Breves reflexões sobre Responsabilidade Civil no âmbito da comunicação-Parte 2

12 de julho de 2011

Presidente do Conselho Editorial / Corregedor Nacional de Justiça / Ministro do STJ

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A responsabilidade civil dos jornalistas e das fontes

 
Na década de 70 surge o caso Watergate, marco ainda importante para o exame da questão proposta. O episódio é relativo à escuta ilegal e violação da sede do partido democrata, supostamente por elementos vinculados à Casa Branca. O uso freqüente da fonte “garganta profunda” e a atuação dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein resultaram na renúncia do presidente Nixon.
 
Duas características desse acontecimento podem ser destacadas: a) liberdade plena dos repórteres que desenvolveram a investigação, com absoluta responsabilidade e ética, visando a colheita de prova dos fatos (nenhuma notícia era divulgada sem confirmação com outras fontes); b) posição transparente do jornal e de sua proprietária, que não dificultaram a atuação dos jornalistas.
 
Discute-se, nos dias atuais, a questão da veracidade da informação. A verdade deve ser objetiva, com adequação fiel do que foi narrado ao ocorrido, ou contenta-se o interesse social com a verdade subjetiva, vale dizer, a crença, por parte do jornalista ou do órgão de imprensa, em aquilo que acredita ser real?
 
A tendência da jurisprudência é exigir a verdade objetiva, por isso a importância de se obter fontes confiáveis, com absoluta responsabilidade na apuração da notícia.
 
No ponto, de todo modo, o importante é encontrar standards ou padrões, que podem ser aplicados em todos os casos, como critérios gerais para balancear os interesses em conflito. A ponderação de valores, entre o dever de noticiar ensejando o direito da sociedade de estar bem informada, e o resguardo ao direito à intimidade e ao sigilo.
 
É o que parte da doutrina considera como o direito ao “segredo da desonra”.
 
Como dito, alguns itens devem ser sempre e sempre considerados.
 
Assim é que a matéria noticiosa necessita ser verdadeira; o interesse público na veiculação dos fatos deve preponderar; e o jornalista ou órgão de imprensa deve usar o princípio da razoabilidade na forma como os fatos são noticiados.
 
A Constituição de 1988 traz alguns dispositivos que merecem ser examinados para a correta compreensão do tema.
 
O artigo 5º, incisos IX e X, da CRFB/88:
 
“IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura e licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação;”

 
O artigo 200, parágrafo 2º, da Constituição Federal disciplina que:
 
“É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
 
E o artigo 21, inciso XVI, da Constituição Federal assim determina:
 
“Art. 21 – Compete à União:
(…)
XVI – exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão;”
 
Há também importantes dispositivos e leis infraconstitucionais acerca do tema.
 
A Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) “regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação”.
 
O artigo 229, do Código Civil de 2002 e o artigo 207, do Código de Processo Penal, tratam sobre a impossibilidade de obrigar o jornalista a depor.
 
Todos os dispositivos merecem destaque para um aprofundado estudo das questões postas.
 
Igualmente relevantes os enunciados das súmulas 221 e 284 do Superior Tribunal de Justiça:

“Enunciado 221 – São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publi-cação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.
Enunciado 281 – A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.”

Convém, para logo, delimitar o sentido do que vem se denominando de “direito à imagem”, com proteção jurídica específica e diferenciada.
 
Constitui a imagem sinal visível de um outro direito geral e constitucional, que é o da personalidade.
 
A imagem transmite ao mundo exterior o “ser imaterial da personalidade”. A fisionomia, o corpo, o perfil, são exemplos do que vem sendo protegido pelo direito.
 
Sua utilização, sem consentimento, pode gerar dano material e moral.
 
A jurisprudência está repleta de questões a esse respeito. Alguns pontos podem ser destacados: a) vedação ao aproveitamento econômico da imagem de uma pessoa, seja alguém público ou desconhecido, sem o seu consentimento; b) possibilidade de utilização da imagem de alguém para fins comerciais, com seu consentimento e nos limites deste; c) em relação à imagem de pessoas públicas ou notórias, não havendo exploração comercial, podem ser publicadas informações acerca delas em contextos informativos, sem necessidade de consentimento; d) possibilidade de divulgação, mesmo sem consentimento, da imagem de pessoas envolvidas em eventos públicos; e) prevalência do interesse da ordem pública e sobretudo cultural na divulgação de imagens; f) preservação do decoro e honra, sem invasão de privacidade, quando se noticia fatos envolvendo pessoas, podendo o abuso acarretar dano moral.
 
Há, nesse particular, uma diferença entre as esferas pública, íntima e absolutamente privada dos indivíduos, notadamente daquelas pessoas “famosas e conhecidas”.
 
Vem a pêlo interessante questão envolvendo conhecido compositor da música popular brasileira, que teve sua fotografia estampada em jornais de grande circulação, quando em uma tarde, no mar do Leblon – RJ, beijava uma mulher.
 
Qual o limite entre a notícia informativa e a violação da intimidade da pessoa pública?
 
Sobre o tema, leciona Rui Stoco:

“A divulgação de fatos verdadeiros como mera representação e projeção do ocorrido no mundo físico e no plano material, através dos meios atualmente à disposição – tais como jornal, revista, televisão, rádio e internet – como simples repasse de informações obtidas e transmitidas de forma lícita, fiel e assinada, não comporta disceptação, nem traduz em abuso ou excesso. Em verdade, significa o exercício de um direito assegurado.
(…)
Segundo nos parece, o grau de resguardo e de tutela das pessoas famosas e notórias não pode ser o mesmo do homem comum, até porque a fama e o prestígio costuma ser a meta optata de certas pessoas e celebridades e, assim, o meio e modo pelo qual obterão esse desiderato” (Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pg. 1765).

Outra questão decorrente da utilização da imagem é aquela relativa à inserção, por exemplo, da pessoa em uma fotografia coletiva, sem qualquer destaque, mas utilizada para fins comerciais.
 
O caso concreto é que irá separar a tênue linha divisória entre o resguardo ao direito de imagem e o aspecto econômico que dele decorre.
 
Estudo de casos
Com base em exame de casos já julgados, passa-se ao estudo mais aprofundado da responsabilidade dos jornalistas e fontes:
 
Caso 1:
Ainda antes da vigência da atual Carta Constitucional, existe significativo precedente da Suprema Corte, em acórdão datado de 1968, relator ministro Aliomar Baleeiro, resolvendo questão em que se pleiteva a retirada de circulação da revista “Realidade” (RMS 18.534/SP, Recurso em Mandado de Segurança 18534/SP, Relator  Min. Aliomar Baleeiro, julgamento:  01/10/1968, Segunda Turma).
 A ementa é a seguinte:

“Obscenidade e pornografia. O direito constitucional de livre manifestação do pensamento não exclui a punição penal, nem a repressão administrativa de material impresso, fotografado, irradiado ou divulgado por qualquer meio, para divulgação pornográfica ou obscena, nos termos e forma da lei. À falta de conceito legal do que é pornográfico, obsceno ou contrário aos bons costumes, a autoridade deverá guiar-se pela consciência de homem médio de seu tempo, perscrutando os propósitos dos autores do material suspeito, notadamente a ausência, neles, de qualquer valor literário, artístico, educacional ou científico que o redima de seus aspectos mais crus e chocantes. A apreensão de periódicos obscenos cometida ao Juiz de Menores pela Lei de Imprensa visa à proteção de crianças e adolescentes contra o que é impróprio à sua formação moral e psicológica, o que não importa em vedação absoluta do acesso de adultos que os queiram ler. Nesse sentido, o Juiz poderá adotar medidas razoáveis que impeçam a venda aos menores, até o limite de idade que julgar conveniente, desses materiais, ou a consulta dos mesmos por parte deles.”

Trechos do venerando acórdão revelam certa premonição do ministro Aliomar Baleeiro, um homem à frente de seu tempo.
 
Por isso que as idéias trazidas com o julgado podem ser consideradas tão atuais.
 
Por exemplo, aparecer com o tronco desnudo na praia já foi considerado erótico. O casamento inter-racial, nos estados racistas dos Estados Unidos da América, era considerado atentatório aos bons costumes.
 
É de se concluir, portanto, que uma atitude censurável num determinado momento histórico, em outro mais adiante, ou em outra circunstância, deixa de ser.
 
A noção de interesse público, destarte, quando em jogo os valores previstos em sede constitucional, reflete o tempo presente, com todas as nuances que envolvem a cultura, educação, informação e sociedade do momento.
 
Caso 2:

“DESPACHO: RE contra acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial do Estado do Acre que tem a seguinte ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL – IMPRENSA – PUBLICAÇÃO OFENSIVA – LESÃO À HONRA – OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR OS DANOS MORAIS – INVOCAÇÃO DO DIREITO À CRÍTICA INSPIRADA NO INTERESSE PÚBLICO (ART. 27, VII, DA LEI DE IMPRENSA) – NÃO ACOLHIMENTO. 1. Jornalista que em periódico de grande movimentação envolve o nome de Senador da República em situação ilegal, sem conseguir comprová-la, maculando assim sua honra, deve responder pelos danos morais causados em vista da natureza caluniosa das afirmações. 2. A invocação do direito à crítica inspirada pelo interesse público não merece acolhimento porque o art. 27, VIII, da Lei de Imprensa não protege a crítica indiscriminada e jogada sem qualquer base, ou ilaqueada em falsas premissas. 3. Recurso conhecido e improvido.
O acórdão recorrido decidiu a questão à luz das provas e da legislação infraconstitucional pertinente: a alegada ofensa à Constituição seria, acaso ocorresse, indireta ou reflexa, insusceptível de reexame pela via extraordinária. Ademais, a alegada ofensa ao art. 5º, IV, IX, da Constituição não foi examinada pelo acórdão recorrido, nem foram opostos embargos de declaração: incidem as Súmulas 282 e 356. Nego seguimento ao recurso extraordinário. Brasília, 18 de dezembro de 2003.” Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Relator. (RE 387.443-AC, julgado em 18/12/2003, DJ 09/02/2004, p. 51).

Ainda que não conhecido o recurso extraordinário, o interessante julgado traz a lume novamente a questão relativa à necessidade de ser veraz a informação veiculada. Ademais, não se pode invocar, em caso de comprovada falsidade da notícia, o direito à crítica inspirada pelo interesse público.
 
Para fins de proteção do jornalista, nosso Direito Positivo pressupõe, repete-se, a veracidade objetiva da informação.
 
Além do mais, ainda que verdadeira, a notícia não pode refletir crítica indiscriminada e leviana, com ofensa à honra da pessoa.
 
Nesse particular, parece existir uma esfera íntima inviolável do indivíduo, como pessoa humana, que não pode ser ultrapassada.
 
É claro que, em se tratando de pessoas notórias, prevalece, em regra, a liberdade de noticiar.
 
Alguns aspectos da vida particular de pessoas públicas podem ser noticiados. Os “famosos” devem estar acostumados à “bisbilhotagem” da sociedade. No entanto, o limite para a informação é o da privacidade da pessoa, como, por exemplo, a restrição que se impõe à divulgação de doenças ou boatos envolvendo tais personalidades.
 
Caso 3:

“DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚ-BLICO. Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente à sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso especial não conhecido.” (Superior Tribunal de Justiça – REsp 595600-SC, Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Quarta Turma, data do julgamento 18/03/2004, DJ 13/09/2004, p.259).

A questão trazida pelo venerando acórdão em comento diz respeito a um misto de proteção ao direito de imagem, visto como poder de divulgação, e utilização da informação captada. Quando alguém expõe-se publicamente e sua imagem é captada, sem interesse comercial, em local aberto e freqüentado livremente, não se há falar em proteção aos direitos da personalidade. Nesse passo, convém assinalar que a divulgação da notícia não imputou à requerente nenhum fato jocoso ou vexatório, por isso que a decisão apresenta características interessantes quanto à avaliação do limite do direito de informar contraposto ao resguardo da imagem da pessoa humana.
 
Caso 4:

“Dano moral. Notícia em jornal com imputação falsa de crime. Lei de Imprensa, art. 27, VI. Código Civil, art. 160. 1. Não é ato delituoso a justificar a indenização por dano moral a notícia que informa a prisão de funcionária pública por tráfico de entorpecente, se, efetivamente, o auto de prisão em flagrante tem como base o art. 12 da Lei n° 6.368/76, especificando tratar-se de tráfico. Em tal circunstância, o conhecimento do Especial não avança sobre a Súmula n° 07 da Corte porque a base empírica do acórdão recorrido é a de imputação falsa do crime de tráfico de entorpecente, o que, como consta do auto, foi exatamente a imputação que ensejou a prisão da autora. Não há, portanto, a imputação falsa, pela conformidade da notícia com o crime atribuído pela autoridade policial. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 263887-MS. Terceira Turma. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. j. 15.03.01).

A orientação da jurisprudência é no sentido de que a empresa jornalística ou a mídia não são responsáveis por publicar reportagem manifestamente relevante e que consulta ao interesse social, seja em relação a autoridades públicas, seja no tocante a empresas ou entidades privadas.
 
É dizer que, havendo no caso o interesse social, prepondera o direito de informar, inexistindo dano, em relação a qualquer fato noticiado, desde que observada a razoabilidade da forma noticiosa.
 
O que pode surgir, em decorrência dessa afirmação, é a questão relativa à idoneidade da fonte jornalística. O simples fato de ter a notícia partido ou ter sido obtida de uma autoridade, ainda que reconhecidamente séria, por si só não “purifica ou legitima” a informação. Não há, na verdade, presunção absoluta de veracidade, devendo o repórter obter confirmação da notícia antes de publicá-la.
 
Equivale dizer, resumindo, que a notícia, para ser divulgada, necessita ser comprovada, observando o jornalista, ainda, o princípio da razoabilidade dos meios e da forma de divulgação.
 
Mister sublinhar, deveras, que o interesse social, que contém o interesse público, deve estar latente e perceptível pelo julgador, que poderá utilizar o critério de avaliação do “homem médio.”
 
Outro ponto relevante e que deve ser mencionado é a transcrição de notícia, ainda que ofensiva a determinada pessoa, mas refletindo opinião de outra, externada em local público, como assembléia de condomínio ou tribuna de parlamento. Há ampla permissão para divulgação, devendo o terceiro, se for o caso, responder pela ofensa.
 
Caso 5:

“CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. LEI DE IMPRENSA. NOTÍCIA JORNALÍSTICA. ABUSO DO DIREITO DE NARRAR. ASSERTI-VA CONSTANTE DO ARESTO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME NESTA INSTÂNCIA. MATÉRIA PROBATÓRIA. ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA/STJ. DANO MORAL. DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DE DIREI-TO. RESPONSABILIDADE TARIFADA. DOLO DO JORNAL. INAPLICABILIDADE. NÃO-RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. PRECEDENTES. RECURSO DESACOLHIDO.
1. Tendo constado do aresto que o jornal que publicou a matéria ofensiva à honra da vítima abusou do direito de narrar os fatos, não há como reexaminar a hipótese nesta instância, por envolver análise das provas, vedada nos termos do enunciado nº 7 da Súmula/STJ. 2. Dispensa-se a prova de prejuízo para demonstrar a ofensa ao moral humano, já que o dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da pessoa, por vez é de difícil constatação, haja vista os reflexos atingirem parte muito própria do indivíduo – o seu interior. De qualquer forma, a indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas também pela violação de um direito. 3. Agindo o jornal internacionalmente, com o objetivo de deturpar a notícia, não há que se cogitar, pelo próprio sistema da Lei de Imprensa, de responsabilidade tarifada. 4. A responsabilidade tarifada da Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988, não se podendo admitir, no tema, a interpretação da lei conforme a Constituição.” (REsp 85.019-RJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgamento em 10/03/1998, DJ 18.12.1998 p. 358).

O acórdão aborda dois temas importantes, em sede de indenização por ofensas jornalísticas.
 
O primeiro é que, para caracterização do dano moral, há dispensa da prova do prejuízo. A só ofensa acarreta lesão à personalidade, apta a ensejar a recomposição pecuniária.
 
O segundo é a impossibilidade de se tarifar a verba indenizatória para a generalidade dos casos, pelo óbvio motivo de que as circunstâncias variam em cada situação.
 
Parte 1

 
Luis Felipe Salomão
Ministro do STJ
Membro do Conselho Editorial