Espaço (e valorização) para elas

10 de dezembro de 2019

Compartilhe:

Nesta edição, em que destacamos a histórica eleição da juíza Renata Gil à presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), peço licença para fazer algumas considerações. Sim, “licença” por estar aqui falando em nome delas. E também destaco, nesse contexto, outra palavra que usei: “histórica”, por ser esta a primeira vez que uma mulher é elevada ao cargo máximo da mais importante entidade da magistratura brasileira. E por essa via, da discussão da excepcionalidade, é que seguem minhas considerações sobre o espaço e a valorização da mulher em nossa sociedade.

Quando se fala em “empoderamento feminino” sempre reflito sobre o quanto ainda falta caminharmos para ampliar o espaço de valor hoje destinado às mulheres. Não estou falando de cotas ou de qualquer outro recurso “legal” que garanta seu direito a presença e/ou liderança em qualquer atividade profissional ou social. Para tentar mensurar esse trajeto, que creio ser ainda muito longo, trago primeiro uma explicação. A Organização das Nações Unidas, mais exatamente a ONU Mulheres, em seus sete Princípios de Empoderamento das Mulheres, estabelece que “Empoderar mulheres e promover a equidade de gênero em todas as atividades sociais e da economia são garantias para o efetivo fortalecimento das economias”.

Agora, vamos aos números.

Um estudo da Grant Thornton, denominado “Women in Business 2019” mostra que o Brasil é o 10o país com mais empresas que têm mulheres líderes. De acordo com os entrevistados, esse avanço se deve à maior preocupação das empresas com o acesso igualitário a oportunidades de trabalho. Apesar disso, as mulheres estão mais presentes em cargos de apoio (RH, marketing e finanças) e menos nos postos executivos (CEOs). No Poder Judiciário brasileiro, mais exatamente na carreira da magistratura, as mulheres representam menos de 35% dos juízes de 1o e 2o grau. Os números são de uma pesquisa recente da AMB. Dos 2.975 magistrados de 1o grau consultados, apenas 36,7% são mulheres. E, no 2o grau, somente 21,2% são mulheres. Nos Tribunais Superiores, as mulheres são apenas 18,5% do total de ministros. Na política não é diferente. Na última eleição nacional, em 2018, foram escolhidas 77 deputadas federais, contra 51 em 2014, um aumento de 50%. Sim, houve uma ampliação, mas não dá para dizer que é uma conquista. No Senado, a bancada atual soma 12 mulheres de um total de 81 cadeiras (15%). Atualmente, o País ocupa a 156a posição, de um total de 190 países, no ranking mundial de presença feminina em Parlamento.

O tema da presença feminina nos espaços de poder político e da OAB também é alvo de artigo publicado nesta edição e assinado por Ana Tereza Basilio, vice-presidente da OAB-RJ, e Barbara Ewers, da Associação das Mulheres Advogadas da Zona Oeste do RJ.

Em resumo, apesar dos avanços, a desigualdade ainda impera. O que nos leva a uma questão sensível que é, também, um fruto desse histórico desequilíbrio: a violência contra as mulheres – tema que também foi alvo de reportagem nesta edição, em entrevista com a juíza Ana Luísa Schmidt Ramos, autora de livro sobre o tema do abuso psicológico sofrido nos casos de violência doméstica. Publicado em fevereiro deste ano, um levantamento do Datafolha para a ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) trouxe números recentes sobre isto. Nos 12 meses anteriores ao período de realização do estudo, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, enquanto 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. Desse total de vítimas da violência, 42% afirmaram que o (s) episódio (s) ocorreu (ram) no ambiente doméstico, sendo que 52% das vítimas não denunciaram seus agressores, que são, em 76,4% dos casos, uma pessoa de seu convívio.

De acordo com estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), a cada dez feminicídios registrados em 23 países da região em 2017, quatro ocorreram no Brasil. Naquele ano, pelo menos 2.795 mulheres foram assassinadas, das quais 1.133 no Brasil. De lá para cá esse número cresceu 4%, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Não tenho dúvidas em apontar o único culpado para toda a desigualdade que mencionei até aqui: o machismo arraigado em nossa sociedade. Também tenho números para isso: em parceria com o IBOPE, a Skol encomendou uma pesquisa sobre o tema. Embora sejam dados de 2017, imagino que não estejam desatualizados. Infelizmente. Basta ler as centenas de comentários que inundam postagens sobre assassinatos/estupros nas redes sociais para entender que nada mudou: “ela mereceu”, “não se deu ao respeito”, “quem mandou sair vestida assim?” – e muitos são escritos por mulheres. O levantamento Skol/IBOPE mostrou que, das 2.002 pessoas entrevistadas, entre homens e mulheres, apenas 17% se declaram preconceituosos, mas 72% já fizeram pelo menos um comentário machista, homofóbico ou racista. Outra pesquisa, do Instituto Avon e Data Popular, entrevistou 2.046 jovens brasileiros. Nada menos que 78% das mulheres consultadas nesse grupo relatam já ter sofrido algum tipo de assédio. E, como eu disse, machismo não é só do “macho”: 42% das entrevistadas reprovam uma mulher que fique com muitos homens.

Se esses dados ainda não são suficientes para compreender o cenário, finalizo com mais um estudo, cujos números traduzem que a desigualdade de gênero afeta a todos igualmente, por ser prejudicial à economia de um modo geral. O mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostrou que a riqueza total no mundo teria uma alta de 14% se fosse alcançada a igualdade salarial entre homens e mulheres. Globalmente, para os 141 países analisados, a perda em riqueza de capital humano devido à desigualdade de gênero é estimada em US$ 160 trilhões, cerca de duas vezes o valor do Produto Interno Bruto (PIB) global. Em síntese, não se trata apenas de conquistar mais espaço. As mulheres precisam ter mais garantias sociais para que possam buscar por si próprias a valorização que merecem. O caminho é longo, mas cabe a cada um de nós pavimentá-lo diariamente com ações de cidadania e justiça social.