Por uma magistratura do trabalho mais independente e fortalecida

12 de julho de 2023

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No último dia 24 de maio, assumi a Presidência da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entidade com quase 47 anos de história em defesa dos interesses e das prerrogativas da magistratura trabalhista, da Justiça do Trabalho, do Direito do Trabalho e da dignidade como fundamento inabalável das relações de trabalho.

O exercício da magistratura e a participação no movimento associativo são dois aspectos da minha vida que sempre estiveram lado a lado, nos meus 25 anos de carreira dedicados ao Tribunal Regional do Trabalho da 6a Região, em Pernambuco.

Um dos maiores desafios postos ao assumir a Presidência da Anamatra é o de resgatar o sentimento de pertencimento à magistratura trabalhista nacional.

Os ataques à Justiça do Trabalho, pelo simples cumprimento da sua missão de trazer maior equilíbrio às relações de trabalho e as reiteradas decisões que retiram sua competência, prevista no art. 114, I da Constituição, de analisar a existência ou não de vínculo de emprego, trazem abalos institucionais e ameaçam a higidez da carreira da magistratura trabalhista.

Além disso, há discrepâncias remu­neratórias injustificáveis entre os segmentos da magistratura considerando outras carreiras federais, sendo a magistratura trabalhista, atualmente, a mais fragilizada do País. A magistratura do Trabalho não é menor, nem pior e, nesse contexto, deve ter tratamento isonômico em relação às demais magistraturas e carreiras, sobretudo as federais. A crise econômica existe, sabemos, e é mundial, mas estamos tratando de assimetrias internas e reais, que abalam o equilíbrio entre as carreiras típicas de Estado e quebram a unidade da magistratura, de forma absolutamente inconcebível e inconstitucional.

Quando a carreira da magistratura passa a ser desinteressante ou pouco atrativa, corre-se sério risco de se perder os melhores quadros e de se abalar a própria democracia.

Exemplos disso são colegas da magistratura inscritos em outros concursos federais e os próprios concursos para a magistratura federal, com a diminuição não só no número de inscritos, como também, abstenção para a realização do certame, na casa de 20%.

Fala-se de exigências exacerbadas para o cumprimento de metas, fixadas, por vezes, mediante métodos gerencialistas e que priorizam a produtividade numérica, sem considerar as condições de trabalho e que não aferem a justiça real, que pode trazer verdadeira transformação social, além da utilização do sistema de metas como instrumentos de pressão e de adoecimento físico e mental. Queixa-se, ainda, das campanhas de conciliação e execução com percentuais inatingíveis, da ausência de autonomia dos tribunais e das próprias corregedorias regionais, entre outras situações, que trazem instabilidade organizacional e abalos ao meio ambiente de trabalho.

Aponta-se para as frequentes tentativas de invasão na autonomia do juiz, como para designar suas pautas e determinar o tipo de audiência, de acordo com a análise de cada caso e complexidade da matéria.

O cenário atual é altamente preocupante. Mais do que um predicado da magistratura, a independência do juiz, é, sobretudo, uma garantia da sociedade e sua mitigação coloca em risco o Estado Democrático de Direito, pois as instâncias do Poder Judiciário, acuadas ou vítimas de ameaças explícitas ou veladas, têm dificultada a tarefa de pacificar os conflitos sociais e de atender com imparcialidade e serenidade aos que procuram o Poder Judiciário.

Ao juiz cabe agir com a sua consciência observando as leis e a Constituição, não podendo sofrer interferências indevidas, de qualquer ordem. Cada processo tem vidas e histórias e não significa apenas um número a mais ou menos na taxa de congestionamento nos tribunais.

Deve-se também encontrar um ponto de equilíbrio com o uso das tecnologias. E aqui faço um esclarecimento público: a Anamatra jamais defendeu a virtualização da Justiça. Defende-se a Justiça presencial, mas sem interferências descabidas no modo da organização dos serviços e com todos os atores na vara, e não só o juiz, como tem ocorrido, com o afastamento dos abusos que têm sido verificados nas audiências virtuais, verdadeiros desrespeitos à magistratura e à necessária formalidade dos atos processuais.

Temos que pensar na Justiça que queremos e reafirmar a nossa relevância para a sociedade. A tecnologia pode e deve ser utilizada como ferramenta de acesso à Justiça, para dinamização dos atos processuais e para evitar o adiamento de audiências, mas não pode servir a comodidades, sendo inadmissível que, sem qualquer fundamento de ampliação do acesso à Justiça, partes e testemunhas estejam sendo afastadas dos fóruns para que a produção de provas seja realizada a partir de outros locais.

Assumir a Presidência da Anamatra no atual momento é um ato de coragem e de imensos desafios. O momento pelo qual atravessa a magistratura federal e, em especial, a magistratura do Trabalho é, sem sobra de dúvida, um dos mais difíceis dessa quadra da história. Daí a importância desse resgate do sentimento de pertencimento à magistratura trabalhista nacional.

O cenário da magistratura trabalhista e da Justiça do Trabalho exige total atenção e dedicação da Anamatra. Além de ameaças de extinção da Justiça do Trabalho, vivemos às voltas com a possibilidade de cortes orçamentários desproporcionais e que prejudicam a estrutura do judiciário trabalhista.

Devemos participar ativamente das discussões que afetam diretamente o mundo do trabalho. Isso não é direito dos outros, mas o nosso material de trabalho e que pode nos impactar muito diretamente, como a regulação do trabalho em plataformas digitais, que inclui milhões de pessoas no Brasil e pela qual deve-se garantir a proteção laboral, além da inafastável competência da Justiça do Trabalho, de acordo com a Constituição.

Vivemos os riscos da sociedade 4.0 e temos que estar atentos para os impactos nas profissões e no mercado de trabalho. Recentemente a Unesco divulgou recomendação sobre ética da inteligência artificial, com preocupações sobre o aprofundamento das desigualdades e redução das oportunidades. Vemos a extinção de profissões e o aparecimento de outras, novas formas de trabalho e o uso da tecnologia para quase todas as atividades.

O Brasil apresenta índices de desemprego e de informalidade altíssimos e isso também nos interessa. Podemos citar as várias violações de direitos humanos e a necessária proteção das mulheres, jovens, migrantes, negros, idosos e de todos aqueles que sofrem discriminações, violências e exclusões no mercado de trabalho, sendo o papel da Justiça do Trabalho essencial para garantir os direitos fundamentais e sociais no País.

São inegáveis os direitos garantidos à população em decorrência das decisões da Justiça do Trabalho, como, por exemplo, a proteção do meio ambiente de trabalho de gestantes, lactantes e demais trabalhadores no auge da pandemia – o que, inclusive teve o reconhecimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em recente publicação sobre a atuação das justiças com jurisdição laboral mundial – dos acidentados e vítimas de doenças ocupacionais, de ampliação do acesso à Justiça – mesmo em período anterior à declaração de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, de alterações legislativas que impuseram custos desproporcionais aos trabalhadores no Processo do Trabalho – e as inúmeras decisões proferidas nas últimas eleições, para coibir o assédio eleitoral.

A Justiça do Trabalho, apesar de todas as dificuldades, segue com sua eficiência comprovada, sendo considerada a mais célere do País pelo “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com quantidade expressiva de conciliações, elevado número de pagamento aos jurisdicionados e significativos montantes arrecadados, cumprindo seu relevante papel institucional e social.

As carreiras típicas de Estado não podem sofrer desproteção, desconstrução, viver sob insegurança ou instabilidade. Assim, há que se ter maior atenção aos movimentos que tentam diminuir ou retirar a competência da Justiça do Trabalho, enxugar sua estrutura, reduzir seu orçamento ou esvaziar, de alguma forma, sua relevância e destaque na sociedade como justiça social.

Ainda nesse contexto, impõe-se a contínua luta pela democratização do Poder Judiciário, dando prosseguimento à discussão de importantes questões, como a forma de acesso aos tribunais, modificação dos critérios de escolha dos ministros do STF e participação dos juízes vitalícios de primeiro grau na eleição dos membros que compõem a administração das cortes regionais.

De idêntica forma, há que se perseguir a melhoria das varas do Trabalho, notadamente no que respeita à suficiente quantidade de juízes e servidores, além de investimentos na área de informática, entre outros, a fim de que o jurisdicionado continue recebendo prestação jurisdicional adequada.

Os desafios são muitos, mas assumi o compromisso de trabalhar com total dedicação, seriedade, diálogo, lealdade e transparência, sobretudo para dar respostas adequadas à construção de políticas que melhorem as condições de trabalho, o funcionamento do judiciário trabalhista e, também, para o restabelecimento da equidade remuneratória da magistratura trabalhista em relação aos demais ramos do Poder Judiciário, a fim de atender a todos os segmentos da carreira, para que nenhum deles sinta-se excluído ou prejudicado.

A destinação de todo esse empenho e dedicação não é outra, senão o benefício da própria sociedade que, ciente de seus direitos, não pode prescindir de uma magistratura trabalhista mais independente, fortalecida e de uma Justiça célere, eficaz e que garanta, de forma adequada, o acesso à Justiça e o reconhecimento dos direitos sociais, fundamentais e humanos das cidadãs e cidadãos brasileiros.