O Direito Financeiro nas faculdades e no Exame de Ordem

3 de maio de 2022

Desembargador Federal do TRF-2a Região, Professor Titular de Direito Financeiro da UERJ

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No dia 5 de abril deste ano de 2022, o Conselho Pleno da OAB Nacional aprovou, dentre outras alterações, a inclusão da disciplina Direito Financeiro na prova objetiva do Exame de Ordem Unificado, a valer a partir da sua 38ª edição, que deve ocorrer em meados de 2023.

Esta acertada e oportuna providência ocorreu na esteira da deliberação do Ministério da Educação (MEC), ocorrida no mês de abril de 2021 (DOU de 15/4/2021, Edição: 70, Seção: 1, Página: 580), que alterou o art. 5o da Resolução CNE/CES no 5, de 17/12/2018, norma que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Direito, incluindo o Direito Financeiro no rol de disciplinas jurídicas de conteúdo essencial – integrantes do Eixo de Formação Geral, Técnico-Jurídico e Profissional tornando-a, desde então, obrigatória na grade curricular para todos os cursos de graduação em Direito.

Abro um parêntese para tentar, de forma breve e sintética, relatar como e o porquê o MEC voltou, somente agora, a considerar o Direito Financeiro uma disciplina de conteúdo essencial e obrigatória (rebaixada à matéria “eletiva” ou “optativa” desde a década de 1970).

Tudo começou em dezembro de 2014, quando submeti uma carta a renomados professores de Direito Financeiro e Tributário de diversas universidades públicas do Brasil, para o fim de apresentar o pleito ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Formalmente protocolada, a carta transformou-se no requerimento no 49.0000.2014.014434-6, dirigido ao então Presidente do CFOAB, Dr. Marcus Vinícius Furtado Coêlho, com o encaminhamento de submissão ao Plenário para deliberação. Lá o assunto começou a germinar.

Em um segundo momento, no ano de 2017, durante o IV Congresso Internacional de Direito Financeiro, sediado no Tribunal de Contas do Estado do Ceará, foi apresentada ao público a “Carta de Fortaleza”, em que se destacava a relevância do Direito Financeiro e requeria-se a sua transformação como disciplina obrigatória nos cursos de Direito e a sua exigência no Exame de Ordem, manifesto subscrito pela Sociedade Brasileira de Direito Financeiro (SBDF), instituição sem fins lucrativos que se destina a desenvolver os estudos e debates sobre temas relacionados com o Direito Financeiro e Finanças Públicas (fundada por mim, juntamente com Dr. Edilberto Lima, Dr. Ronaldo Chadid e Dr. Francisco Pedro Jucá, este último assumindo a Presidência).

Por sua vez, em 2019, como “Presidente de Honra” da Comissão Especial de Direito Financeiro do Conselho Federal da OAB (Portaria CFOAB no 1.338/2019), juntamente com seu o Presidente efetivo Dr. Luiz Claudio Allemand, voltamos a fazer os respectivos requerimentos, inclusive à Coordenação Nacional do Exame de Ordem da OAB, pedidos formalizados no Processo no 49.0000.2019.012442-2, na qual obteve um substancioso parecer em 20/02/2020, com a seguinte conclusão:

Em sintonia com o pedido feito, recomendo a inserção do tema em Seminários Nacionais de Educação Jurídica realizados pela OAB Nacional com a finalidade de conscientizar os mantenedores, coordenadores, docentes e alunos sobre a importância do conteúdo e a necessidade de sua oferta de forma obrigatória por todas universidades, centros universitários e faculdades, até a modificação da Resolução do CNE;

No tocante ao Exame de Ordem, recomendo a continuidade da cobrança do conteúdo de Direito Financeiro, sempre que possível, em todas as provas aplicadas anualmente, observando a sua inserção em diferentes áreas do Direito, respeitando a sua interdisciplinaridade;

Por fim, recomendo, o envio do presente parecer aos requerentes para conhecimento e à Fundação Getúlio Vargas para conhecimento e adoção das providencias cabíveis.

Com base no referido parecer, em 2020, a direção da OAB Nacional (nas pessoas do Dr. Felipe Santa Cruz e do Dr. Alberto Simonetti) subscreveu ofícios ao presidente do Conselho Nacional de Educação e ao ministro da Educação.

Para reforçar o pleito, obtivemos apoios manifestados formalmente pelo Ministério da Justiça, Advocacia-Geral da União, Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon), Instituto Rui Barbosa, Tribunal de Contas da União, dentre outros, e com suporte deles, oficiamos e reiteramos os pedidos anteriormente feitos, até que em 6 de novembro de 2020 recebi o Ofício no 583/2020/CES/SAO/CNE/CNE-MEC, que informava a constituição de uma comissão para revisar as diretrizes nacionais do cursos de Direito e apreciar o nosso pleito de inclusão do Direito Financeiro, conforme redação abaixo:

Recebemos, neste Conselho Nacional de Educação (CNE), o Ofício no 2119/2020/ASTEC/GM/GM-MEC, da Chefe da Assessoria Técnica de Gestão Administrativa do Gabinete do Ministro que encaminhou a sua Correspondência Eletrônica, datada de 3 de outubro de 2020, constante do processo no SEI 23123.005917/2020-61, por meio da qual Vossa Excelência solicita a inclusão da disciplina jurídica de Direito Financeiro no rol de disciplinas jurídicas de conteúdo essencial, constantes no inciso I do art. 5o da Resolução CNE/CES no 5/2018.

Sobre o assunto, informamos que na Reunião Pública desta Câmara, ocorrida no dia 8 de outubro de 2020, o Presidente desta Câmara de Educação Superior (CES), conselheiro Joaquim José Soares Neto, fez Indicação para constituir Comissão para revisar as supramencionadas DCNs, principalmente no que se refere ao art. 5o. A Comissão ficou constituída da seguinte forma: Conselheiro Marco Antônio Marques da Silva, Presidente, Conselheiro Luiz Roberto Liza Curi, Relator, conselheiros José Barroso Filho e Robson Maia Lins, na condição de membros.

Em 10 de dezembro de 2020, a Câmara Superior de Educação aprovou a proposta de alteração do art. 5o da Resolução CNE/CES no 5, de 17 de dezembro de 2018, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Direito, para incluir, dentre outras, o Direito Financeiro. A homologação e a efetiva alteração da norma pelo MEC ocorreram em abril de 2021.

Assim, já com a inclusão do Direito Financeiro na grade curricular de disciplinas obrigatórias das faculdades de Direito, o Conselho Federal da OAB pode deliberar pela sua cobrança no Exame de Ordem, o que de fato ocorreu em abril passado (5/4/2022).

Muito mais do que ser uma decisão exclusivamente voltada aos interesses corporativos da advocacia, a conferir maior capacitação técnica para atuação jurídico-profissional nesse campo do Direito, entendemos que o Conselho Federal da OAB preocupou-se também com a importância da temática para o exercício da cidadania.

Já nos manifestamos algumas vezes apregoando que o Direito Financeiro é uma ferramenta importante para a realização de uma necessária mudança social, capaz de direcionar positivamente os atos dos governantes e agentes públicos, fortalecer o Estado brasileiro e influenciar para melhor a vida em sociedade.

A conscientização dos estudantes de Direito, futuros bacharéis, quanto aos direitos e deveres do cidadão na seara fiscal é fundamental para que se possa exigir uma melhor gestão do Erário. Afinal, sempre se soube que o nível de conhecimento da real importância dos principais aspectos do Direito Financeiro era (e ainda é) incipiente no Brasil, uma vez que grande parte das faculdades de Direito não vinham colaborando a contento, com ressalva das poucas que desde sempre incorporaram a disciplina em seus currículos de maneira obrigatória. Passando o Direito Financeiro a integrar a grade curricular e a ser cobrado no Exame de Ordem, os primeiros passos foram dados e agora é esperar para produzir seus frutos.

Não obstante os aperfeiçoamentos dos últimos anos na prova de ingresso na advocacia – sendo a recentíssima inserção do Direito Financeiro um feliz exemplo – ainda há vozes contrárias e críticas à realização do Exame de Ordem, sob a equivocada premissa de que o exercício profissional da advocacia deveria ser livre e irrestrito.

Devemos lembrar que a própria Constituição Federal de 1988, no seu importante art. 5o, berço dos direitos fundamentais do cidadão, estabelece em seu inciso XIII que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Ora, veja-se que a nossa Lei Maior, ao garantir o livre exercício da profissão (inclusive a advocacia), ressalva que, para tanto, devem ser atendidas as exigências – qualificações profissionais – previstas em lei. E a Lei no 8.906/1994, que é o Estatuto da Advocacia, prevê a aprovação no Exame de Ordem como requisito necessário para a inscrição como advogado (Art. 8o, IV).

Como se não bastasse, no dia 26 de outubro de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, em decisão unânime (RE 603.583), a constitucionalidade do Exame de Ordem como sendo um requisito indispensável para o exercício da advocacia em nosso País. O então relator, Ministro Marco Aurélio Mello, defendeu o papel da OAB ao destacar que o exame assume a função de “proteger a sociedade dos riscos relativos à má operação do Direito”. O Ministro asseverou também que: “Justiça é bem de primeira necessidade. Enquanto o bom advogado contribui para realização da Justiça, o mau advogado traz embaraços para toda a sociedade”.

Pois bem: o que pouca gente sabe e conhece é a imensa e capacitada estrutura profissional que realiza esse importante exame. Não é do dia para a noite e nem com um simples estalar dos dedos que essa prova é desenvolvida, para ser aplicada três vezes por ano, em duas etapas, no País inteiro e para mais de 130 mil bacharéis por vez.

A instituição responsável pela avaliação desde 2010 é a FGV-Conhecimento. Desde então, até o presente momento, já foram realizados 65 Exames de Ordem Unificados. Ao todo participaram cerca de 1,3 milhão de bacharéis e estudantes do nono e décimo períodos em Direito, sendo mais de 800 mil aprovados e certificados para fins de inscrição como advogados na Ordem dos Advogados do Brasil. Para tanto, cerca de 25 mil pessoas participam da aplicação de cada prova.

Para garantir a qualidade do conteúdo nas diversas áreas do Direito que o Exame de Ordem pretende avaliar, cada prova é elaborada por uma equipe composta por profissionais altamente qualificados e de notório saber jurídico. Esse grupo que elabora as questões é integrado por advogados públicos e privados de renome, defensores públicos, promotores de justiça, juízes e desembargadores estaduais e federais, bem como ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do STF.

Acreditamos que a partir de agora, sendo o Direito Financeiro uma disciplina obrigatória para a graduação em Direito e também passando a ser exigida no Exame de Ordem, o seu estudo se fará presente e produzirá seus efeitos positivos. Afinal, como formadores de opinião, advogados públicos e privados, defensores, procuradores, magistrados e todos os demais operadores do Direito poderão difundir e influenciar o cidadão brasileiro quanto à necessidade de uma boa, eficiente e responsável aplicação dos recursos públicos.