Reforma tributária? Que venha 2023

7 de abril de 2022

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Nos dias de hoje, ronda a cabeça de empresários, políticos, economistas, advogados tributaristas e dos contribuintes em geral a preocupação com a reforma do sistema tributário vigente no Brasil, objetivo visado sem sucesso há quase 30 anos pelos brasileiros.

Sistema tributário consiste no conjunto de regras harmônicas que incidem sobre certos fatos da vida econômica permitindo ao ente político obter receitas, com vistas a satisfazer suas necessidades orgânicas. Um sistema tributário, porém, não existe, apenas, com o propósito de detectar possíveis fontes de receita e criar tributos. Ele também exerce outras funções, sendo uma delas constituir-se em importante instrumento de promoção da justiça social.

Reformar significa romper com paradigmas existentes. O atual sistema, em verdade, mostra-se desgastado e ultrapassado em razão de mudanças sensíveis no comportamento das pessoas físicas e jurídicas, na utilização de fatores de produção, na comercialização de bens e serviços e, ainda, em razão da alteração nos meios de troca.

Com o avanço da tecnologia e sua ampla utilização em todos os setores da atividade humana, os tradicionais tributos não mais se ajustam à maioria das transações modernas. A conhecida afirmação de que “imposto bom é imposto velho” já não faz sentido em face das mudanças profundas no cenário econômico mundial.

Por isto, é forçoso reconhecer que o Código Tributário Nacional já não guarda contemporaneidade com as práticas negociais de hoje. Tampouco, o capítulo da Constituição Federal sobre o sistema tributário. As boas leis também envelhecem.

Da promulgação da Lei nº 5.172/1966, o Código Tributário Nacional, até os dias de hoje, vimos constituir-se e se agigantar a União Europeia, hoje composta de 27 países e a criação de mais de 300 organismos econômicos regionais, entre os quais o nosso Mercosul. Tudo isto mostra como, passados quase 60 anos, o sistema tributário brasileiro demanda atualização e conformidade com o atual modelo vigente no mundo.

Hoje, no Brasil, a balança do comércio exterior experimenta superávits cada vez maiores. Todavia, essa vantagem é relativa, uma vez que não é distribuída equitativamente por toda a população. O saldo positivo acumulado é restrito a poucos privilegiados exportadores, não beneficiando, infelizmente, a indústria, o comércio, os serviços e, por fim, a população.

Com efeito, o incremento do comércio internacional elimina as fronteiras entre os países, tornando-os cada vez mais integrados em um mundo identificado por valores e preferências comuns. A simples adaptação de paradigmas tributários sem a simulação dos seus efeitos nos processos de produção, circulação e distribuição, assim como na formação dos preços de bens e serviços, não ajuda na inserção do País no mundo globalizado em que vivemos.

É preciso harmonizar o nosso sistema tributário com o vigente nos demais países com os quais o Brasil mantém relação comercial, sobretudo no que se refere aos tributos incidentes sobre transações intracomunitárias, a maior parte deles de competência da União.

A pura obsessão pela reforma, sem planejamento e sem ouvir os atores econômicos, entretanto, nos conduz por caminhos sem rumo, o que acaba sendo pior do que a manutenção do quadro vigente. Nesse sentido, vale ressaltar que a mera simplificação das obrigações acessórias, por si, já redundaria em economia significativa. Muitas vezes, gasta-se mais para pagar o tributo do que propriamente pagando-se o tributo. A tecnologia propiciou a oportunidade de adoção de novos métodos de administração tributária. Todavia, a conformação dos tributos com a estrutura normativa moderna permanece a mesma. Esse fato, simplesmente, não tendo sido objeto de preocupação dos responsáveis pela reforma e simplificação do sistema.

Reforma tributária, vale sempre bom lembrar, é tema que interessa a toda a sociedade, à União, aos estados, aos municípios, às empresas e aos cidadãos. No entanto, nenhuma das propostas hoje em discussão no Congresso satisfaz os requisitos para uma boa reforma, seja em termos de simplificação, seja em termos de racionalização, e, muito menos, de redução e de distribuição justa da carga tributária.

É de se notar, por exemplo, que mais de uma centena de países da Europa, da África e da América Latina tributam as transações com mercadorias e serviços com base em um único imposto não cumulativo, o Imposto sobre o Valor Agregado, que incide sobre o valor acrescido em cada transação comercial. No Brasil, vários impostos e contribuições, de competência dos três níveis de poder, incidem sobre uma mesma base econômica. A fusão de alguns tributos e a eliminação de outros será bem-vinda em tempos de reforma. Afinal, o respeito ao federalismo não pode servir de obstáculo à simplificação do sistema.

Na tentativa de mudar, duas propostas, que unificam impostos sobre o consumo dando origem ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), caminham pelos gabinetes do Congresso com velocidades diferentes. À frente, a PEC nº 110/2019, em discussão bastante avançada no Senado Federal, enquanto a PEC nº 45 estacionou na Câmara dos Deputados. Com qualidades e defeitos, nenhuma das duas conseguiu cativar estados e municípios nem, sequer especialistas e contribuintes.

Uma terceira proposta, oriunda do Poder Executivo federal, o projeto de lei nº 3.887/2020, propõe a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que significa a perda de competência estadual e municipal sobre dois importantes impostos, em termos de arrecadação, quais sejam, o ICMS e o ISS.

Cuidando apenas de tributos que incidem sobre o consumo, nenhum desses projetos prevê a extensão das faixas de alíquotas do Imposto de Renda incidente sobre a pessoa física e sobre a pessoa jurídica, que tornaria mais efetiva a progressividade prevista no art. 153, § 2º, inciso I, da Constituição do Brasil, único meio de aferir a capacidade contributiva dos contribuintes e de promover a efetiva justiça fiscal no País.

Reduzir o número de tributos não é suficiente. É preciso, do mesmo modo, rever a interminável quantidade de normas atinentes à matéria expedidas continuamente, tais como leis, decretos, instruções normativas, pareceres e soluções de consulta, que inundaram o nosso ordenamento jurídico tributário, congestionando o Poder Judiciário com infindáveis demandas.

Outro ponto, da maior relevância, diz respeito à oportunidade da mudança. A pandemia, que vem resistindo às medidas sanitárias de isolamento e às vacinas, afetou significativamente alguns indicadores econômicos, provocando a contração dos meios financeiros, a retração dos mercados, a queda da produção e o aumento do desemprego. Essa constatação vem mostrar a temeridade de uma reforma açodada e sem maior discussão junto à sociedade.

Sem um prognóstico seguro sobre as possibilidades futuras de estabilidade política, social, econômica e institucional, é impensável reformar-se o atual sistema, sob pena de se chegar a um desequilíbrio estrutural sem retorno. Nossos políticos e parlamentares, porém, em regra, não demonstram sensibilidade suficiente para perceberem a inoportunidade da mudança.

A necessidade de estudos e de discussão mais profundos dizem respeito, ainda, à criação das criptomoedas, que assumiram proporções de quase competição com a moeda corrente onde circulam. Qualquer mudança que se pretenda não pode ignorar a nova realidade observada na circulação de bens e serviços. Novos tributos devem ser pensados, a fim de que essas transações não fiquem alheias à incidência.

Não custa, ainda, recordar que o estado de calamidade econômica não assola apenas o nosso País, mas o mundo inteiro, o que torna ainda mais grave o problema, visto que a economia brasileira depende em grande parte das relações comerciais com outros povos.

A invasão da Ucrânia pela Rússia, outro fato que merece ser levado em conta, certamente causará forte desequilíbrio nas relações e nas transações internacionais instituindo, certamente, uma nova ordem econômica no mundo. Não se pode prever aonde chegará o conflito, mas, de toda forma, não se deve desprezar a mudança que está por vir.

Há que se considerar, também, que estamos em ano de eleição. Se, por um lado, o pensamento político está voltado para as campanhas eleitorais no plano federal e nos estados, por outro, não faltará político tentando implementar uma reforma para chamar de sua e, com isto, angariar mais apoio e mais votos.

Em virtude das considerações acima, a propalada reforma não deve ser objeto de discussão antes de 2023, tendo em vista que nesse ano teremos novo presidente e novos governadores e deverá ter início o processo de recuperação dos estragos econômicos provocados, principalmente, pela pandemia.

O certo é que, qualquer que seja a previsão sobre os resultados da reforma, a turbulência econômica do momento pode provocar desvio nos propósitos, o que fatalmente ocorrerá. E será inútil tentar, mais tarde, corrigir os rumos de uma má distribuição de competências e de arrecadação. Isto pode ser evitado, bastando esperar por ocasião mais oportuna e adequada. Quem tem pressa, vai devagar.