Edição

Projeto: quem sou eu?

31 de janeiro de 2008

Siro Darlan Desembargador do TJERJ, membro da Associação Juízes para a Democracia, membro do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania

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Apresentação
No Estado de Rio de Janeiro, mais de quatro em cada cem crianças não são registradas ao nascer. Os dados são da última PNAD/IBGE – 2006. Sem registro de nascimento, essas crianças não existirão para o Estado, não serão reconhecidas pela sociedade e mal existirão para si mesmas.
Os ritos determinados pelo Estado para estabelecer formalmente a existência da pessoa e do cidadão promovem a distinção entre o mero acontecimento biológico e a instituição do humano. O registro de nascimento é a oficialização desta condição para cada indivíduo humano, inaugurando a cadeia de direitos, deveres e relações a ela inerentes que irão repercutir decisivamente em todos os aspectos de sua vida pública e privada.
Via de reconhecimento oficial pela qual alguém se faz parte de uma nação, de uma comunidade, o RCN é também signo pessoal, inserção em uma linha de filiação, que torna este alguém filho de seus pais, membro de sua família. Crianças sem registro não são cidadãs. Não têm a perspectiva de participação na vida social e política. Não terão acesso aos serviços de saúde, educação e demais benefícios sociais. Não são levadas em conta no planejamento e nas projeções das políticas públicas. Não estão situadas numa linha de parentesco. Sua identidade é, pois, nebulosa, uma vez que não dispõem, como as demais, dos meios que a cultura consagrou para certificar, diante de si e diante dos outros: este é meu País, esta é minha mãe, este é meu pai, esta é minha genealogia, eis quem sou eu.
Assim como nas demais circunstâncias socialmente adversas, são os estratos economicamente mais frágeis os mais atingidos pela ausência deste documento essencial à vida civil e à identidade pessoal. As taxas de sub-registro acometem as crianças nascidas em lares pobres, distantes dos grandes centros, de pais pouco escolarizados. Coincidem também com as situações em que os genitores não são registrados ou relutam em reconhecer a criança.
A Lei 9.534 tornou gratuito o registro civil no Brasil. É responsabilidade do Estado e da sociedade dar-lhe substância, tornando fácil e acessível o registro de todos os nascidos em seu território.
Consciente da importância do registro de nascimento e de que sua falta implica em ausência de reconhecimento oficial, entrave à constituição do sujeito e do cidadão, obstáculo ao pleno gozo dos direitos e ao acesso à justiça, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vem propor um amplo leque de intervenções que erradiquem o sub-registro de nascimento em nosso Estado, convocando a sociedade a empreender ações e campanhas com este objetivo, estimulando mães e pais a registrarem imediatamente seus filhos, criando postos de registro civil em maternidades e hospitais, promovendo mutirões para facilitar os registros tardios de crianças e adultos, inclusive dos idosos. Muitos pais não são, eles próprios, registrados, sendo este um dos motivos que impedem o registro dos filhos. Muitos idosos, responsáveis por crianças e adolescentes, não podem receber os benefícios a que têm direito por falta deste documento. Para maior eficácia, a campanha deve, pois, estender seu alcance aos adultos.
Paralelamente, cumpre tornar simples e imediato o acesso de todos os cidadãos aos dados de seu registro civil. Um grande contingente de brasileiros civilmente registrados não pode recuperar suas certidões: migrações internas, catástrofes, instabilidades e vicissitudes que atingem principalmente os mais humildes ocasionam a perda deste documento, e as tentativas de recompô-lo esbarram em um emaranhado de dificuldades financeiras e legais. O RCN é o documento base sobre o qual se obtêm todos os demais documentos exigidos pelo Estado em situações-chave da vida do indivíduo: identificação civil, matrícula escolar, atendimento de saúde, casamento, recepção de alimentos, aposentadoria e outros. É imperioso, pois, que o Poder Público tome a iniciativa de criar um banco de dados nacional contendo informações mínimas, que permitam a todo cidadão localizar e recuperar sua certidão de nascimento. Uma proposta de âmbito nacional que derrube as barreiras legais e burocráticas à instituição deste serviço está também inserida neste projeto, como dever do Estado e direito de todos.
Que todo cidadão brasileiro possa brandir o registro de nascimento como emblema de sua cidadania, de seu pertencimento a uma comunidade, de sua origem, de seus laços de parentesco, de sua identidade pessoal e única, como documento fundador da vida subjetiva e da vida civil.

Objetivos gerais
1 – Garantir a todas as crianças e adolescentes do Estado do Rio de Janeiro a posse da Certidão de Registro de Nascimento como documento básico de acesso aos valores da cidadania, aos direitos civis e sociais, e ao reconhecimento público e pessoal.
2 – Levar o Estado e a Sociedade fluminenses a atuarem permanentemente na erradicação do sub-registro de nascimento.

Objetivos específicos
1 – Realizar o registro de nascimento de todas as crianças nascidas em 2007 no Estado do Rio de Janeiro.
2 – Aproximar de zero a taxa de sub-registro de nascimento de crianças e adolescentes em todo o Estado.
3 – Promover campanha de divulgação do projeto nos meios de comunicação, centrada na conscientização do valor do RCN como direito de cidadania.
4 – Promover o reconhecimento da paternidade/maternidade das crianças e adolescentes registrados apenas em nome de um dos genitores.
5 – Registrar o maior número possível de adultos, especialmente pais, mães e idosos.
6 – Realizar em agosto – mês do Dia dos Pais – campanha de reconhecimento de paternidade.
7 – Estimular a criação de postos avançados de registro civil em maternidades e hospitais do Estão do Rio de Janeiro.
8 – Deixar nas comunidades um legado permanente de articulação e de equipamentos capazes de combater, com eficácia, o sub-registro de nascimento.
9 – Instituir o dia 13 de julho – aniversário da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – como Dia Estadual do Registro Civil.
10 – Propor a criação de um banco de dados nacional, unificado e acessível a todo cidadão, contendo os dados básicos para a identificação e a localização de todas as certidões emitidas pelos Cartórios de Registro Civil.

Operacionalização
1 – Celebrar parceria entre o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e entidades públicas e privadas, especialmente o Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente, a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio de Janeiro, e a AMAERJ para a realização de mutirões de registro civil nas localidades fluminenses.
2 – Formar comissão de serventuários do TJ/RJ para execução do projeto.
3 – Formar comissão de membros da ANOREG e do CEDCA para compor a equipe de execução.
4 – Promover um primeiro evento no bairro de Santa Cruz, município de Rio de janeiro, como experiência-piloto que sirva de guia para a execução dos módulos subseqüentes.
5 – Angariar o apoio dos meios de comunicação para a promoção de uma campanha de esclarecimento sobre a importância do registro civil, estimulando os casais a registrarem seus filhos logo ao nascer. Agregar a esta ação chamadas paralelas, estimulando os pais a oficializarem a paternidade de filhos ainda não reconhecidos.
6 – Criar em hospitais e maternidades do Estado postos avançados de registro civil.
7 – Envolver as Secretarias de Educação, Saúde, Desenvolvimento Social, Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e Conselhos Tutelares no projeto.
8 – Capacitar escolas, hospitais e outros órgãos de atendimento, munindo-os de informações e meios que possibilitem encaminhamento imediato de responsáveis por crianças e adolescentes atendidos para regularização do RCN, seja para primeiro registro, registro tardio ou reconhecimento espontâneo de paternidade. Orientá-los no sentido de levantar em seus arquivos casos de crianças e adolescentes em cujo registro não consta o nome do pai, para convocação e encaminhamento ao Cartório de Registro Civil ou ao mutirão de RCN.
9 – Definir as localidades-sede e marcar as datas dos mutirões, articulando as parcerias locais indispensáveis a sua realização.

Recursos humanos
Juízes, Promotores de Justiça, Defensores Públicos, Ser-ventuários da Justiça, pessoal dos Cartórios de Registro Civil, Conselheiros Tutelares e pessoal das localidades de realização dos mutirões, voluntários e outros a serem definidos conforme as características locais.

Recursos materiais
A serem definidos quando forem firmadas as parcerias, advindos em parte do engajamento de empresas públicas e privadas do Estado do Rio de Janeiro.