi inscrito com falsos nomes, ou como nascido de pais incertos, e ainda quando se trata de suposição ou substituição de parto, a prova de filiação materna pode efetuar-se na ata de nascimento conforme com o atual estado de possessão.

Admite-se a prova testemunhal somente quando existe um princípio de prova escrita ou quando as presunções e indícios resultantes de fatos comprovados sejam bastante graves para determinar a admissão como estado de possessão do filho. Esse princípio de prova escrita resulta de documentos de família, registros e de cartas privadas dos pais, atos privados ou públicos provenientes de uma das partes empenhadas em la litis, ou de pessoas que comprovarem interesse na demanda.

7– CONCLUSÕES

Decorrente do nosso pequeno estudo, fica claro que a função normativa do Estado é inerente à sua própria organização, trazendo reflexos na vida dos cidadãos por intermédio das diversas normas de direito público e privado, objetivando regular as relações de parentesco existentes entre os indivíduos, estabelecendo direitos e deveres inerentes a esse vínculo, para ambas as partes.

Observamos, também que a filiação foi muito mais a frente do que propunha os critérios biológicos (sanguíneos), consistentes, doravante em verdadeira função que exercem os envolvidos nessa relação de parentesco, sejam eles, pais, mães ou filhos, propondo estabelecer o vínculo biológico, adotivo ou sócioafetivo como autênticas formas de filiação com reflexos de responsabilidades no campo ético, emocional e patrimonial.

O critério afetivo delimita o vínculo que torna singular a união entre pai e filho, sem exigir qualquer apego ao fator biológico, não devendo também se fundar unicamente em critérios econômicos – casos em que se busca o reconhecimento da afetividade como uma forma de, somente, ensejar uma posibilidade de prestação alimentícia ou mesmo direito a sucessão, por exemplo.

O marco divisório que promove o reconhecimento do afeto, que por um tempo razoável, une dois ou mais seres humanos, faz com que entre eles sobrepese o amor e respeito, consagrando o reconhecimento do parentesco e as obrigações decorrentes desse laço afetivo.

Observamos que, com o avanço da ciência a certeza de paternidade biológica está cada vez mais próxima de ser alcançada por todos, traduzindo um conceito universal e cientifico. Todavia, a paternidade sócioafetiva vem ganhando, a cada día, mais respeito dentro da doutrina e jurisprudência de todos os tribunais pesquisados.

O que passa ao final é que a exata noção do que representa a familia para o ser humano, enquanto espécie, consiste no legado de deixar a cargo do indivíduo buscar seus laços genéticos ou simplesmente permanecer com os parentescos decorrentes da paternidade sócioafetiva.

Sabemos que a filiação não gera somente direitos, como guarda e direitos de visitas, mas também afeto, carinho, atenção e também obrigações como aquelas decorrentes do dever alimentício.

Concluímos, portanto que a fililação, é desse modo, algo que transcende o Direito Objetivo escrito ou baseado em costumes, mas busca incessantemente estabelecer laços afetivos entre as pessoas, baseado em outros critérios como afeto, amor, respeito, divisão de ideias, comunhão de interesses, etc., trazendo o verdadeiro sentido de família em sua forma originária, consistindo em união de pessoas por seus diversos vínculos e a própria continuidade da espécie humana.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, ob. Cit. pg. 337

2Estado de direito. Joaquim José Gomes Canotilho. http://www.libertarianismo.org/livros/jjgcoedd.pdf

3Norberto Bobbio, O futuro da Democracia.. Op. Cit. pg. 18

4Venosa, Sílvio de Salvo, Direito de Família, op. Cit. pg. 156

5Renato Rabbi-Baldi Cabanilas, Teoria del derecho, 2ª Edição, op. Cit. pg. 141