Sepúlveda, Bernardo Cabral e a reafirmação dos compromissos da advocacia brasileira

17 de outubro de 2023

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O ano de 2023 ficará marcado para a advocacia como o de justas homenagens a baluartes do regime democrático brasileiro. As duas principais condecorações do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), as medalhas Raymundo Faoro e Rui Barbosa, terão como destino personagens que contribuíram decisivamente para a retomada de nossa democracia e a consolidação de direitos e garantias do povo brasileiro: Sepúlveda Pertence e Bernardo Cabral, respectivamente. Para além, entrelaçarão para a eternidade os nomes de quatro grandes juristas de nossa história.

Uma das principais condecorações da advocacia brasileira, a Medalha Raymundo Faoro foi outorgada in memoriam pelo Pleno do CFOAB ao saudoso Ministro Sepúlveda Pertence, durante a sessão de agosto. Há 20 anos, quando Faoro nos deixou, o Ministro Pertence, em um tributo emocionado, recordou que a Ordem assumira uma posição pioneira na resistência e na luta pela democracia sob a presidência do colega. Naquela ocasião, Pertence deu um testemunho vívido do papel crucial que Faoro desempenhou nos momentos mais desafiadores de nosso processo de redemocratização. 

“A Ordem dos Advogados do Brasil foi progressivamente assumindo um papel de vanguarda na resistência e na luta pela retomada do processo democrático. Partícipe da história da OAB nesses anos, tanto no Conselho da Seccional do Distrito Federal quanto no Conselho Federal da OAB, guardo aqueles dias como alguns dos mais gratificantes da minha vida, na medida em que se podia em todos os outros canais fechados sentir-se cidadão”, afirmou Pertence. Relembrando esses tempos cruciais, em que a Ordem foi um farol em meio à escuridão, o pleno do CFOAB rendeu, em cerimônia preenchida de emoção, justa homenagem a essas duas personalidades.

Natural de Sabará, Minas Gerais, Pertence foi professor da Universidade de Brasília, procurador-geral da República e teve participação na elaboração do anteprojeto da Constituição, por meio da Comissão Afonso Arinos. Sua trajetória foi consolidada em sua marcante passagem pelo Supremo Tribunal Federal. Aqueles que tiveram o privilégio de conviver com ele reconhecem, de forma unânime, a generosidade com que compartilhava a sabedoria acumulada em anos de dedicação à ciência jurídica.

A prudência e o equilíbrio, aliados à sensibilidade, são traços marcantes de suas decisões – sempre guiadas pela segurança jurídica – que até os dias de hoje ecoam na jurisprudência nacional. O brilhantismo na magistratura não ofuscou a alma de advogado de Pertence. Pelo contrário, coroou sua essência humanista e constitucionalista. Em 62 anos dedicados à Justiça brasileira, seu espólio imaterial é, portanto, universal!

Na 24a Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, a ser realizada entre 27 e 29 de novembro em Belo Horizonte, será o momento de tecer homenagens ao relator da Constituinte, meu conterrâneo de Amazonas Bernardo Cabral. Nada mais justo do que entregar a este, um dos principais artífices da advocacia na Carta de 1988, a medalha que leva o nome de Rui Barbosa, um dos artesões da Constituição de 1891, a primeira de nosso período republicano, que tantos avanços trouxe à sociedade brasileira.

Rui, cujo falecimento completa um século em 2023, teve papel decisivo nas grandes transições políticas vividas pelo Brasil no final do Século XIX e no início do Século XX. Estudioso de sistemas constitucionais estrangeiros, ele incorporou ao anteprojeto de 1891 mecanismos inovadores – e que ainda hoje permanecem no sistema republicano brasileiro, como a independência entre os Poderes, a laicidade estatal e a garantia constitucional do habeas corpus.

Possuía a brilhante capacidade de ser a vanguarda do mundo jurídico, sem perder de vista a importância das transformações do tempo presente. Como já afirmei em diversos outros momentos, Rui é mestre e mentor de todos os operadores do Direito em nosso País. Nada mais justo que a medalha que carrega seu nome seja entregue a um dos principais personagens da advocacia brasileira na Constituição de 1988, a Carta que devolveu ao povo brasileiro direitos, garantias, liberdades. Que legou ao País o seu maior período de democracia ininterrupta.

Bernardo Cabral decidiu tornar-se advogado após perder o irmão de 17 anos de forma brutal. Atuou como jornalista, promotor, chefe de polícia e psicólogo. Deputado estadual, depois federal, fixou-se como grande opositor ao regime militar brasileiro. Por essa razão, teve o mandato interrompido após a suspensão de seus direitos políticos em razão do Ato Institucional no 5. Voltou ao exercício da advocacia com ainda mais destemor.

Tornou-se conselheiro federal e não demorou a se eleger secretário-geral da OAB ao tempo da presidência de Eduardo Seabra Fagundes. Naquele período, presenciou o mais violento ataque à advocacia: a carta-bomba que vitimou Lyda Monteiro. Em reação ao atentado, teve papel preponderante na efetivação da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB. De volta à política, eleito deputado constituinte, foi de sua caneta a gênese do art. 133, que consagra a advocacia como atividade indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

É simbólico que, neste 2023, ano de reafirmação da força do nosso regime democrático e da recusa a retrocessos autoritários, a advocacia simbolize o seu compromisso por meio dos dois homenageados e dos personagens de nossa história que dão significados perenes a essas honrarias. De Rui Barbosa a Raymundo Faoro, de Bernardo Cabral a Sepúlveda Pertence, persistirá o compromisso do Conselho Federal da OAB com a democracia e a liberdade do povo brasileiro, em respeito à memória e ao legado construído pelos juristas que nos precederam.