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Perspectivas sobre a Reforma Agrária e a regularização de terras no Brasil

7 de junho de 2024

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Presidente da Comissão Especial de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB, Antonio Augusto de Souza Coelho

A Comissão Especial de Direito Agrário e do Agronegócio da Ordem dos Advogados do Brasil promoveu, em parceria com a Revista Justiça & Cidadania, o seminário “A Reforma Agrária e a regularização de terras no Brasil”, com o objetivo de aprofundar as discussões sobre o Decreto 11.995 de 2024. Em vigor desde abril, o decreto do Governo Federal instituiu o programa “Terra da Gente” cuja meta é encontrar alternativas legais para a aquisição e a disponibilização de terras no âmbito da Política Nacional de Reforma Agrária. 

Realizado em Brasília no mês de maio, o debate contou com a participação de especialistas na área como o Presidente da Comissão Especial de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB, Antonio Augusto Coelho; o Diretor-Geral do Instituto Pensar Agro, Geraldo Melo Filho; e a Conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Daniela Madeira. 

“O que falta para o Brasil é gastar dinheiro para financiar a produção dessas famílias, criando assim uma nova classe média. Essa seria a grande reforma e uma nova revolução econômica do Brasil”, defendeu o Presidente do Instituto Pensar Agro, Nilson Leitão, que também participou do evento. A análise de Leitão é de que a atual Política Nacional de Reforma Agrária não aloca os recursos de maneira eficiente e que estimula a produtividade das terras rurais. 

“Atualmente muitos assentamentos não têm acesso à crédito para produzir. Essa questão só será resolvida quando os Três Poderes estiverem sentados à mesa e discutindo com transparência. A forma como a Reforma Agrária é debatida atualmente não gera resultados positivos”, afirmou.

Infraestrutura fundiária – O Diretor-Geral do Instituto Pensar Agro, Geraldo Melo Filho, também criticou a Política Nacional de Reforma Agrária e apontou que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) administra mais de 9 mil assentamentos no país. 

Ele, que é ex-Presidente do Incra, explicou que, no passado, o Governo Federal implementava políticas públicas fundiárias voltadas para a colonização e para a ocupação de terras,  com foco em atender grandes obras de desenvolvimento e por questões de soberania. A partir de 1985, no entanto, o enfoque mudou para os projetos de Reforma Agrária e de regularização fundiária das ocupações em terras da União, no âmbito da Amazônia Legal, baseados na Lei 8.629/1993 e na Lei 11.952/2009. 

“Foram identificadas 166 mil posses dentro do território da Amazônia, das quais 88% se enquadravam como pequena propriedade”, comentou sobre o período em que esteve no Incra. De acordo com Geraldo Filho, esse é o público atendido pela regularização fundiária. “93% dessas áreas tinham ocupação anterior a 2008, ou seja, antes da Lei 11.952/2009. Não é uma ocupação nova”, alertou.

Outro problema a ser enfrentado é o processo de seleção da Política Nacional de Reforma Agrária, que atualmente tem sua eficiência medida pela quantidade de novos assentamentos e pelo número de famílias assentadas. Para Melo Filho, o critério correto para seleção deveria ser o da aptidão para produção rural. O especialista aponta, ainda, para a necessidade de escolher terras mais adequadas, produtivas e de maior diálogo do Incra com os municípios, responsáveis por prover infraestrutura, educação, saúde e assistência social para os assentados.

“Segundo o Censo Agropecuário 2017, do IBGE, a renda média mensal da produção agropecuária gerada por uma família assentada é de R$453, ou seja, 0,53 salários mínimos. Esse é um resultado trágico. É muito difícil imaginar que apenas a distribuição de terra eliminará o conflito social e resolverá a falta de produtividade. Sem ajudar essas famílias a produzir, o distensionamento jamais acontecerá”, afirmou. 

Solo Seguro – A Conselheira do CNJ Daniela Madeira relembrou sua atuação como Juíza Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça na elaboração do programa Solo Seguro. O projeto foi instituído pelo Provimento 144/2023, do CNJ, com o objetivo de coordenar e dar celeridade às medidas relativas à regularização fundiária na Amazônia Legal.

“A ideia de fazer o provimento surgiu após o CNJ verificar alta ocorrência de grilagem de terra nos nove estados da Amazônia Legal. Quando não se sabe quem é o dono da terra, a grilagem se torna comum, normalmente começando com desmatamento, seguido da titulação”, explicou a conselheira. Para ela, a regularização fundiária “traz segurança jurídica, estimula o investimento, a inclusão social, a arrecadação de impostos e o fator mais importante: o ordenamento territorial”.

A análise da conselheira é de que a ação da Corregedoria Nacional de Justiça buscou incentivar as Corregedorias dos tribunais estaduais a serem mais ativas no diálogo institucional com órgãos municipais e federais, dentre eles: a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, o Incra e o próprio Ministério do Meio Ambiente. “As Corregedorias dos estados da Amazônia Legal estavam acostumadas a tomar decisão administrativa, mas não a dialogar com os prefeitos sobre a titulação de terras e sobre a fiscalização dos cartórios. A partir desse diagnóstico, surgiu a ideia das Corregedorias da Justiça estadual atuarem mais ativamente, a partir da criação de núcleos de diálogo para acompanhar e garantir o registro dos títulos na Amazônia Legal”, contou.

A conselheira defendeu também a importância da criação da Semana Nacional de Regularização Fundiária cujo objetivo é estimular a titulação das terras. Durante a edição de 2023, foram entregues 31 mil títulos nos nove estados da Amazônia Legal. “O CNJ tem um papel importante na regularização fundiária. O programa Solo Seguro é um pontapé inicial para gerar a discussão entre as partes envolvidas no processo e, assim, evitar a judicialização”, alertou a conselheira. 

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